Entrevista a Varico Pereira, Vice-Presidente da Confraria Bom Jesus e diretor da Pastoral do Turismo e da Arquidiocese de Braga
À Revista Minha, Varico Pereira, Vice-Presidente da Confraria Bom Jesus e Diretor da Pastoral do Turismo da Arquidiocese de Braga revela que o reconhecimento como Património Mundial da UNESCO garantiu dimensão mundial ao Bom Jesus. Nesta conversa, assume que um dos grandes objetivos estratégicos passa por consolidar as boas práticas ambientais, para afirmar o Bom Jesus como um local mais sustentável, e aborda, entre outros temas, a importância da Pastoral do Turismo para a Igreja.
Desde o anúncio oficial do Bom Jesus como Património Mundial da UNESCO, o que já foi feito para dinamizar o turismo?
O trabalho iniciou muito antes da inscrição. Todo o processo de candidatura teve uma visibilidade muito significativa. Procurámos, em primeiro lugar, fazer a requalificação do património (escadórios, capelas e basílica), permitindo, desta forma, qualificar a visita. Reaproximar o Bom Jesus dos bracarenses foi o objetivo prioritário, pois os primeiros a valorizar o nosso património são os locais. Só depois pensamos na estratégia de promoção internacional. Neste último aspeto, o trabalho iniciou com várias abordagens a entidades internacionais, meios de comunicação social e operadores turísticos, no sentido de mostrar o Bom Jesus como um conjunto arquitetónico e paisagístico único, com uma dimensão religiosa bem viva. Depois da inscrição, a 7 julho de 2019, já estávamos a colher os frutos que tínhamos plantado. Mas, efetivamente, o anúncio oficial veio aumentar a notoriedade e o interesse de grandes operadores turísticos internacionais e meios de comunicação social para o Bom Jesus. Nessa altura, iniciámos um processo de acolhimento aos visitantes para melhorar a experiência de visita e na sua fase inicial de implementação, fevereiro de 2020, surge a pandemia do covid-19. Nesse momento, percebemos que tínhamos de parar e repensar a estratégia de gestão e dinamização do turismo no Bom Jesus e é isso que estamos a fazer agora, com um plano de gestão centrado no desenvolvimento de um turismo sustentável.
Que dimensão teve este reconhecimento da UNESCO?
Este reconhecimento veio dar uma dimensão mundial ao Bom Jesus, é verdade que já era visitado por milhares de turistas internacionais, mas o selo UNESCO veio permitir inserir o Bom Jesus na rede e nos roteiros internacionais do Património Mundial. Por outro lado, os bracarenses passaram a ter mais orgulho no seu Bom Jesus e esse reconhecimento é o que mais nos completa. O reconhecimento do valor universal excecional é a distinção máxima a que qualquer monumento pode aspirar e o Bom Jesus atingiu-o.
Entre os compromissos assumidos, quais são as prioridades num futuro próximo?
A inscrição na Lista do Património Mundial da UNESCO veio aumentar as nossas responsabilidades ao nível da salvaguarda do património cultural e natural. Não podemos esquecer que o Bom Jesus foi inscrito como paisagem cultural, sendo esta composta por mais de 26 hectares que temos de proteger. Entre os compromissos assumidos destaco alguns aspetos, como o desenvolvimento de indicadores de monitorização para identificar potenciais ameaças à propriedade e à Zona de Proteção Especial da expansão/desenvolvimento urbano; a definição de uma estratégia, em conjunto com o município, de combate aos incêndios florestais mais abrangente que inclua um programa mais amplo de desenvolvimento económico e social e seja garantia da qualidade ambiental; o desenvolvimento de indicadores de monitorização do estado de conservação do parque e da floresta e, por fim, a elaboração de um Plano de Gestão do Turismo, tendo como objetivo um turismo sustentável em linha com os ODS.
E a médio/longo prazo?
A nossa prioridade é garantir que o Bom Jesus seja um espaço cada vez mais sustentável a nível ambiental, social e económico, um espaço mais acessível a todos, procurando acolher todas e qualquer realidade humana que nos visita. A médio prazo prevemos implementar dois projetos estratégicos para a estância, que estão relacionados com a reorganização do trânsito na zona do Pórtico e com a requalificação dos apeadeiros do elevador, que inclui a implementação de um centro interpretativo a instalar na antiga casa dos correios. Depois, existem outros objetivos que passam por aumentar o número de Irmãos; estabelecer parcerias com outros Sacro-Montes a nível nacional e internacional (Itália, Brasil, Espanha, Suíça, etc.); reafirmar o Bom Jesus no seu todo e o seu Santuário como um dos principais locais de culto e de renovação pastoral da Igreja em Portugal; afirmar o Bom Jesus como um polo de referência cultural; aumentar a qualificação e operacionalização dos colaboradores da Confraria e consolidar as boas práticas ambientais, sociais e económicas, para afirmar o Bom Jesus com um local mais sustentável, tal como comecei por referir.
