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MIGUEL COSTA GOMES: «BARCELOS É O MELHOR CONCELHO DO MUNDO»

 

A Revista Minha foi até Barcelos, numa altura em que o concelho costuma vestir-se a rigor para a primeira grande romaria do Minho. No entanto, pelo segundo ano consecutivo, a Festa das Cruzes não se realizou, devido à Covid-19. Falamos com o presidente da Câmara Municipal de Barcelos, Miguel Costa Gomes sobre esta nova realidade, numa entrevista onde faz um retrato sobre o passado, o presente.

 

A pandemia do Covid-19 colocou-nos a todos em alerta. Como tem vivido estes tempos o concelho de Barcelos? Barcelos vive à semelhança do que se passa no distrito e no país. Ninguém estava à espera que uma situação destas surgisse e nem estávamos preparados para lidar com esta realidade. Hoje em dia, conseguimos lidar melhor porque aprendemos muito ao longo dos últimos meses. É, contudo, um problema que afeta a comunidade de várias formas. A parte mais grave verifica-se com a paragem da atividade económica. Há setores que foram muito afetados, nomeadamente, os prestadores de serviço, o comércio, a restauração, a hotelaria, entre outros. Conheço algumas realidades complicadas e, no fim, não saberemos quem conseguirá sobreviver. Existiram, de facto, algumas medidas de apoios do poder central, mas foram escassas ou chegaram tarde. Por outro lado, há o problema das moratórias e, neste caso, o verdadeiro impacto na vida das pessoas ainda não está aferido e terá reflexos negativos no futuro. Os números oficiais em Barcelos até ao mês de março não foram muito violentos, comparativamente a outros concelhos, mas é expectável que venham a acontecer realidades novas, cujas consequências, só irão aparecer mais para a frente. O fator psicológico, devido às condicionantes de sociabilização, também tem sido preocupante e atingiu as pessoas na sua globalidade, desde os mais novos aos idosos. Há muita gente a pedir apoio psicológico. Temos outro problema, para mim, o mais difícil de encarar, que é aquilo que nós chamamos de “pobreza escondida”. Há muitas pessoas que não querem mostrar as suas fragilidades. Nestes casos, o nosso papel passa por identificar estes casos e atuar discretamente para que os cidadãos não sejam expostos. Por fim, a incerteza que vivemos é também traumática, porque não sabemos o que o futuro nos reserva e se irá acontecer uma nova vaga. Os impactos têm sido, de facto, muito grandes e preocupantes. 

A primeira grande romaria do Minho, a Festa das Cruzes, tem um grande impacto na economia e na imagem do concelho. É um revés não se realizar pelo segundo ano consecutivo? Sem dúvida. A Festa das Cruzes tem um impacto muito positivo na economia e na imagem do concelho. Perdemos tudo isso em 2020 e, muito provavelmente, este ano, as festas não serão realizadas. Não vejo condições nenhumas para se realizar a festividade, porque, normalmente, traz à cidade mais de um milhão de pessoas e é impossível controlar tanta gente num espaço aberto. Gostava muito que se realizasse porque tem um impacto muito positivo e o ideal seria que acontecesse. Mas, com as condições atuais, não será possível, infelizmente. 

Há iniciativas previstas online para assinalar as festividades? Será muito parecido com aquilo que foi feito em 2020. Serão realizados vídeos com o hastear da bandeira do Município e mensagens do Presidente da Câmara Municipal e do Presidente da Assembleia Municipal. Simbolicamente, atuará um grupo com duas ou três canções. Ao longo dos dias, serão exibidos vídeos dos momentos mais importantes da Festa das Cruzes, através das plataformas digitais municipais. A edição deste ano passará muito por este tipo de iniciativas. Noutro âmbito, quero destacar que conseguimos, este ano, assinalar o 25 de abril, em formato presencial, obviamente, com um número limitado de presenças, devido à pandemia, algo que não foi possível o ano passado. 

