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«Cada joia conta uma história, uma memória, uma emoção. E é eterna.»

Entrevista a Fátima Santos, secretária geral da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP)

Fátima Santos, Secretária Geral da AORP, refere que o setor da joalharia tem evoluído em todos os segmentos e essa diversidade tem vindo a atrair novos públicos. Em entrevista à Revista Minha, a responsável acredita, por um lado, na capacidade de atração de investimento estrangeiro em Portugal,
mas também no enorme potencial do setor como bandeira de Portugal no mundo.

O sector da joalharia e relojoaria estava em crescimento antes da pandemia Covid-19. Que impacto
teve no seu desenvolvimento?

Agora que, espero, vivemos o rescaldo daquele que foi um período sem precedentes, podemos fazer uma análise mais otimista daquela que tínhamos enquanto estávamos a enfrentar as incertezas e dificuldades impostas pelo contexto pandémico. Há uma clara aceleração de tendências, que de outra forma, demorariam a ser implementadas e essas mudanças estão a ter um impacto muito positivo para o setor. Acompanhando a rápida migração digital do mundo e do mercado global, o setor tem vindo a investir no e-commerce e canais digitais, tanto numa lógica B2B (produção industrial) como B2C (venda direta ao consumidor). O setor aproxima-se também das novas dinâmicas de inteligência artificial, realidade virtual, metaverso e NFTs. Esta abertura mostra a capacidade de adaptação que sempre caracterizou a joalharia portuguesa. Os mercados abrem-se além dos circuitos tradicionais, criando novos caminhos à internacionalização das jóias portuguesas.


Quais os maiores obstáculos que os produtores enfrenta(ra)m?
Destacaria dois principais entraves, sobretudo nos períodos de confinamento: por um lado a suspensão do sistema de certificação por encerramento das Contrastarias e, por outro lado, as restrições ao comércio e retalho tradicional, que continua a ser o principal canal de distribuição. A nível internacional, e porque esta foi uma crise global, houve uma natural retração das exportações, devido à suspensão das feiras e eventos e as quebras na distribuição. No entanto, podemos já afirmar que o setor se encontra em franca recuperação.


Muitos espaços tiveram que encerrar e noutros houve necessidade de reestruturar os modelos de
negócio?

Sim, a palavra de ordem é adaptação. A pandemia obrigou a uma rápida adaptação e aceleração dos negócios. Quem está a ser capaz de o fazer, sai mais forte, quem não tem essa capacidade de resposta, acaba por desfasar das novas dinâmicas de mercado. Mas em geral as empresas do setor mostraram-se abertas à mudança e muito resilientes no enfrentamento dos novos desafios. Por isso, a nossa visão é que sairemos todos mais fortes.


O que foi feito pelos empresários?
O comércio online registou um impressionante crescimento durante este último ano – em 2020 foram criadas
166 novas lojas online de joalharia e, em 2021 e 2022, os números continuam a subir, o que demonstra uma dinâmica sem precedentes no setor. O setor está também a evoluir para o novo contexto da Indústria 4.0, investindo na sua modernização e capacitação, bem como na adoção de processos industriais mais sustentáveis.


Que papel teve a AORP no sentido de mitigar essas dificuldades?
Desde o primeiro momento da pandemia, a AORP reforçou a sua missão associativa, no sentido de defender os interesses do setor e das empresas. Criamos canais diretos de informação sobre medidas e recomendações para apoiar as empresas na tomada de decisões. Promovemos webinars com especialistas para partilha de conhecimento e boas práticas. Desenvolvemos inquéritos para monitorizar o impacto real junto das nossas empresas e ajustar estratégias de atuação junto do Governo e poder público. Com o objetivo de capacitar as empresas para a recuperação dos seus negócios e o regresso aos mercados internacionais, desenvolvemos novos mecanismos para fomentar sinergias e ações coletivas de promoção,
como showcases coletivos em Londres e Milão e o lançamento das campanhas de promoção internacional “Together We Stand”, ainda em 2020, uma mensagem de união e de força coletiva e “Travessia” em 2022, mais voltada para a importância da transição digital e aposta na inovação tecnológica.

A guerra na Ucrânia tem gerado também consequências negativas?
Naturalmente que o setor não está imune às consequências da guerra, sendo que sem tanto impacto como outros mais dependentes dos combustíveis ou produtos agrícolas. No entanto, as incertezas políticas, lutuações económicas e clima de insegurança, criam algumas dificuldades às iniciativas de internacionalização na Europa. A solução é a mesma lição aprendida na pandemia: capacidade de adaptação.