Um dos vossos objetivos é, portanto, valorizar todo o espaço e acolher cada vez mais visitantes?
Efetivamente, como referi, anteriormente, o Bom Jesus deve ser um espaço cada vez mais acessível a todos, mas também mais sustentável e, nem sempre mais é melhor. A valorização e salvaguarda de todo o património, que nos permita qualificar e enriquecer a experiência de quem nos procura, em todas as dimensões do Bom Jesus, seja do ponto de vista religioso, cultural ou turístico, são aspetos fundamentais. Sabemos que todo este processo é demorado e vai-se fazendo todos os dias, como diz o ditado “sem pressas, mas sem pausas”. O aumento do número de visitantes vai obrigar a implementar as medidas referidas nas questões anteriores, procurando evitar a massificação de alguns espaços, trazendo-nos a exigência de estarmos preparados para esse processo. No entanto, não é uma preocupação primordial aumentar significativamente o número de visitantes, até pelos problemas que uma massificação turística pode causar. É sim, nossa prioridade, reduzir a sazonalidade da visita ao Bom Jesus, procurando aumentar o número de visitantes em épocas do ano em que a procura é menor e isso faz-se criando motivos de visita que podem passar, por exemplo, por um programa cultural mais apelativo.
E como é que se evita a massificação?
Quando surgiu a pandemia do covid-19 vários especialistas, no setor do turismo, afirmaram que “a partir de agora o turismo de massas vai terminar” ou vai-se “reconfigurar” e “vamos ter outros desafios”. Mas a realidade é que hoje constamos que o turismo de massas está aí novamente, bastando ver o que se passa nas grandes capitais europeias. A massificação turística ou o overtourism continua a ser uma realidade que pressiona os sítios e as cidades mais turísticas. No Bom Jesus soubemos, atempadamente, minimizar esse problema. A criação de um controle à entrada de veículos permitiu garantir que não ultrapassamos a capacidade de carga, de carros e autocarros, dentro do Santuário. No futuro, com a implementação dos sistemas de monotorização da pressão turística, vamos conseguir identificar, em tempo real, as zonas de maior afluência e criar corredores de dispersão das pessoas para outras áreas do Santuário com menor pressão, de forma a proporcionar uma distribuição dos turistas mais equitativa pelos diferentes espaços. Por outro lado, o projeto de requalificação da zona do Pórtico vai permitir conter a maioria dos veículos naquela zona e os visitantes poderão utilizar com mais frequência o elevador, criando ainda um sistema de minibus, para chegar ao Santuário. Temos consciência que este problema não se resolve apenas com a nossa ação, sendo necessário envolver outras entidades que têm responsabilidades nesta matéria, desde a Câmara Municipal às forças de segurança. Podemos conseguir controlar a capacidade de carga dentro do Santuário, mas já não temos autoridade para o garantir na estrada de acesso ao Bom Jesus, pois não temos competência para atuar nesse espaço. Estamos a trabalhar no plano de gestão de forma consertada, para envolver todas as entidades com competências na matéria.
O reconhecimento do valor universal excecional é a distinção máxima a que qualquer monumento pode aspirar e o Bom Jesus atingiu-o.
Em termos logísticos, o que já foi concluído para acolher os visitantes para que tenham uma experiência mais enriquecedora?
A construção dos parques de estacionamento dos autocarros, dos automóveis, o parque de merendas, a criação do Centro de Memórias, a requalificação dos acessos, a requalificação dos hotéis, do parque infantil, do bar do lago, são infraestruturas da oferta que permitem acolher melhor quem nos procura. Por outro lado, todos os trabalhos de requalificação do património, desde as capelas, o escadório, a basílica com o Coro Alto e a Torre Sineira, os equipamentos e materiais informativos, que nos permitem gerir melhor a experiência de visita e da atividade cultual, foram ações relevantes que melhoram e qualificam a experiência de quem nos visita.