Está a poucos meses do fim do seu atual mandato, sendo este o último, pois está impedido de avançar por ter atingido o limite legal. Que balanço faz do trabalho realizado enquanto presidente da Câmara? É um balanço extremamente positivo, em várias vertentes. A mais estruturante, transversal e única no país foi remeter para os presidentes de junta um papel de dignidade na sua própria atividade, reforçando as verbas para estes órgãos executivos. O que fazemos todos os anos é duplicar o valor do excedente do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF). Isto permite aos presidentes de junta, assumir com dignidade, planeamento, responsabilidade e rigor a gestão financeira da sua freguesia e priorizar aquilo que entende como necessidades e/ou prioridades. Já investimos mais de 70 milhões de euros nesta área. Para além disso, a Câmara também comparticipou, através de subsídios complementares, obras de dimensão cujo valor da transferência não era suficiente. Algumas realizadas pela Câmara Municipal, outras efetuadas pelas próprias juntas de freguesias, apoiadas pelo município. É uma espécie de descentralização de competências que efetuamos desde 2009. A nossa prioridade passa sempre pelo bem-estar de todos os cidadãos de Barcelos. É neste pressuposto que trabalhamos de forma equitativa, dando oportunidades a todos. Todos os gestores políticos têm que encarar a nossa comunidade como um todo e não funcionar de acordo com a cor política. É dentro desta lógica que temos vindo a trabalhar, com grande capacidade de resistência e justiça. Investimos também muito na área da educação. É a nossa “menina dos olhos”. É através dela que conseguimos vários objetivos. É na base, na escola, que podemos ser melhores cidadãos no futuro. Daí a nossa forte aposta nesta área. Para além disso, fizemos outros investimentos importantes na recuperação de estradas, e, neste momento, temos também em andamento vários projetos estruturantes, nomeadamente a recuperação do Mercado Municipal, do Campo de S. José, da Casa Conde de Vilas Boas, que será um museu, ou da Casa Ascensão Correia, onde vai nascer um Centro de Expressão pela Arte. São obras de relevo para o desenvolvimento de Barcelos. 

Daquilo que foi concretizado, que obra quer destacar? Destaco todas. Eu não sou apologista de obras de “regime” ou referência. Gosto de execuções que sejam úteis para os cidadãos. E também não gosto de lançar a primeira pedra. Gosto de lançar a última pedra, porque significa que o processo está encerrado. Para mim, é o mais importante. Dou como exemplo uma obra que está prometida há mais de 20 anos, que é o Nó de Santa Eugénia. Conseguimos proceder à aquisição dos terrenos, onde gastamos 700 mil euros. Foi um processo doloroso, demorou demasiado tempo, mas está fechado e só aguardamos a aprovação das Infraestruturas de Portugal para lançar a obra. Uma das consequências positivas desta obra é que, no futuro, a ponte medieval de Barcelos será totalmente pedonal. Durante o meu trajeto enquanto presidente da Câmara, adotamos um modelo completamente diferente do passado e ganhamos todos com essa decisão. A nível da cultura, do desporto ou de lazer, fazemos protocolos de apoio às atividades com todas as associações do concelho. São 306 e não é fácil lidar com um número tão elevado. O retorno desse apoio verifica-se através de espetáculos e outras iniciativas no espaço público. E passamos a ter uma elevada dinâmica pública aos fins de semana e feriados, que as pessoas não estavam habituadas. Para além de promoverem o seu trabalho aos olhos externos. E, neste último ano, com a pandemia entre nós, esses grupos não realizaram espetáculos, mas a Câmara continuou a apoiar financeiramente. Estas parcerias vão de encontro ao enorme respeito que temos pelo trabalho que estas associações desenvolvem, de uma riqueza cultural única da qual não podemos abdicar. 

