Sem Treta

«10 anos de afirmação de uma programação articulada, arrojada e contemporânea»

O gnration assinala, neste mês de maio, 10 anos de atividade e a Revista Minha esteve à conversa com Luís Fernandes, diretor artístico do espaço. O início, a sua evolução cultural e a afirmação de um processo criativo diferenciado e contemporâneo são temas em cima da mesa.

 

A 1 de maio de 2023 assinalaram-se 10 anos de programação cultural do gnration. Que balanço faz da atividade deste espaço ao longo desta década?

São 10 anos de afirmação de uma ideia programática muito particular e que assenta, essencialmente, no foco da criação contemporânea. Se recuarmos uma década não era algo muito comum em Braga, onde havia um claro défice neste tipo de propostas artísticas. Obviamente, existiam eventos pontuais mas não atuavam de uma forma consequente, articulada e contínua, e essa linguagem era insuficiente. A partir dessa proposta arrojada definida para este espaço, também tínhamos noção que o sucesso não seria alcançado de forma imediata, nem era uma relação muito fácil de conseguirmos, em termos claros e diretos com a comunidade e com a própria cidade. Precisaria de tempo para florescer e crescer e, neste sentido, posso afirmar que foram 10 anos de afirmação, de leitura de um território e de olhar para aquilo que estava à nossa volta e perceber como nos poderíamos inserir, não ocupando outro tipo de espaços promovidos por outras estruturas, mas marcando uma posição muito nossa, muito particular, não comprometendo a nossa ideia programática, não caindo no erro de a tornar demasiado deslocada daquilo que é a realidade da cidade. Fomos ouvindo as pessoas, afinando o processo e acredito que somos uma estrutura que está enraizada naquilo que são as dinâmicas culturais da região. Temos um programa intenso, com muita procura, com público fidelizado, vindo de todo o Minho e da Galiza. Olhando para os números e para as dinâmicas que fomos apresentando, têm sido 10 anos muito positivos!

De que forma este espaço cultural evoluiu ao longo destes 10 anos?

Parte da evolução assenta nessa capacidade de trabalhar a nossa programação, tendo em conta a região onde estamos inseridos. Tem sido muito importante saber ouvir os agentes culturais locais e colaborar com artistas da cidade. É algo que fazemos cada vez mais! No entanto, o gnration até foi uma estrutura que começou por ter mais afirmação e projeção a nível nacional. Isto aconteceu devido à forma distinta que nos propusemos a trabalhar, e é algo que continuamos a fazer, consolidando a marca em Portugal. Por último, o espaço apresenta agora também uma importante dinâmica internacional. Neste momento, integramos três redes financiadas pela Europa Criativa – que se manifesta de forma concreta em financiamentos e apoios – e somos das poucas estruturas portuguesas com este tipo de capacidade. Esta realidade demonstra que, pela nossa proposta artística, conseguimos atrair o interesse de parceiros internacionais de diferentes escalas, que nos querem nas suas redes, para co-produzir trabalhos distintos, sejam artistas, exposições ou espetáculos. Não esquecer também que, desde 2021,  o gnration é estrutura integrante da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses  —  RTCP, e em 2023, integrou a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea — RPAC.

O que representou e o que mudou após a integração na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses?

A nossa filosofia manteve-se, assim como o nosso foco. Mas há vantagens nesta integração, desde logo, a nível financeiro, porque conseguimos concorrer a concursos e projectos sustentados pela DGArtes. Por outro lado, quando há uma validação externa, é mais fácil legitimar a nossa missão de promover artistas muito específicos. Não garante sucesso de lotação ou bilheteira, mas ajuda a consegui-lo e a posicionar-nos em termos de espaço mediático.

Qual tem sido o maior foco da direcção artística no sentido de projectar cada vez mais o gnration e de trabalhar a sua própria identidade?

Eu acredito que a identidade é definida por múltiplas instâncias. Há, por um lado, a definição da dimensão programática dos eixos que nos propomos trabalhar. Por outro lado, é importante também a forma como o espaço é apresentado ao público ou o modo como comunica. O design, nos espectáculos, não é apresentado de forma óbvia. Não basta colocar uma fotografia do artista, um título e uma data. Tentamos que todas as dimensões daquilo que fazemos sejam coerentes com uma ideia global, neste caso, de contemporaneidade e de audácia. Muitas vezes, propostas arrojadas artisticamente podem angariar maior curiosidade. Se fossemos uma casa sem crivo naquilo que acontece não haveria uma perceção muito clara daquilo que fazemos e são estes compromissos que temos que ter sempre em conta. É fundamental que o nosso projecto cultural seja coerente e o nosso ecossistema favorece essa dinâmica e esse rasgo. Por todas estas razões, acredito que este espaço é visto internacionalmente como um projecto diferenciado, porque tem, de facto, uma lógica muito particular nas suas múltiplas dimensões.

