Destaque

«Na mobilidade, a mudança cultural necessária é fazer com que o interesse coletivo se concretize pelas nossas opções individuais»

Entrevista a Olga Pereira, Vereadora da Mobilidade do Município de Braga

Em entrevista à Revista Minha, Olga Pereira, a vereadora responsável pela Mobilidade, explica quais os caminhos estratégicos que a autarquia pretende percorrer no sentido de alcançar a meta de uma cidade mais limpa, segura e eficiente.

Desde o anúncio oficial do Bom Jesus como Património Mundial da UNESCO, o que já foi feito para dinamizar o turismo?

O trabalho iniciou muito antes da inscrição. Todo o processo de candidatura teve uma visibilidade muito significativa. Procurámos, em primeiro lugar, fazer a requalificação do património (escadórios, capelas e basílica), permitindo, desta forma, qualificar a visita. Reaproximar o Bom Jesus dos bracarenses foi o objetivo prioritário, pois os primeiros a valorizar o nosso património são os locais. Só depois pensamos na estratégia de promoção internacional. Neste último aspeto, o trabalho iniciou com várias abordagens a entidades internacionais, meios de comunicação social e operadores turísticos, no sentido de mostrar o Bom Jesus como um conjunto arquitetónico e paisagístico único, com uma dimensão religiosa bem viva. Depois da inscrição, a 7 julho de 2019, já estávamos a colher os frutos que tínhamos plantado. Mas, efetivamente, o anúncio oficial veio aumentar a notoriedade e o interesse de grandes operadores turísticos internacionais e meios de comunicação social para o Bom Jesus. Nessa altura, iniciámos um processo de acolhimento aos visitantes para melhorar a experiência de visita e na sua fase inicial de implementação, fevereiro de 2020, surge a pandemia do covid-19. Nesse momento, percebemos que tínhamos de parar e repensar a estratégia de gestão e dinamização do turismo no Bom Jesus e é isso que estamos a fazer agora, com um plano de gestão centrado no desenvolvimento de um turismo sustentável.

Quais são os principais projectos da autarquia relativamente à Mobilidade Urbana?

O Município de Braga, no âmbito da mobilidade urbana está a atuar sob 3 vertentes. Por um lado, a otimização do sistema rodoviário, de que são exemplos a futura empreitada para o nó de Infias, a adjudicação recente do projeto para uma intervenção na variante do cávado; repavimentações e reordenamento de várias vias, a requalificação da Avenida da Liberdade cujo concurso público já foi lançado e do túnel da Avenida, de forma a mitigar pontos de sinistralidade e congestionamentos viários. Outro prisma diz respeito à ampliação da oferta de transporte público, com a criação de novas linhas de transporte, com a implementação de transporte a pedido num futuro próximo, com a implementação do BRT (Bus Rapid Transport) e com o alargamento do school bus a todas as escolas do concelho. Por fim, a melhoria da acessibilidade pedonal e ciclável, através da requalificação urbana e da criação de uma infraestrutura que incentive cada vez mais cidadãos a aderir à utilização da bicicleta nas suas deslocações diárias.

Qual é a estratégia que o município pretende implementar no sentido de unificar a mobilidade com a sustentabilidade?

A adesão de cada vez mais cidadãos ao transporte público e aos modos suaves, de acordo com os eixos de intervenção que estamos a priorizar, constituirão uma diminuição efetiva do número de viaturas em circulação e, dessa forma, a uma redução da emissão de gases nocivos sobre o ambiente. Ainda neste âmbito, estamos a fazer um enorme esforço para substituir a frota de veículos movidos a combustíveis fósseis por outros de energia mais limpa. Já temos em circulação 13 autocarros elétricos e 25 a gás natural, sendo que nos próximos 2 anos, fruto de uma candidatura realizada com sucesso, adquiriremos mais 30 viaturas elétricas. Neste momento, já diminuímos a idade média da frota de 19 anos para 15,5, o que traduz um esforço nunca antes realizado nos 40 anos de existência dos transportes urbanos de Braga. Por outro lado, a disponibilização de mais postos de carregamento elétrico no espaço público que pretendemos concessionar, criará condições para que os cidadãos que pretendam adquirir automóveis elétricos tenham ao seu dispor melhores condições de carregamento. Introduziremos, também em breve, uma rede de bicicletas partilhadas que, à semelhança do que já sucede com as trotinetes, constituirá uma alternativa de deslocação ao dispor dos cidadãos.