A confraria está envolvida no projeto da paisagem da estância que vai resultar numa inventariação das espécies vegetais que aí habitam. Como é que tem sido feito este trabalho e em que fase se encontra?
Esse trabalho já foi concluído. Tratava-se de uma exigência da UNESCO que cumprimos em dezembro de 2021. Desse estudo resultaram vários aspetos muito interessantes que devemos explorar, e que nos permitem gerir melhor a paisagem, nomeadamente, no controle de espécies invasoras e na prevenção de incêndios. Sabemos quantas árvores temos e onde estão; sabemos, por exemplo, que temos a maior concentração de camélias do país, entre outros aspetos relevantes. Este estudo vai-nos permitir, também, comunicar melhor e valorizar o espaço natural do Bom Jesus. Além disso, este trabalho já nos possibilitou o desenvolvimento de algumas ações de promoção da biodiversidade, estando outras em processo de elaboração.
As questões da sustentabilidade e das boas práticas ambientais estão, portanto, a ser trabalhadas no Bom Jesus?
Felizmente, sim. Aliás é um dos nossos objetivos estratégicos consolidar as boas práticas ambientais, para afirmar o Bom Jesus como um local mais sustentável, procurando adaptar-se às alterações climáticas. Gostaria de destacar a inscrição da Confraria na Plataforma de Ação Laudato Si, onde o Papa Francisco nos convida à “conversão ecológica e a uma ecologia integral”, preocupado que está com a necessidade urgente de “Cuidar da Casa Comum”. Na sequência dessa inscrição foi assinado o protocolo “Cuidar, Proteger e Valorizar a Coroa de Braga”, em setembro do ano passado, entre as Confrarias e Irmandades da Coroa de Braga. Em termos de aplicação de boas práticas, saliento a limpeza das matas, garantindo o acesso da comunidade local aos espaços verdes e o controle do risco de incêndio; a renovação e instalação de sistemas de iluminação (interior e exterior) mais sustentáveis e eficientes, com a transição para lâmpadas led’s; a proteção da biodiversidade com a plantação de árvores autóctones e a remoção de espécies invasoras; a proteção e recuperação das nascentes de água e minas, garantindo o uso sustentável da água; a promoção do artesanato local para venda na casa das estampas; a sensibilização dos crentes para evitar a queima de cera; a eliminação de sacos de plástico e utilização de sacos de papel reciclado na casa das estampas e a troca de equipamento a combustão por equipamentos elétricos.
Um dos nossos objetivos estratégicos passa por consolidar as boas práticas ambientais, para afirmar o Bom Jesus como um local mais sustentável, procurando adaptar-se às alterações climáticas.
Foi criado um Espaço Museológico da Torre Sineira e do Coro Alto. Como é que tem corrido em termos de interesse e visitas?
Tem corrido muito bem. Este era um espaço fechado, sem qualquer utilização, que foi valorizado e hoje é mais um motivo de interesse e conhecimento para quem nos visita.
Como é que se consegue financiar a gestão diária do Bom Jesus do Monte?
Não é uma tarefa simples. Podemos falar sempre na sustentabilidade ambiental, mas se não houver sustentabilidade económica será difícil de implementar a primeira. A esmagadora maioria das nossas receitas resultam da atividade turística, nos diferentes serviços que disponibilizamos, desde o elevador, aos hotéis, passando pela casa das estampas e os barcos, sendo que tudo isso depende de uma dinâmica turística e de lazer. Se não houver turismo, o Bom Jesus não consegue manter a sua sustentabilidade. As receitas do culto são cada vez mais reduzidas, à exceção dos casamentos que continuam a ser uma atividade muito importante na nossa Basílica. As responsabilidades com a inscrição na UNESCO aumentaram e esse aumento ainda não se traduziu num aumento dos rendimentos, pois vivemos dois anos de pandemia que reduziu drasticamente as receitas. O Bom Jesus presta um serviço público e social único, somos o pulmão de Braga, mas manter este pulmão é oneroso para nós. Por isso, temos de envolver outras entidades e beneméritos a participar nesta sustentabilidade económica.
Aliar o Turismo Cultural ao Religioso está sempre entre as vossas prioridades. Têm conseguido dar respostas neste sentido?
