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«A atividade mais nobre a ter com um livro é lê-lo»

Visitamos a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva e estivemos à conversa com a directora da instituição, Aida Alves. Falamos sobre o poder dos livros, da importância da leitura e ainda da realidade da BLCS que se assume como uma referência cultural da cidade de Braga.

 

 

Fale-nos um pouco do seu percurso académico e profissional até chegar a diretora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS)?

Iniciei as minhas funções no ano de 1991 na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, mais precisamente no Centro de Documentação Europeia da UMinho, local onde cresci profissionalmente. Em 1992 fui admitida na licenciatura em Estudos Portugueses no Instituto de Letras e Ciências Humanas (atual ELACH) da mesma universidade. Como trabalhadora-estudante cursei a licenciatura, concluída após estágio profissional na Escola Secundária de Monserrate (Viana do Castelo), no ano de 1996. Como necessidade formativa e profissional para ascender à Carreira de Técnica Superior BD, frequentei a Pós-Graduação em Ciências Documentais na Universidade do Porto, curso que me abriu portas para o mundo da Biblioteconomia, da Documentação e da Ciência da Informação. Como sempre gostei de investigar e descobrir fontes que consolidassem a minha prática profissional e pela aventura de abrir mais horizontes geográficos, inscrevi-me no Curso de Doutoramento Métodos de Investigação em Biblioteconomia e Documentação da Universidade de Salamanca (Espanha), em regime de protocolo com o Instituto Superior de Educação de Viseu. Antes desta inscrição, ainda frequentei aulas do Mestrado em Sistemas de Informação da UMinho (Guimarães), tendo a disciplina de “Comércio Eletrónico” me cativado sobejamente para a inovação na comunicação empresarial e novas estruturas de serviços nas organizações com recurso às TIC. A par disso fui sendo formadora em cursos técnicos profissionais em Escolas Profissionais na área das Ciências Documentais, formadora da BAD – Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, e Assistente Convidada na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, mais especificamente na Pós-Graduação em Ciências da Informação e Documentação e mais tarde na Licenciatura e no Mestrado em Ciências da Informação e Documentação, sempre em horário pós-laboral.

Como é o seu dia a dia na biblioteca?

Confesso que não aprecio muito as rotinas. Mas assumo que são necessárias e exigidas ao bom funcionamento dos serviços. Para mim todos os dias têm de ser agitados mentalmente para que possa reativar assuntos estagnados, abrir caminhos para novas tarefas, novos programas. Fazer pontes e criar sinergias entre pessoas e instituições, entre projetos, é o que me encoraja. No dia a dia vou resolvendo situações de gestão de espaços, equipamentos, gestão de pessoas, eventos, candidaturas, projetos em rede.

Qual é o verdadeiro papel de uma biblioteca como a BLCS?

A BLCS tem a missão de uma biblioteca de leitura pública, integrada na Rede Nacional de Bibliotecas de Leitura Pública (RNBP), com serviços de proximidade à comunidade. Vai muito além da sua coleção bibliográfica patrimonial. É um equipamento que disponibiliza espaços e equipamentos para encontros de pessoas, realização de atividades de aprendizagem ao longo da vida. A partir da coleção de documentos, desenvolvem-se círculos de aprendizagem, de socialização, de integração, de inclusão, contribuindo de forma informal e não formal a capacitação de pessoas em diferentes literacias.

Como é que define esta instituição?

A BLCS é vida. Atingiu a sua maturidade, tendo criado a sua marca e identidade na comunidade. Considero, todavia, que ainda é pouco conhecida pela grande generalidade da população e que deveria ser mais divulgada nos territórios mais periféricos. Se atentarmos à dimensão do território do concelho e da crescente população, torna-se demasiadamente pequena em termos de espaços físicos e recursos para os desafios que o concelho lhe apresenta diariamente.

Podemos dizer que a BLCS é muito mais que um espaço dedicado aos livros e à leitura? É também uma referência na programação cultural da cidade?

A BLCS é um espaço com livros e com vida. Terá toda a vida cultural, educativa e formativa que a comunidade lhe quiser atribuir e com ela desenvolver e crescer. É uma organização viva, dinâmica, flexível, integradora, renovadora e inovadora. Cresce com os cidadãos.

Braga é uma cidade de leitura?