Que metas já foram alcançadas?

Por falta dos necessários instrumentos de medição que nos permitam avançar hoje com uma métrica segura, não estou em condições de ser muito precisa nesta informação. Posso adiantar que, em termos de transportes coletivos de passageiros, de 2013 até 2019 (antes da pandemia), conseguimos aumentar em 21% o número de passageiros, que passou de cerca de 10 milhões anuais para 12,4 milhões. Neste momento, estamos praticamente a recuperar esse valor e pensamos que, com autocarros cada vez mais modernos e confortáveis, continuaremos a captar novos clientes (50% da frota já possui internet gratuita e portas USB). Ao nível dos utilizadores de bicicleta, o nosso empenho será certamente recompensado por um aumento expressivo de utilizadores. Há muito pouco tempo não tínhamos mais de 1% de “ciclistas”, mas ambicionamos alcançar, pelo menos 10%, até 2030. Teremos o laboratório de mobilidade em funcionamento dentro de dias no Centro Coordenador de Transportes, o que nos permitirá medir fluxos de tráfego automóvel e alguns outros indicadores, designadamente ambientais, muito interessantes para ter uma base de decisão cada vez mais sustentada.

Braga tem poucos postos de carregamento de automóveis eléctricos. Como pensam resolver esta questão de forma a dar uma resposta eficaz ao número crescente de utilizadores destes veículos?

Como já referi, o município vai lançar um procedimento público de concessão que substitua os equipamentos existentes e que já se encontram obsoletos, por equipamentos mais atuais e em maior número, de forma a responder ao aumento de necessidade.

Como podemos reduzir a descarbonização e a pressão dos automóveis na cidade?

Criando verdadeiras alternativas de locomoção, passíveis de induzir uma escolha consciente, no sentido de que, ao optar por meios mais suaves e ativos de deslocação, estamos a melhorar o meio ambiente, a nossa saúde individual e a realizar uma poupança efetiva que se vai refletir ao fim do mês.

Li algures que o problema da mobilidade “tem a ver com a liberdade individual e o interesse colectivo”. Concorda com essa análise?

Concordo. Todos temos liberdade de escolha. As nossas escolhas vão ter implicações na nossa qualidade de vida (mais saúde, mais recursos) e na saúde de todos (ambiente mais saudável). Na mobilidade a mudança cultural necessária é fazer com que o interesse coletivo se concretize pelas nossas opções individuais. É necessário que o uso do transporte público, andar a pé ou em modos suaves seja uma opção individual. É uma mudança necessária, mas não pode ser feita de uns contra os outros. É fundamental que surja da nossa “lista de desejos”.

Há muito pouco tempo não tínhamos mais de 1 por cento de “ciclistas”, mas ambicionamos alcançar, pelo menos 10 por cento, até 2030.

A oferta do sistema de transportes públicos é o ideal na cidade?

Ainda não posso concordar com esta afirmação. Não é a ideal, mas estão a ser dados passos importantes na qualificação do serviço. O aumento visível do número de passageiros é consequência disso.

Há cada vez mais pessoas a procurar Braga para viver. A estratégia passa por aumentar a capacidade do transporte público ou, por outro lado, fomentar soluções alternativas, como o uso das bicicletas?

Como dizia há pouco, a estratégia no âmbito da mobilidade tem 3 eixos de atuação muito claros. Aumentar o número de passageiros a usar o transporte público (procuramos aumentar a utilização em 24% até 2030), aumentar a utilização de bicicletas em 10% e aumentar em 24% o número de deslocações a pé, à custa do uso de automóvel, que procuraremos reduzir em 20% até 2030.

Como tem decorrido a adesão ao projecto “Bicification”?

A adesão ao “bicification” é muito interessante e faço um balanço muito positivo deste projeto até este momento. Vamos poder tirar várias conclusões importantes, desde logo, ao nível dos percursos mais realizados. Neste momento, com cerca de 1 mês e meio de experiência, já contamos com mais de 8000 sessões finalizadas, mais de 54.000 km percorridos e mais de 3.000€ de recompensas atribuídas. Estimamos uma poupança de 6,9 ton. de Co2, comparando com as deslocações que cada utilizador faria de automóvel (cálculo realizado com base nas informações referidas na inscrição por cada utilizador). Cerca de metade do total das viagens são realizadas em movimentos pendulares (casa/trabalho; casa/ escola) e cerca de 80% durante os períodos de hora de ponta. A maior parte das viagens têm duração entre os 4 e os 16 m. Mas o Bicification é muito mais do que esta estratégia de “gamification” de promoção da utilização da bicicleta. A monitorização dos percursos realizados é uma ferramenta poderosa para a planificação. Estamos a ficar com uma ideia muito clara dos percursos realizados, as horas em que são realizados, etc. Esta informação será útil num futuro próximo.

