Miúda de um Planeta diferente

Tímida Claridade

Este é o lugar onde as lágrimas não se demoram e onde a poesia abdica de ser bonita para chorar num tom sem fim. A terra embebida mora cá dentro e os gritos fazem-se grandes, mas não se escutam. A tristeza de perceber que mesmo que o caminho continue com a linha estabelecida tudo remove o girassol de florir, e num precipício sem que as asas de um voo respondam à sua função, estende-se o corpo e vibra-se em chão pesado. É um grito silencioso, um mistério que mostra um sorriso e não o que ele na verdade expressa. A dor escondida através de um crepúsculo que entra pela janela dos olhos e um coração que se despedaça a cada pulsar do tempo parece uma espécie de unicórnio, mas há pouco encanto a entrar pelo que a persiana ainda permite. A lua não chega para iluminar a escuridão que absorve o caminho de um profundo vazio, um caminhar a passos arrastados na fuga para um lugar distante e escondido … que só existe num papel que pintamos.

Ninguém se dá conta, ninguém ouve, ninguém percebe, não está ninguém. Bate-se em todas as portas ao mesmo tempo que elas se fecham, deixam-se todos os sinais patentes, mas só existe um vazio e ele não deixa erguer os passos. Fica tudo com espaço a mais e o céu ganha as nuvens cinzentas para receber quem for entrar por lá. As marcas estão todas presentes, mas aqui não mora a assiduidade, ela emergiu e saiu do lugar estacionado. Um mundo cheio de gente e tudo tão sozinho. O pano vai descer rapidamente, não vão existir mais aplausos e a plateia será comovida pela tristeza, pela dificuldade em digerir o que havia num estado vizinho, num abraço que se encostaria a todas as cores existentes e uma flor da tarde nascesse assim. A realidade é presença numa montanha remota e haverá sempre imagens ancoradas ao coração que vão doer, haverá sempre uma despedida sobre as águas calmas de setembro e um abandono à vida porque o sol deixou de nascer e de se pronunciar frente aos dias. É o mar que se afasta e a felicidade vai descendo os últimos degraus, a vida passou a ser insuportável e ninguém está presente.

Tu dás-te, mas o mundo insiste em não ser para ti, o mundo não te merece, talvez o mundo nem tão-pouco se soma, e não adianta fugir em segredo, há sempre aquele lugar que mora em ti que te vai retirar da doce poesia e da brisa do vento a beijar-te os cantos do teu corpo. Os pombos deixarão de se abeirar e sentir a solidão depositada no gesto brusco do aroma que disponho nas mãos para alimentar aquilo que não alimenta, como se fosse o cair morno do final de tarde na praia. E escutar o que a boca tem para dizer porque é o coração que traz o verde da luz tímida das tílias e o seu cheiro que penetra na alma, não há medo ou inverno que não se deixe ficar, paralisando o tempo, e ele é velho e é sonolento, ele não aquece o corpo. E a escrever com a noite a dormir e as ruas a  despertar um sossego de paz que apetece mergulhar e viver, as estrelas estão mais distantes e parece que a chama arrefeceu. A luz da manhã já não fixa no mar e as ondas deixaram de se pronunciar na areia, os muros são cada vez mais altos e até o respirar já não aguenta o sopro. 

Juliana Gomes, escritora
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