Braga é uma cidade de cultos e de tradições, de muita religiosidade, mas também de inovação e de futuro. É uma cidade que tem vindo a crescer em hábitos de leitura, mais visível em microssistemas, tais como a comunidade BLCS (que requisita uma média mensal de cerca de 4.500 mil livros infantis, jovens e adultos); também em contexto de escolas e suas bibliotecas escolares dos 1º, 2º, 3º ciclos. Quando transitamos para o nível secundário e universitário, a leitura é mais escolar, académica e disciplinar, muito em ambiente digital (repositórios, bases de dados). Hoje também assistimos a leitores que fazem as suas leituras em plataformas digitais Web, redes sociais e aí não temos resultados apurados. Não foi ainda realizado um estudo mais alargado e profundo em Braga para aferir os hábitos de leitura. O Plano Local de Leitura de Braga tem previsto este estudo.

O utilizador da biblioteca tem mudado ao longo dos anos?

Temos crescido em número de inscritos de forma gradual. Atualmente, contamos com cerca de 31.000 leitores inscritos. Temos crescido na população emigrante, que muito procura a BLCS, nomeadamente a comunidade brasileira, assim como a população sénior e estudantil. São todos muito bem-vindos.

Em termos de utilizadores (crianças, jovens e adultos), quem mais visita a biblioteca?

A Biblioteca, diária e individualmente, é mais visitada pelo público adulto; em termos de visitas de grupo, por crianças e jovens. Muitas crianças participam nas atividades da Biblioteca. Em 2022, cerca de 11.065 crianças participaram nas atividades de horas do conto, oficinas, performances. E 16.598 adultos foram registados em participação de atividades ligadas a conferências, palestras, apresentações de livros, ciclos de cinema, entre outros. A BLCS recebe também muitos estudantes. Quais são os motivos que apresenta para esta realidade? A Biblioteca tem uma arquitetura moderna, com boas salas de leitura, sala de estudo em grupo, com boas condições de luminosidade e conforto. Disponibiliza sinal de internet sem fios (Wifi Braga) e alguns computadores ligados à Internet. Os serviços são tendencialmente gratuitos, à exceção do serviço de digitalização e de fotocópia. É um espaço apropriado pelos cidadãos, uns para estarem em silêncio a estudar, a fazer investigação e trabalhos académicos; outros em conjunto a conversar e a fazer trabalhos de grupo. Disponibiliza o serviço de empréstimo presencial e domiciliário de obras, CD de música e DVD filme. Tem cafetaria e esplanada interna. Para além disso, está localizada no centro histórico da cidade e permite um passeio mais descontraído no final da tarde.

«Em 2022, a BLCS registou o total de 151.996 entradas de visitantes»

Quantos utentes visitam a BLCS por ano?

Em 2022, a BLCS registou o total de 151.996 entradas de visitantes.

E o que mais procuram os utilizadores que recorrem à biblioteca?

Os serviços mais procurados são o serviço de empréstimos domiciliários, sobretudo com a requisição de livros e a participação em eventos e exposições. Temos muitos utilizadores que gostam de ler os jornais diários, outros que visitam a cafetaria para pequenas pausas de café ou refeições ligeiras, outros que usam os computadores para aceder a serviços Web gratuitamente. Alguns procuram a biblioteca para descansar e, às vezes, dormitar.

Em que sentido os utilizadores podem contribuir para melhorar a própria biblioteca?

Dando sugestões de melhoria contínua, diretamente à Biblioteca, através do serviço de atendimento ou à Direção; ou às entidades que a tutelam, Universidade do Minho e Município de Braga. Está a ser aplicado o inquérito de satisfação 2023, disponível no site Web da BLCS no qual o utilizador pode fazer as suas sugestões: https:// www.blcs.pt/portal/isu.aspx.

O apoio às bibliotecas escolares no concelho de Braga continua a ser uma das principais causas da BLCS?