Para alguém que visita o concelho de Barcelos, como o apresentaria? Que caraterísticas distintivas tem este território? É o melhor concelho do Mundo! É um desafio vir a Barcelos, porque, para além de ser um concelho muito bonito, apresenta uma diversidade enorme em diferentes segmentos. Temos um património muito rico em termos arqueológicos, culturais, religiosos, gastronómicos ou paisagísticos. Barcelos tem uma indústria de referência, é Cidade Criativa da UNESCO, com reconhecidos artesãos das mais diversas artes ofícios que produzem uma grande variedade de produtos tradicionais e contemporâneos, entre os quais destaco o famoso Galo de Barcelos, um símbolo de Portugal. É um concelho que vale a pena visitar em qualquer altura do ano. É muito animado, com demonstrações populares na rua. E, nos últimos anos, cresceu também no turismo rural, com várias unidades lindíssimas onde podem desfrutar de atividades e paisagens naturais e singulares. Não podemos esquecer também que Barcelos é uma das principais rotas dos Caminhos de Santiago, com diversas referências turísticas. É ainda um concelho com uma grande centralidade, próximo de cidades como Braga, Famalicão, Esposende, Viana do Castelo e Póvoa de Varzim. Barcelos tem muitos motivos de atratividade! Nas lacunas, identifico a falta de uma unidade hoteleira de referência. A hotelaria existente é de pequena dimensão e está muito dispersa. 

As pessoas abordam-no muitas vezes na rua? Eu falo com toda a gente e sinto-me muito bem nesse papel. 

Dessas conversas saem medidas? Às vezes saem. Ao termos estes diálogos, permite-nos corrigir certas situações e em determinadas circunstâncias surgem excelentes ideias. A relação de proximidade permite que o poder de decisão se aproxime dos cidadãos. E muitos dos problemas existentes resolvem-se mais rapidamente. Contudo, por vezes, é preciso distinguir aquilo que são competências da Câmara e das Juntas de Freguesia.

Costuma ir às redes sociais para se inteirar do que lá se discute? Não. Rejeito as redes sociais, no modelo em que, atualmente, funcionam. Muita gente esconde-se atrás do anonimato na rede. Temos que acabar com isto, porque influencia muitos cidadãos de forma negativa. Eu aceito qualquer tipo de crítica construtiva, mas há muita gente que se refugia no anonimato existente nas redes sociais para insultar. E isto, eu não aceito. É uma covardia! As redes sociais não podem servir para esse efeito. Contudo, já tive informações que será feita uma nova legislação que obrigará os utilizadores a criar um perfil com rosto, ou seja, associar a conta a uma identidade. Esta medida permitirá ao cidadão proferir o que entender, mas terá que assumir as responsabilidades das suas afirmações. Para já, as redes sociais não têm este tipo de proteção, daí, não utilizar! Quando forem definidas regras, poderei utilizar, porque vejo seriedade na sua utilização. 

Como imagina o concelho de Barcelos daqui a uma década? Concluindo aquilo que está em andamento e aquilo que são projetos que vão para execução, vejo Barcelos muito mais moderna e muito mais avançada. Com uma modernidade global que não estará concentrada unicamente na zona urbana. Estão criadas todas as condições para que o concelho evolua favoravelmente nos próximos anos. 

O que tem sido feito para manter os jovens no concelho? Devido à relação muito próxima entre o IPCA e o Município, vários jovens estão a sediar-se cá. Temos, efetivamente, uma dificuldade que está, no entanto, a ser ultrapassada, em termos de habitação. Estão a ser construídos vários apartamentos e, ultrapassado este problema, estou convicto que os jovens locais vão manter-se no concelho e os de fora olham para Barcelos como um excelente sítio para viverem, com várias potencialidades. E porque há, também, boas oportunidades de trabalho em diversas empresas distribuídas por todo o concelho.

