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Conto

Capítulo XV: Sem julgamentos

“Camila, 

Sei que chego um pouco tarde, mas preciso de me justificar com tempo,  presença e amor nas minhas          palavras. As nossas viagens de comboio nunca nos permitem conversas. 

Antes de tudo o que possas sentir, que saibas que eu também senti, e ainda sinto. Sinto aquela conjugação que não se conjuga porque tudo ficou mal resolvido. Eu não me expliquei, e não por não querer, mas porque há circunstâncias que nos afastam de uma tentativa explicada. Fará isto algum sentido para ti? É quase como um bloqueio que não nos permite ser, que não nos permite chegar à frente para mudar alguma coisa. Eu fugi, eu acobardei-me, eu menti a mim mesmo … eu fui um verdadeiro idiota por não ter tido coragem para mais. Não quero pedir desculpas porque podia ter evitado, mas tenho que pedir desculpa porque não o evitei. Preciso que me perdoes mesmo que não seja possível esquecer. O que te escrevo é o meu desabafo sem filtros, é o surgimento nas minhas palavras do meu coração, é todo o meu ser. E, ele está inteiro, mas em pedaços. Agora vivo inquieto. Todo o meu coração é o que mereces. 

Na altura do nosso café eu tinha outra pessoa e não consegui dizer-te que não podia tomar café contigo por ser incapaz de virar a página, mesmo que ela ainda contasse pouco da nossa história. Fugi como um balão de hélio libertado da mão de uma criança numa festa pelo ar, fugi porque sabia que estava a errar. Contigo e com a Bianca, a minha namorada da altura. Eu tentei várias vezes enviar-te uma mensagem, escrevi a mensagem e ela ficou retida no tempo até há pouco, ficava nos rascunhos das minhas justificações; ficava horas a olhar para o ecrã do meu telemóvel, mas acreditei sempre que não seria o melhor para ti naquele momento. Porém, achei que nada justificava a minha atitude cobarde de te deixar plantada. Eu fui àquela esplanada, eu vi-te, e não esqueço a imagem bonita de ti, pareceste-me tão ansiosa, mas estavas como és, bonita e com uma luz imensa a fazer parte de ti… aquele vestido branco e as tuas botas texanas fazem-te transbordar a beleza desigual e particular que mora em ti. Eu recordo-me como se tu fosses feita de presente. E acho que no fundo és, porque no mais profundo dos oceanos estamos outra vez no mesmo caminho. Eu fiz um pequeno desvio daquele que o destino me tinha desenhado, mas já me encontro no mesmo jardim, onde tu és a flor principal. 

Estive escondido naquele dia e não tirei os olhos de ti por um segundo, e tanta impotência eu senti nos meus passos; ao mesmo tempo que não te privo da minha vontade em ir ter contigo, porque havia alguma coisa que me fazia percorrer aquela rua até chegar a ti. Sempre existiu essa vontade disfarçada por entre uma atitude mais conservadora de seguir na tua direção. Mas eu não podia. A razão era mais forte. A Bianca, bem como tu, mereciam mais de mim. Julguei que não te enviar mensagem alguma iria deixar-te com muita raiva da minha atitude, mas com o passar dos dias, ela iria apaziguando, ela iria ser mergulhada no mar. 

Vi-te pelo menos mais duas vezes nas viagens para o Porto, mas depois nunca mais te vi. Perdi-te da minha vista, perdi-te de todas as formas. Até ontem. Ali, foi onde ganhei asas de anjo e apoderei-me do medo, sabia que naquele banco eras tu quem sentava. E eu, apesar de dizer muito pouco, senti-me imenso, senti-me completo. Uma paz interior tomou conta de mim, só por te ter ali ao meu lado. E não foram precisas palavras para me acrescentar. A tua presença e fragância e sorriso e tudo aquilo que podia tocar em ti, mesmo sem o experimentar, foram o meu maior deleite. Senti uma onda de sol e cor a fazerem parte de nós. 

Que saibas que, desde que te vi, houve sempre uma partícula bonita a chamar-me para ti. E, não sei o que me envolve nesta noite, onde o relógio marca três da manhã, mas eu não consigo dormir. Depois de ti ficou-me o coração, o meu coração a palpitar por ti, e nos meus olhos a tua imagem. És bonita demais para te ver a chorar. 

Até hoje não sei justificar, não sei o que é, mas espero ter a oportunidade de te dizer que não foi maldade, não foi falta de amor no coração, foi um respeito esquisito de fazer as coisas, foi já gostar um bocadinho de ti… e, apesar de não ter sido logo sincero, por não conseguir, há mais em ti dentro de mim do que tudo aquilo que possas imaginar. 

Naquele dia fiquei o tempo todo a olhar-te… no fundo, tomamos o nosso café, apenas não estivemos sentados na mesma mesa.

 

Que me saibas ter ainda no teu coração,
Gonçalo.”

 

(a próxima edição continuará a acrescentar conffettis de amor a esta história)

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