A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva tem como principal missão o serviço de leitura pública. Possui nos seus estatutos de 2004 a missão de cooperar com outras bibliotecas (municipais, escolares, universitárias, entre outros), portuguesas e estrangeiras. Neste âmbito, integra, formalmente, desde 2012, a Rede de Bibliotecas de Braga. A Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva compromete-se através do seu SABE – Serviço de Apoio às Bibliotecas a cooperar com as bibliotecas escolares em: 1. Prestar apoio, sempre que necessário for, aos professores-bibliotecários que realizam o tratamento técnico dos fundos documentais nas BE do ensino básico (1.º, 2.º e 3.º ciclos) e secundário; 2. Colaborar e trocar experiências com os professores-bibliotecários no âmbito da organização, gestão e dinamização das Bibliotecas da rede; 3. Participar na cooperação interbibliotecas da rede, no âmbito da partilha e circulação de recursos documentais; 4. Participar nas reuniões concelhias da Rede de Bibliotecas, sempre que se realizarem; 5. Dinamizar planos de atividades culturais partilhados com as Bibliotecas Escolares que diligenciem a economia de recursos, promovam as literacias, as práticas de leitura e escrita, a nível local.

Que tipo de atividades a biblioteca promove ao longo do ano?

Atividades de toda a natureza que apoiem a promoção do livro e da leitura, a integração de crianças, jovens e adultos em dinâmicas de leitura, de escrita, de recreação, do saber-fazer, do acesso à informação de múltiplos saberes, desenvolvimento de pensamento crítico. Assim, desenvolve programas de atividades para famílias, com filhos desde a primeira infância, apresentação de livros e encontros com escritores, debates, palestras, conferências, ciclos de cinema, horas do conto, oficinas de escrita e de artes, espetáculos, recitais, pequenos concertos de música, exposições artísticas e documentais, visitas guiadas, ações de formação, cursos breves, teatro.

Quantos livros são disponibilizados pela BLCS?

Atualmente estão em catálogo online disponíveis para leitura cerca de 497.000 títulos.

Como é que a biblioteca tem acompanhado a era digital e de que forma esta realidade tem contribuído para melhorar o seu funcionamento?

A Biblioteca tem apostado nos serviços de atendimento online, tornando-o de resposta rápida e eficiente nos dias úteis, comprometendo-se com a qualidade dos serviços de resposta ao cidadão; para além de reforçar serviços através do site, tem apostado na divulgação de eventos e informações gerais nas redes sociais de Facebook e Instagram, assim como disponibilizado conteúdos vídeo no Youtube. Por outro lado, desenvolve atualmente esforços para enriquecer em objetos digitais e angariar documentos que ajudem a mapear a história do concelho, através dos contributos dos cidadãos para a Biblioteca Digital AQUALIBRI, um projeto apoiado pela Comunidade Intermunicipal do Cávado e a Direção- -Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas. AquaLibri é uma biblioteca digital que apresenta obras raras e curiosas, estudos e imagens, vídeos e sons que refletem a história, a cultura, a natureza, o património e as pessoas da região do Cávado. Nascida a partir das coleções das suas bibliotecas de leitura pública, aceita e recebe a colaboração dos cidadãos e das instituições para tornar ainda mais vivas a memória e a identidade regionais. Por outro lado, tem disponibilizado através da CIM Cávado, o acesso à plataforma PRESSREADER, que permite o acesso e leitura integral a cerca de 7.600 títulos de jornais e revistas de todo o Mundo. Em qualquer local e a qualquer hora, à distância de um clique. Basta estar inscrito numa das bibliotecas da comunidade intermunicipal (Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Vila Verde). Aguarda por novos desenvolvimentos de uma plataforma nacional de leitura e de empréstimo de ebooks, em análise pela DGLAB.

Como é que a biblioteca comunica com os seus utilizadores?

A Biblioteca comunica com os seus leitores de forma presencial e telefónica, via online (chat e email), pelo seu site, pelas redes sociais de Facebook e de Instagram. Possui uma mailing list de leitores e cidadãos, e de instituições que é usada para divulgar as suas informações de funcionamento e programas culturais.

Quais as maiores necessidades da instituição em termos da gestão da documentação e da informação?

Apostar mais fortemente na disponibilização de livros e edições digitais recentes, que permitam ao cidadão ter acesso a ebooks por empréstimos online, através do seu equipamento pessoal e área reservada. Aguardamos notícias da DGLAB e do investimento a nível do PRR nas redes culturais e transição digital, na criação da Plataforma de Empréstimo de Livros Eletrónicos para 300 bibliotecas Públicas. Por outro lado, prever a necessidade de a biblioteca crescer em espaços físicos e poder acondicionar nos próximos 15 anos a 20 anos mais documentação variada em suporte papel.

Que balanço faz do percurso da BLCS até ao momento?