Está a poucos meses de terminar o atual mandato e deixar a presidência da Câmara. Já começou a pensar no que irá fazer? Não estou muito preocupado com isso. Felizmente, não dependo da política. Sou empresário, mantenho os negócios, apesar de estarem abandonados nos últimos 12 anos. Acabarei o mandato com 64 anos. Se ficar, como está planeado, como candidato à Assembleia Municipal, serão mais quatro anos. No final, estarei com 68 anos. Tenho uma netinha – gostaria de ter mais – que adoro e preciso de ter o meu espaço como avô. Isso implicaria que as minhas filhas assumissem os negócios. Mas nenhuma tem vocação para este desafio, nem as próprias formações académicas vão de encontro ao setor económico. Fico triste que não haja continuidade e é um problema que tenho de resolver. Terei de vender as empresas, muito provavelmente. Porque já me poderia reformar, mas não me vejo parado. Não sou gastador, nem ambicioso. Gosto de desfrutar com a minha “velhinha”, uma mulher que sofreu muito na vida, com alguns problemas graves de saúde e que merece também a minha presença a tempo inteiro. Porque ambos merecemos e temos o direito de usufruir deste nosso espaço. E, muito provavelmente, vou escrever as minhas memórias vividas ao longo destes 12 anos. Experiências únicas e ricas que quero partilhar. 

Como gostaria de deixar o seu nome ligado ao Concelho de Barcelos? Que as pessoas reconhecessem que ao longo destes 12 anos fiz tudo ao meu alcance para melhorar a vida dos barcelenses. Não estou à espera de agradecimentos, mas a maior parte das pessoas e, principalmente, aqueles que lidam comigo sabem que, se eu não fiz, foi mesmo porque não era possível fazer. Que não foi por culpa própria, mas de terceiros. Há muita coisa na gestão pública que não depende de nós próprios. E quando não conseguimos que terceiros nos compreendam, os objetivos transformam-se em insucesso. Depois, independentemente do que me aconteceu e da violência a que estive sujeito em 2019, em que sou acusado de corrupção passiva com benefício não patrimonial, por apoio político, as pessoas continuam a respeitar-me. Quem gosta de mim, acredita, quem não gosta, insulta-me. Mas, sinceramente, não senti diferença de tratamento ao andar na rua. Nem tive receio. E o que recebi em troca foram mensagens de incentivo e coragem. O que me fizeram foi uma cabala e os autores fizeram-no para me demitir, algo que eu nunca ponderei fazer, porque estou inocente. Não desejo a ninguém o que passei. A forma como tudo foi feito não é digna e um dia irei falar da minha detenção. A justiça será feita, a verdade será reposta e estou de consciência tranquila. 

Tem hobbies? Como passa o seu tempo livre? O escasso tempo livre que tenho aproveito para passar com a minha família e para descansar. Habituei-me, durante um ano e meio (desde 2016) a levar centenas de despachos para casa ao fim-de-semana para estar tudo em ordem à segunda-feira. Foi muito desgastante e sofri muito ao longo deste período. Depois, tive um período eleitoral muito difícil e conturbado. Não tive o apoio do partido local e não conseguimos a maioria por 562 votos. Foi um processo muito doloroso. Posteriormente, aconteceu a acusação em 2019. Mas não sou de vergar! No entanto, não há fins-de-semana que não leve “trabalhos de casa”. E a família sofre com isso, porque não sobra muito tempo para lazer. A minha neta vai almoçar lá a casa aos domingos e aproveito para estar com a família nesse período. 

E lemas de vida? “Tudo tem solução, menos a morte” e “Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti”. Venho de uma educação solidária, de ajuda e partilha. Herdei esses princípios e transmiti-os às minhas filhas. Esta é a nossa principal riqueza. 

Para terminar, qual seria a palavra que escolheria para o definir? Não gosto muito de me autodefinir. Mas dizem que sou paternalista. Concordo! Também não gosto de conflitos, sou um homem de diálogo. Sou uma pessoa serena, ponderada e paciente. E tento sempre fazer o meu melhor em todos os papéis que assumo.

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