Procuramos dar as respostas certas. Sabemos que a relação entre o turismo religioso e o cultural é indiscutível. O património cultural, que muitas vezes também é religioso, torna estes segmentos do turismo muito próximos e dependentes um do outro. Os sítios Património Mundial da UNESCO são locais turísticos, sujeitos a diferentes usos, mas devemos preservar a autenticidade que identifica esses sítios. O Santuário do Bom Jesus, Património Mundial da Humanidade, deve ser promovido sobretudo como um local privilegiado de acolhimento para fiéis, peregrinos e turistas, independentemente da sua motivação. A nossa prioridade é promover o acolhimento numa perspetiva ecuménica, onde o culto religioso e o culto artístico utilizam, com o equilíbrio possível, o mesmo espaço – o monumento religioso. Este, pela riqueza e complexidade de significados de que se reveste, proporciona e incita a diferentes leituras, favorecendo a conjugação de esforços de diferentes entidades, e não apenas das religiosas, na implementação de projetos de valorização do espaço religioso, acabando por beneficiar ambas as partes e, sobretudo, para os respetivos frequentadores, na sua diversidade. As palavras que o Sr. D. José Cordeiro, Arcebispo Primaz, proferiu no encontro com os guias interpretes foram marcantes, quando referiu que o “Santuário do Bom Jesus é o coração que acolhe a todos e a cada um neste lugar de acolhimento e esperança” e reconheceu a “linha ténue” entre turistas e peregrinos, considerando fundamental que uns e outros sejam bem recebidos, com humanidade, promovendo a cultura do encontro, principalmente numa altura de grande mobilidade humana. Esta perspetiva ecuménica vem valorizar o diálogo intercultural e evitar os conflitos entre visitante e visitado. Assim, cumprimos um dos pilares da UNESCO, o diálogo entre civilizações como pilar central na construção da paz.
Se não houver turismo, o Bom Jesus não consegue manter a sua sustentabilidade.
Qual a importância da Pastoral do Turismo para a Igreja?
A Pastoral do Turismo emerge da vontade da Igreja em responder a um fenómeno da ação humana, como é o turismo, em profundo crescimento e na consciência de que tudo o que é humano deve encontrar eco no coração dos discípulos de Cristo (cf. GS. 1). Esta área da ação humana necessita de uma particular atenção, pela sua natureza, pela sua expressão numérica e pela oportunidade que constitui para a própria missão da Igreja. Destacaria três aspetos na ação da Pastoral do Turismo: a dignidade da pessoa humana; a prossecução do bem comum; e a evangelização, através do acolhimento. A Pastoral do Turismo deve estar atenta a este fenómeno e promover uma nova evangelização, nesta oportunidade que é a presença do turista no espaço religioso.
E neste ponto, quais são as principais exigências para a igreja?
A Igreja, em Portugal, tem uma responsabilidade singular, pois é, desde logo, fiel depositária de um imenso património, a que precisa de atender e de requalificar, colocando-o ao serviço do turismo, como seu usufrutuário, tendo em vista precisamente o bem de cada pessoa e o seu integral desenvolvimento, para além das múltiplas possibilidades evangelizadoras que este património constitui.
Indo neste sentido, é necessário que haja profissionais de turismo acolhedores, agregadores, com formação e devidamente remunerados. Aqui, no Bom Jesus, têm tido em conta estas caraterísticas?
Quando, anteriormente, referia “a dignidade da pessoa humana”, era também uma referência aos trabalhadores do setor turístico, procurando criar as melhores condições para desenvolverem o seu trabalho. No Bom Jesus tem sido uma prioridade contratar profissionais qualificados, com formação e remuneração adequada às suas funções. Aliás, um dos nossos objetivos estratégicos para este mandato é, precisamente, aumentar a qualificação e operacionalização dos nossos trabalhadores.
A Pastoral do Turismo deve promover uma nova evangelização, nesta oportunidade que é a presença do turista no espaço religioso.
O formato digital assume um papel importante na divulgação e promoção do Bom Jesus. É um segmento que estão a explorar?
Sim, mais do que nunca a digitalização e o online são prioridades na nossa atuação. Desenvolvemos várias ferramentas inovadoras que permitem a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, via internet, visitar o Bom Jesus ou até, pormenorizadamente, o interior da Basílica. Temos uma aplicação do Santuário e uma visita virtual do interior da Basílica que permite não só aos curiosos conhecerem o Bom Jesus, como oferece às escolas a possibilidade de explorar este património Mundial com os seus alunos, através de aulas e trabalhos mais interativos. São formas de comunicar, interagir e dar a conhecer a beleza e a riqueza de um espaço Património Mundial a todas as pessoas e estimular a curiosidade para uma visita presencial ao Bom Jesus. No futuro, pretendemos continuar com esta aposta no online e permitir que a aquisição dos diferentes serviços seja possível fazer via internet, e, desta forma, conseguir gerir melhor a nossa capacidade de carga, como já acontece em sítios com elevada procura turística. Estamos também presentes online com o nosso site www.bomjesus.pt e nas redes socais Facebook e Instagram.