O espaço em si é também peculiar e diferenciador. Alberga vários espaços e é multidisciplinar. Também por aqui, podemos dizer que tem marcado pela diferença e que se assume com um lugar para todos?

Totalmente. A própria lógica programática foi definida tendo em conta as características do espaço. É um edifício com múltiplas e pequenas salas talhadas para processos de criação. Muitos deles criados cá. O gnration é um pouco de tudo. É sinónimo de experiências. Haja ou não espectáculos, está sempre aberto ao público e incute uma dinâmica diferente. Agora temos cafetaria, um espaço que faltava. É esta dinâmica social que queremos, que vai além dos espectáculos, com espaços socais, pontos de encontro ou zonas de estudo, leitura e música. Ainda há muito para melhorar, mas é este o caminho que queremos percorrer.

Como é que define a programação do gnration?

É uma boa pergunta, porque não consegue ter uma definição clara. É um espaço multicultural, híbrido, orientado para as práticas artísticas contemporâneas, nomeadamente a música e a relação entre a Arte e a Tecnologia. A partir desta lógica, apresentamos espectáculos, exposições, workshops ou conferências. Mas é também um edifício acessível à cidade, para a comunidade, com cafetaria, com entrada livre a qualquer hora, para socializar. É também um espaço aberto a propostas da própria cidade, com parcerias com vários artistas e entidades. Para além disso, acolhe diferentes valências, como a incubadora de empresas Startup Braga, uma entidade que também promove diferentes actividades.

No processo criativo, onde é que o gnration procura ser mais audaz?

Certamente no programa artístico. A grande parte do sucesso que alcançamos prende-se com a programação apresentada. Mas eu gostava que o espaço tivesse mais vida ao longo de todo o dia… se tivéssemos mais espaços sociais, seria um ponto de encontro de referência na cidade. O gnration tem muitas potencialidades para explorar…

Para além da vasta programação preparada para assinalar o seu 10.º aniversário, o que destaca na programação do gnration para os próximos meses?

Neste segundo trimestre do ano, em abril, o mês com maior foco no 10.º aniversário, os espectáculos estavam todos esgotados. Entre maio e junho, destaco o regresso do ciclo Radiografia, que surgiu em resposta a um conjunto de jovens compositores nos últimos anos em Braga e que tinha sido interrompido devido à pandemia. Surge agora reformulado, mais assente em focos individuais, e a 13 de maio, temos o músico e compositor bracarense João Carlos Pinto, que está atualmente a residir em Hamburgo, na Alemanha e que vai apresentar  a peça Ad Hominemo. Neste ciclo, a 17 de junho, vamos ter também José Diogo Martins, um pianista e improvisador residente em Braga que estreia  Pod, uma proposta a solo que retrata uma metamorfose de Points, o primeiro solo do músico. Ainda da região, os Glockenwise, de Barcelos, atuam a 20 de maio e poucos dias depois, no dia 27, recomendo também o espectáculo de Mabe Fratti,   violoncelista e compositora oriunda da Guatemala que se tornou num dos nomes mais promissores da música contemporânea, com rasgados elogios por diversas publicações de renome. Não esquecer as exposições que podem ser visitadas de forma gratuita, os espectáculos semanais e o Circuito, aberto a todos, que é o Serviço Educativo da Braga Media Arts e que procura fazer múltiplas ligações entre a criação, as Media Arts e a comunidade, com uma oferta vasta para famílias, escolas e artistas. O programa é muito extenso com várias propostas que podem ser consultadas no site e nas redes sociais do gnration.

Passaram 10 anos. O que há agora para fazer?

A tal dimensão com a própria cidade nunca se esgota. É algo que envolve uma contínua capacidade de leitura, escuta e de adaptação. Seria muito importante manter ou idealmente melhorar esta capacidade nos próximos anos. Por outro lado, a integração nas já referidas redes nacionais e internacionais irá trazer-nos, certamente, desafios de angariação de financiamento e melhor solidificação daquilo que é o programa expositivo.

Para terminar, como gostaria de ver o gnration daqui a uma década?

Gostava de o ver com um rasgo renovador, que se mantivesse fresco, dinâmico e a olhar de frente para o futuro, mas sem ostracizar ninguém. Com uma estrutura agregadora, clara, transparente e honesta.

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