O meu pai é careca e, para mim, sempre o foi. Apesar disso, conseguiu ter amigos, tornar-se um profissional respeitado pelos pares, casar com uma mulher bonita e ter pelo menos um filho que se ri das suas piadas.
Mesmo com todos estes feitos e virtudes, a calvície do meu pai sempre foi, para mim, uma maldição hereditária; uma bomba-relógio hitchcockiana. Durante a minha adolescência e enquanto jovem adulto, rogava aos Céus para não perder o meu cabelo antes dos 30 anos de idade. As preces foram mais do que atendidas e cheguei aos 40 com a quase totalidade do cabelo. Não é o cabelo do Rodrigo Santoro, mas cá se vai aguentando, castanho, espigado e oleoso.
O cabelo nunca foi elemento de destaque da minha imagem; esse papel sempre esteve reservado para uma bela armação fortemente graduada que permaneceu no meu rosto até aos quase 18 anos de idade.
Na batalha pelo domínio do meu rosto, encontravam-se ainda duas belas protuberâncias, no local onde deveriam estar as orelhas. E o cabelo espigado, esse, teimava em não crescer para as dissimular. Só não foram mais relevantes na minha imagem de adolescente porque a graduação dos óculos desviava o foco de todo e qualquer pedúnculo. Ser caixa de óculos tornou-se a minha identidade, a minha tribo. Pelo menos sempre me creditavam mais alguma inteligência.
Com esta abambalhada descrição ficarão admirados por descobrir que me tornei, não engenheiro informático, mas geólogo. A profissão mais máscula à fase deste nosso planeta com 4.5 mil milhões de anos de idade e com uma distância da superfície ao centro de, aproximadamente, 6400 Km. Se me observarem num treino de crossfit, essa virilidade não será facilmente percepcionada pelos mais míopes, mas, se conseguirem ver além das cargas de referência para mulher que utilizo, vão identificá-la.
Mas a fé move montanhas e a ciência chamuscou-me a córnea, a genética não levou a melhor sobre o meu cabelo e as orelhas, essas, continuam grandes. Sejam sinceros, de certeza que já gozaram com alguém assim. Eu também o faria. Mas isso não significa, mesmo que me sentisse ofendido, que me devesse defender com recurso à violência. Não o fiz enquanto miúdo porque valorizava a minha dentição quase perfeita e óculos intactos, e não o faço agora. Gosto de pensar, por saber que a violência não é a solução para a quase totalidade dos problemas.
Não sou um Mahatma; existe justificação para a violência e há quem apenas compreenda essa linguagem, mas nunca pode ser a resposta a uma palavra, a um insulto, a uma piada.
É certo que me incomoda ser alvo de chacota, e gosto de acreditar que quando faço uma piada tenho o cuidado para não denegrir ninguém. Mas sou apenas humano e o erro faz parte da minha génese. Mas, em momento algum, me considero no direito de censurar alguém por palavras maldosas ou piadas bem ou mal sucedidas. Para a difamação temos a lei, e isso é outro assunto, para o mau gosto temos o bom senso e a inteligência emocional.
Hoje sei que há esperança para os caixas de óculos deste mundo. Mesmo com cabelo, encontrei uma mulher bonita que, ocasionalmente e sem me incentivar, ri das minhas piadas.