Como é que se consegue passar de nove quilómetros de ciclovias para 80 em três anos, como é desejo da autarquia?

Independentemente da métrica que está a ser atribuída, que estranhamente vai variando, estamos a trabalhar neste sentido. Não sei se vamos alcançar os 80 km, mas em cerca de um ano, com as obras que já temos lançadas e para lançar em curto prazo, alcançaremos cerca de 23, a que será acrescentada a Ecovia do Cávado e o prolongamento da Ecovia do Este até Vimieiro. Isto dará um impulso significativo. Estamos já a trabalhar nos próximos projetos, assim consigamos manter uma percentagem de utilizadores expressiva, que o justifique. E o mais importante é que estamos a fechar rede. Mas, uma abordagem séria da mobilidade ciclável reconhece que ela será sempre uma conjugação de vias segregadas com vias partilhadas. Nesta fase reconhecemos a importância das vias segregadas, mas o paradigma ideal é a partilha com os outros modos. Um paradigma em que todos se respeitam. Para já, continuaremos a apostar em vias segregadas, mas haverá um tempo em que não serão necessárias.

Braga vive uma situação crescente de grande pressão do automóvel. Como é que vê esta questão nas próximas décadas?

O nosso objetivo é criar alternativas que nos permitam reduzir este número numa percentagem significativa. A pressão que refere não é uma originalidade de Braga. Há mudanças que Braga não poderá resolver sozinha. Os automóveis são um custo elevado para a gestão da cidade, mas ter um automóvel também é um custo elevado. Há um discurso militante que ignora o último facto. Admito que algumas pessoas não façam contas porque não se imaginam fora do paradigma de ter um carro, mas para a maioria das pessoas ter um carro resulta de necessidades profissionais, familiares, etc. O caminho é encontrar soluções para que essas necessidades diminuam.

É necessário que o uso do transporte público, andar a pé ou em modos suaves seja uma opção individual. É uma mudança necessária, mas não pode ser feita de uns contra os outros.

Mas há locais que continuam a suscitar grande preocupação e transtorno (Nó de Infias). Para quando uma resolução prática e efetiva?

Os constrangimentos do Nó de Infias são percecionados pelos bracarenses, mas não são um problema que se possa resolver na cidade. Para ele contribuem os munícipes residentes nos concelhos a Norte que, nas suas deslocações (que podem até nem ter Braga como destino), não podem evitar fazer este atravessamento. Por este motivo, as Infraestruturas de Portugal assumiram a realização desta empreitada, após a contratação conjunta do projeto correspondente. O projeto encontra-se praticamente concluído, em fase de especialidades, pelo que contamos ainda no final deste ano ou no início do próximo estar em condições de abrir concurso público.

A cidade tem crescido muito nos últimos anos, mas tem praticamente as mesmas vias que tinha há 30 anos atrás. Isto não é paradoxal?

É muito difícil criar alternativas numa cidade bimilenar, já construída. A não ser que destruíssemos aquilo que existe, temos que nos adaptar o melhor possível, tentando otimizar soluções que sirvam a população. Braga cresceu mal quando era uma enorme folha em branco. Braga foi mal planeada no passado. Foram feitas as opções erradas. Se o investimento realizado pela SGEB tivesse sido canalizado para as vias, Braga seria hoje muito diferente. Todos percebemos os custos de ter plantado sintéticos e outros equipamentos onde não faziam falta, mas poucos falam dos custos de oportunidade de termos feito as opções erradas. Por exemplo, numa piscina inacabada gastou-se o suficiente para realizar a Variante do Cávado a preços atuais.

Um dos grandes problemas do centro de Braga é a escassez de estacionamento gratuito. Como se resolve isto?

Não resolve. Esta é a realidade das zonas centrais de todas as grandes cidades. Não podemos reivindicar melhor economia, maior crescimento, mais emprego e querer manter os privilégios de viver no campo. Aliás, essa reclamação não é fácil de conciliar com a reclamação de haver carros a mais. A mudança modal implicará sempre haver menos carros. Uma das opções que estudamos é a criação de parques periféricos servidos de bons transportes públicos.