É fácil gerir e comunicar a oferta turística do Bom Jesus?
Nem sempre. O facto de um Santuário se converter numa estância com várias dimensões (religiosa, cultural, natural e turística) não facilita a comunicação. O seu potencial turístico é uma dimensão estratégica incontornável e a religião é a sua essência, por isso temos de saber conjugar a comunicação desta dimensão espiritual com as outras realidades. Por outro lado, sendo património Mundial e o ícone da cidade de Braga, temos a pressão desta visibilidade que nos obriga a uma gestão cuidada da comunicação. Mas o que à partida pode dificultar a comunicação é, também, o que nos ajuda a ter mais visibilidade, o facto de ser um local único, distinto, cheio de tradição, biodiversidade, etc, ou seja, um conjunto de elementos riquíssimos que não se encontra em outro lugar.
O Bom Jesus é hoje uma referência turística da região. Qual é a sua fórmula de sucesso?
Na minha opinião é a sua multiplicidade de atrativos, um conjunto paisagístico e arquitetónico único, com as dimensões, religiosa, cultural, natural, turística e lazer. Diria mesmo que é um lugar irrepetível não conheço outro local que conjuga todas estas dimensões num mesmo espaço, de beleza e equilíbrio extremos com um valor universal excecional. Acho que o critério (iv) de inscrição na UNESCO o define muito bem “O santuário do Bom Jesus do Monte é um exemplo extraordinário de monte sagrado com uma monumentalidade inédita determinada por uma narrativa completa e elaborada da Paixão de Cristo de grande importância para a história da humanidade. Incorpora traços que identificam o catolicismo romano, como a exteriorização da celebração, o sentido comunitário, a teatralidade e a vida como um caminho permanente e inesgotável.” Acrescento, ainda, a comunicação clara e objetiva para todos os públicos e o facto de uma equipa de trabalhadores que, ao longo dos anos e todos os dias, zelam pela beleza ímpar deste espaço.
O Bom Jesus do Monte distinguese pela multiplicidade de atrativos, pelo conjunto paisagístico e arquitetónico único, com as dimensões, religiosa, cultural, natural, turística e de lazer
De um modo geral, o que tem para oferecer ao visitante?
Resumidamente: religião, espiritualidade, cultura, natureza, tradição, turismo, lazer, biodiversidade, bem-estar e qualidade de vida.
Como é que tem corrido o serviço de visitas guiadas ao património, uma iniciativa da Confraria com vários percursos para conhecer?
Sentimos que este serviço fazia falta neste sítio e a Confraria do Bom Jesus, desde 1 de junho de 2021, organizou e começou a disponibilizar visitas guiadas ao património. Desde o início da atividade que o número de utilizadores tem vindo a aumentar todos os meses. Neste momento, mais de 3000 pessoas já utilizaram este serviço.
Quais são as mais-valias destas experiências?
As visitas guiadas são orientadas por guias locais do Santuário, devidamente qualificados com formação na área do turismo, teologia e história, o que permite ao visitante uma experiência única de descoberta e conhecimento do património religioso, cultural e natural do Bom Jesus. Por outro lado, destacamos como mais valia o acolhimento que fazemos através de uma nova perspetiva, quer em termos de uma visita mais completa, quer de uma proposta evangelizadora a que a própria natureza dos vários espaços convida.
Se pudesse efetuar um roteiro do Bom Jesus, que locais escolheria?
A minha proposta de roteiro é imersiva e permite conhecer todas as dimensões do Bom Jesus. Inicia no Pórtico subindo o escadório lendo as capelas, as fontes e a natureza. Durante a subida sugiro uma pausa no miradouro de Pilatos para observar as vistas para a cidade de Braga. Continuamos pelo escadório despertando os cinco sentidos e refletindo sobre as virtudes da fé, esperança e caridade, com uma pausa no interior da Basílica, para um momento de paz e encontro espiritual. Saindo da Basílica continuamos o escadório até ao Terreiro dos Evangelista e apreciamos as vistas para a Serra do Gerês. Subimos ao lago, para um passeio de barco, repomos as forças com uma merenda no parque. Depois, iniciamos a descida do monte pela Casa do Fresco até ao coreto da gruta. A derradeira descida, até ao pórtico, seria no secular elevador do Bom Jesus. Seria uma visita para um dia inteiro.