Um percurso de muito trabalho desde 2004, com muitos desafios e crescimento a nível profissional, pessoal e familiar. Um balanço muito positivo. Desafios na abertura de novos caminhos não traçados ainda, renovação de dinâmicas, estabelecimento de políticas de cooperação e colaboração com entidades parceiras a nível concelhio, regional e nacional, estabelecimento de planos de atividades de interesse e interseção que criaram sinergias. Nós e redes de trabalho. Mas há ainda muito para se fazer para abraçar um concelho em franco crescimento, com população cada vez mais exigente na procura de serviços e bens.

O que mais aprecia no seu trabalho? A multidisciplinaridade na área da documentação e biblioteconómica;

a multiculturalidade dos públicos; a programação educativa e cultural, dinâmica, criativa, integradora, funcional e inovadora de atividades que respeitem as diferenças dos segmentos de público e a sua exigência; e ainda a monitorização da melhoria da qualidade nos serviços e produtos oferecidos.

O que significam os livros para si?

Começam por ser um abrigo tranquilo, um momento a sós entre mim-leitora e o escritor, numa viagem que quando começa não sei onde acabará, uma permanente descoberta que muitas vezes me desinquieta, onde me aproprio da linguagem, das paisagens, das personalidades das personagens, das ações numa época, onde me conduzo página a página, ao meu próprio ritmo de tempo e de disposição. Ler para muitos um livro, pode parecer cansativo, mas é muito mais terapêutico e libertador de tensões e stress.

«Atualmente, a BLCS disponibiliza para leitura em catálogo online cerca de 497.000 títulos».

 

Disse recentemente que “os livros têm um poder imortal”. Que significado tem esta frase?

Referi-me a essa frase quando aludi à ilustração do cartaz do Dia Mundial do Livro em 2022, da autoria da ilustradora Susa Monteiro, que mostrava um personagem absorvido pela leitura de um livro, envolvido por ramagens e folhas verdes e belos pomos de cor laranja e baseava-se numa lenda grega que conta que as ninfas cultivavam laranjas nos jardins das Hespérides e aqueles que provassem os seus gomos alcançavam a imortalidade. “Também o livro tem o poder da laranja, tornando imortais quem guarda as palavras e as retém como suas. Em cada livro lido, a vida de um leitor renova-se; em cada leitura e com cada leitor o livro ganha nova perspetiva, que, serena ou avidamente, abre as suas folhas e bebe as palavras que todos nós conhecemos, mas não sabemos transmitir de forma perene.” (excerto da crónica publicada no Correio do Minho, 2022-04-17).

Vê-se a viver sem eles?

Não me vejo sem livros (papel e digital) e muito menos sem os diferentes canais de acesso às fontes de informação.

E como imagina o futuro dos livros e como podemos defender os livros em papel?

Defenderemos no futuro os livros em papel, se os consumirmos os lerem, falando deles; comprando-os nas livrarias e superfícies comerciais, nos alfarrabistas. Criando dinamismo circular no ciclo do livro (escritor, editor, livraria, biblioteca, leitor, partilha e armazenamento). Exigindo a renovação das coleções nas bibliotecas. A atividade mais nobre a ter com um livro é lê-lo. Depois, partilhá-lo com alguém (ou não), guardá-lo num local arejado e acessível. Aos livros vamos associando novas tecnologias, novas plataformas, que nos proporcionarão outro tipo de leitura digital, com outro tipo de conforto para muitos. O folhear digital. O futuro dos livros passará muito pelo formato digital, ao qual as novas gerações se irão habituar. Como teremos sempre amantes de livros em papel, estes ainda terão com certeza o seu futuro garantido por mais um bom par de décadas.

Quais os principais projetos e atividades que se encontram a decorrer na BLCS e quais os que estão planeados para 2023?

A BLCS e seus parceiros têm em vista a comemoração em 2023 dos Ciclos dos Centenários de escritores e pensadores (Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís, Natália Correia, Mário Cesariny, Eduardo Lourenço) e os 50 Anos da Universidade do Minho. Acompanhar as novidades editoriais e continuar a promover atividades que aproximem os leitores dos escritores. Por fim, continuar a angariar e disponibilizar em livre acesso documentação integral para a Biblioteca Digital AQUALIBRI.

E qual é o seu maior desafio para o futuro da BLCS?

O grande desafio para a BLCS é o seu crescimento sustentável junto da comunidade, em termos de espaços, serviços e recursos.

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