Acredita que esta solução (uso do carro individual) vai ser reduzida e que, num futuro a médio/longo prazo, estejamos a falar de uma mobilidade secundária em Braga?

Acredito que sim. Acredito num aumento da consciência individual de cada um em prol de objetivos ambientais comuns, que a próxima geração já tem interiorizados valores ambientais de forma muito natural (veja-se a sua atitude em relação à separação de resíduos, por ex.). E acredito que, quando assim não suceda (há uma geração mais difícil de convencer), outro tipo de fatores, como o aumento do preço dos combustíveis, podem dar aqui um incremento que pode fazer alguma diferença, embora baseado no argumento puramente económico.

Uma abordagem séria da mobilidade ciclável reconhece que ela será sempre uma conjugação de vias segregadas com vias partilhadas.

Hoje em dia, existe grande sensibilidade, na parte teórica, para melhorarmos o meio ambiente, mas, na prática, as pessoas continuam a focar-se muito no individual e nas próprias necessidades. Como se contorna esta incoerência?

Como decisores públicos temos que cumprir o nosso papel. Na minha ótica, esse papel é proporcionar ótimas condições para que as decisões individuais de cada um se possam conformar no âmbito de uma comunidade solidária e integralmente considerada. Julgo que nunca conseguiremos impedir más decisões decorrentes da liberdade individual inalienável de cada indivíduo. Caberá a cada um conviver com elas e à sociedade o seu papel de as tentar configurar como um bem comum. As mudanças sustentadas são as mudanças que nascem da nossa “lista de desejos”.

O teletrabalho não seria uma vantagem para ajudar a reduzir estes problemas de circulação automóvel?

É uma hipótese, sim. No entanto, também já tivemos oportunidade de perceber que esta solução não pode ser universal e que tem inúmeras vantagens e desvantagens.

Tem-se visto nos últimos tempos uma crescente utilização de trotinetes. É um passo positivo?

Sim, na medida em que reduz distâncias que poderiam ser percorridas com recurso à motorização, vejo as trotinetes como um passo muito positivo. Deve, contudo, ser usado de acordo com as normas em vigor para este tipo de transporte e com respeito pelos utilizadores de outros meios, como os peões, os ciclistas ou os condutores de viaturas.

É muito difícil criar alternativas numa cidade bimilenar, já construída. Temos que nos adaptar o melhor possível, tentando otimizar soluções que sirvam a população.

Em contrapartida, como é que se evita o uso abusivo e até perigoso, em variadas situações, das trotinetes e o seu estacionamento censurável?

Com uma maior fiscalização. Os instrumentos e as regras estão todos definidos. Os veículos devem desligar-se ou reduzir drasticamente a sua velocidade nas zonas previamente definidas e que resultam das plataformas que os utilizadores descarregam e o estacionamento deve fazer-se apenas nas zonas também previstas. Temos já uma reunião agendada para os primeiros dias de agosto com os operadores, a fim de reiterar a necessidade de fazer cumprir a obrigação de estacionamento correto do veículo, cujo incumprimento provoca muitos constrangimentos, sobretudo a cidadãos cegos ou de baixa visão.

Há algum tipo de regulação para a utilização destes meios de transporte?

Sim, os operadores deste meio de transporte outorgaram um contrato com o Município, contrato esse que tem definidos todos os seus direitos e obrigações.

Em traços gerais, quais são as metas que temos de alcançar para conseguirmos tornar a mobilidade em Braga mais segura, limpa e eficiente no futuro?

A grande meta é a mudança modal. Para concretizar esta meta, temos que seguir várias estratégias. Nos TUB temos que aumentar o número de utilizadores de transporte coletivo em 24 %, temos que diminuir mais ainda a idade média da frota adquirindo novos veículos movidos a energia limpa, diminuir na mesma medida os utilizadores de veículos automóveis e rentabilizar as deslocações com maior número de passageiros por veículo. Individualmente temos que promover as viagens partilhadas, aumentar em 10 % o número de utilizadores de bicicleta e também o número de deslocações a pé. A implementação do serviço BRT é fundamental para atingir as metas de descarbonização. Um transporte público de qualidade e alta frequência é a melhor estratégia para a transferência modal. É um desafio enorme. Às vezes pode parecer grande demais, mas gosto de pensar que não faço parte dos que se assustam e fogem.

Acredito num aumento da consciência individual em prol de objetivos ambientais comuns. E a próxima geração já tem interiorizados valores ambientais de forma muito natural.

Deixar comentário