Quais são os públicos que mais procuram o Bom Jesus?
O Bom Jesus é visitado, por uma diversidade significativa de públicos, de crianças a idosos, desde o peregrino nacional e estrangeiro, passando pelo turista alocêntrico e famílias até ao visitante e o desportista. A maioria dos visitantes são os turistas nacionais, seguidos dos espanhóis, brasileiros e franceses, no total são mais de 50 nacionalidades e mais de um milhão de visitantes que nos procura todos os anos.
Em termos de estadia nos hotéis, quais são as previsões para este verão e para o restante ano?
A nossa previsão é positiva, estamos com ocupações próximas das registadas em pré-pandemia. Ainda não atingimos os números de 2019, mas prevemos que este verão fique muito próximo.
Qual a taxa de ocupação neste período?
Atualmente estamos com taxas de ocupação entre os 70% e os 80%, esperamos em agosto atingir os 90%.
Qual será o impacto em termos económicos?
Será positivo, como referi anteriormente, o Bom Jesus vive da atividade turística, se houver um crescimento da procura turística, isso vai-se refletir nas receitas e, também, vamos criar mais emprego e com isso não só ganha o Bom Jesus como todos os que estão à sua volta. O Bom Jesus tem este efeito catalisador, porque é o maior ativo turístico de Braga, logo os impactos difundem-se pela cidade e região.
É o início da recuperação, após pandemia?
Esperamos que sim, desde março que estamos a aproximar-nos dos números pré-pandemia. Ainda existem alguns constrangimentos por causa da pandemia, da guerra e da crise económica. Por exemplo, mercados que não recuperaram completamente como o brasileiro e outros que não voltaram como o asiático, mas esperamos que em breve possam reaparecer.
Quais são os principais desafios e estratégias que a Confraria do Bom Jesus tem a curto/médio prazo?
No ano em que se comemoram os cinquenta anos da Convenção do Património Mundial, da UNESCO, reveste-se de primordial importância cumprir e fazer cumprir todas as obrigações que a inscrição na Lista do Património da UNESCO nos compromete, potenciando o Bom Jesus como fator, mas também espaço privilegiado de acolhimento e promotor dos valores cristãos. Vamos procurar aproveitar todos os benefícios da inscrição na lista do Património Mundial para continuar a afirmar o Bom Jesus como referência nacional e internacional. Estabelecer parcerias com outros Sacro-Montes a nível nacional e internacional (Itália, Brasil, Espanha, Suíça, etc.). A concretização do projeto Bom Jesus: Requalificar III é um objetivo estratégico, com a criação do centro interpretativo e requalificação da zona do Pórtico. Por outro lado, a criação de uma agenda cultural e de animação turística, que permita afirmar o Bom Jesus como um polo de referência cultural, dando sequência a projetos como a celebração dos 140 do elevador e promovendo concertos e outras atividades culturais e turísticas dirigidas a distintos públicos. Vamos continuar a aproximar o Bom Jesus de Braga e dos Bracarenses, principalmente junto dos mais jovens, para as comunidades escolares conhecerem o Bom Jesus num contexto de educação não formal, fugindo à rotina diária da sala de aula, motivando os alunos para a valorização de um sítio único, Património da Humanidade. A nível cultual, procuraremos reafirmar o Bom Jesus no seu todo e o seu Santuário como um dos principais locais de culto e de renovação pastoral da Igreja em Portugal. No fundo queremos no dia-a-dia consolidar as boas práticas ambientais, sociais e económicas, para afirmar o Bom Jesus com um local mais sustentável e reafirmar o Bom Jesus como um dos principais locais de peregrinação espiritual e visita turística em Portugal.
Como gostaria de ver o Bom Jesus daqui a 10 anos?
Como o vejo hoje, como um local único, sustentável, acolhedor, de contemplação, com uma dinâmica religiosa, cultural, ambiental e turística bem vivas, capazes de continuarem a fazer do Bom Jesus um verdadeiro centro emanador de fé, esperança e caridade, a partir de Braga para o mundo. Fazer história deu e dá muito trabalho, tudo faremos para manter a integridade, autenticidade e valor universal excecional, desta paisagem cultural, para que este título de Património Mundial se mantenha por muitos e longos anos.