Opinião

SolidariQUÊ?

Sofia Franco é mãe, esposa, cronista e tantas outras coisas que os dias exigem. Fundou o blogue “Not Just 4 Mums” e é com ele que ocupa grande parte do seu tempo. Foi com a maternidade – tem três filhas: de 8 e 5 anos e uma bebé de 8 meses – que descobriu as novas emoções que hoje em dia a fazem procurar e dar a conhecer incessantemente exemplos femininos de irreverência e persistência. A Minha desafiou a Sofia a escrever mensalmente uma crónica relacionada com a maternidade. Este mês a Sofia fala-nos das suas experiências de voluntariado e de como a maternidade lhe deu outro olhar sobre elas.

Se há coisa que me esforço por ensinar às minhas filhas é o sentido da solidariedade: não tanto o significado da palavra em si, mas o que resulta da ação de ser solidário. Tive em tempos duas experiências de voluntariado que nunca mais esquecerei, que me enriqueceram como pessoa e como mãe. Penso sempre: “e se fosse comigo?”. 

Um dos voluntariados que fiz foi no IPO e foi tão duro que hoje em dia, depois de ter sido mãe, não conseguiria voltar a fazê-lo. No entanto foi uma das melhores experiências que tive, simplesmente porque naquele dia e naquela hora era a minha presença que fazia a diferença. Os pais das crianças que lá estavam internadas contavam comigo naquele curto período de tempo para serem pais normais, homens e mulheres que podem por momentos esquecer-se que são pais de uma criança com cancro. Entrava de manhã e saía à hora de almoço. Não nos permitiam permanecer por mais tempo e era-nos proibido perguntar por qualquer criança que não estivesse presente. Ao princípio estranhei a rigidez nas regras, mas com o passar do tempo entendi que são essas mesmas regras que protegem a sanidade mental dos voluntários. Durante a manhã permanecia numa sala com as crianças que estavam internadas e que podiam deslocar-se, brincávamos, fazíamos desenhos, contávamos histórias e, no fim, quando terminava o meu turno, saía e chorava. Chorei muito. Por todos os meninos. Por todos os pais. Chorava sempre, mas voltava sempre. Porque ser solidário não é suposto fazer–nos sentir bem, ao contrário do que muita gente diz. Ser solidário é fazer bem aos outros, mesmo que isso nos deixe mais pobres, mais tristes, mais fracos. Deixa-nos acima de tudo mais humanos e, como qualquer humano, vulneráveis. E é nesta vulnerabilidade que encontro o significado da solidariedade. A vulnerabilidade de quem precisa e a vulnerabilidade de quem se dá. Porque um dia a posição pode inverter-se e quem dá entende essa fragilidade. Sente essa fragilidade como sendo sua nesse preciso momento.
“E se fosse comigo?”. 

Anos mais tarde, sentada na sala de espera do bloco operatório de um hospital, fui eu que precisei. A solidariedade pode ser mais do que dinheiro, muito mais que valor monetário. Pode manifestar-se na capacidade de compreender e na habilidade de confortar: oferecer uma mão, uma palavra, um gesto torna-se monumental quando não estamos à espera de nada, quando já perdemos a esperança, ou quando o chão parece fugir-nos dos pés e tudo o que vemos à frente é uma sala vazia, desprovida de cor e sem espaço para respirar. 

Faz-nos falta ser mais solidários, faz-nos falta entender melhor o outro, abrir as portas do nosso mundo e deixarmos entrar quem precisa de um sorriso, de um prato de sopa, de uma bebida fresca ou de um medicamento caro e milagroso. Faz-nos falta sentar com quem precisa em vez de fingir que não existe, ignorar os alertas ou mudar de passeio quando encontramos um sem-abrigo. O outro dos voluntariados que fiz foi precisamente com eles: saía de noite para distribuir comida, cobertores e roupa pelos sem-abrigo da cidade. Nunca me senti tão reconhecida, e as histórias de vida destas pessoas são comoventes e impressionantes. São pessoas como nós que um dia perderam tudo, mas principalmente o que perderam foi a capacidade para serem lembrados, porque os azares da vida fizeram com que as pessoas se esquecessem deles.

Não protejo as minhas filhas desta realidade, pelo contrário, deixo que vejam, deixo que sintam porque o ver e o sentir são metade do caminho para quererem ajudar. 

Sofia Franco
www.notjust4mums.wordpress.com
Facebook e Instagram: @notjust4mums

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