Neste momento, como analisa o sector em Portugal?
Diria que temos que ver o setor da joalharia em dois percursos paralelos, mas confluentes. Por um lado, a nossa indústria, vocacionada para a produção para terceiros, posiciona-se hoje em dia pela qualidade, flexibilidade e capacidade de resposta. Para isso, alia a técnica à inovação, somando uma característica bem
portuguesa e que nos traz competitividade internacional: a nossa capacidade de resposta, de cumprir prazos e flexibilidade de adaptação a produções de menor escala, mais exclusivas, que é o que buscam atualmente as marcas internacionais. Do lado das marcas, temos uma nova geração de designers e empreendedores que
se inspiram no nosso legado e trazem uma nova visão contemporânea de produto, de negócio, de comunicação, abrindo novos caminhos e novos públicos, à escala global.

Há uma grande diversidade de negócios neste sector. Empresas tradicionais, outras mais inovadoras.
Convivem em harmonia?

O setor tem evoluído em todos os segmentos e essa diversidade tem vindo a atrair novos públicos. Nesse sentido, assistimos em paralelo à valorização da joalharia tradicional, das técnicas artesanais e manuais, como sendo a filigrana entre outras, muito alavancadas também pelo turismo; ao crescimento e posicionamento das marcas de luxo, muitas delas alicerçadas nas técnicas tradicionais, com abordagens contemporâneas, adaptadas aos padrões do luxo internacional; e, por fim, a um fenómeno em ascendência que são as marcas nativas digitais, de joalharia contemporânea, acessíveis, de “daily use” e que se tornam verdadeiras love brands, sobretudo junto das gerações, exportando para todo o mundo. Diria que vivemos um momento de grandes mudanças no setor, sobretudo na identificação e conquista de novos públicos, que nos permitem alargar oportunidades e ganhar escala.


Como considera a formação no sector ministrada no nosso país?
Num setor tradicional e com um tecido empresarial marcadamente familiar ou de pequena dimensão, é fulcral
que se invista na formação profissional e na especialização de recursos para que haja uma rápida evolução e
adaptação às exigências do mercado atual. Para isso é necessário que exista formação especializada adaptada às necessidades do setor e maior interligação entre a academia/escolas de formação e o tecido empresarial/industrial. O CINDOR é o principal centro de formação especializado no setor a nível nacional e, em conjunto, temos vindo a desenvolver um projeto a longo prazo de identificação de novas áreas de competência e capacitação profissional, seja em áreas técnicas (design e produção), seja em áreas complementares como gestão, marketing, comunicação digital, entre outros. Também elogiar a aposta de outras escolas e instituições públicas na dinamização de formação orientada e especializada no setor da joalharia portuguesa e que contribuem não só para o reforço de competências, mas também para estimular a entrada de novos atores, vindos de outras áreas de formação/criativas para o setor da joalharia portuguesa.


A filigrana, por exemplo, é uma arte que nos distingue. Acha que o surgimento de novos designers
pode catapultar o sector para outro tipo de técnicas?

Sendo um dos setores de maior tradição em Portugal, a joalharia portuguesa está a atravessar uma fase de renovação e crescimento. Uma arte herdada de geração em geração, que surge agora revigorada por uma nova geração de artistas e empreendedores. Ao saber-fazer e ao talento dos artesãos, somam design, inovação e uma vocação exportadora, que abre novos caminhos ao setor.

Vivemos um momento de grandes mudanças no setor, sobretudo na identificação e conquista de novos
públicos, que nos permitem alargar oportunidades e ganhar escala.

Qual a percentagem que as exportações representam atualmente para o setor?

A expansão internacional é outra das entusiasmantes Vivemos um momento de grandes mudanças no setor, sobretudo na identificação e conquista de novos públicos, que nos permitem alargar oportunidades e ganhar escala Entrevista 28 novas dinâmicas do setor. As exportações subiram 23% de 2015 a 2019, alcançando a meta de 208 milhões de euros. São números que refletem um grande esforço de investimento na inovação, promoção e internacionalização do setor. As exportações registaram valores superiores a 110 milhões de euros, em 2020, considerando os inevitáveis impactos da conjuntura pandémica, com França, Espanha, Alemanha, Suíça, EUA e Hong Kong entre os principais mercados.  Os mercados asiático e Médio Oriente têm ganho expressão nos últimos anos, fruto das consistentes participações em feiras e eventos.

Como é vista a joalharia portuguesa lá fora?

O que diferencia a nossa joalharia é que esta resulta de uma herança secular de gerações dedicadas à arte da ourivesaria, à manufatura, à atenção ao detalhe. As marcas nacionais estão a aliar o seu know-how aos novos conceitos de design contemporâneos, mais próximos dos novos padrões de consumo e da moda – um cruzamento entre passado e presente no qual se inscreve o futuro. É esta capacidade e saber que a tornam tão singular.

A joalharia portuguesa é cada vez mais valorizada no mercado nacional, sobretudo em termos de técnica, visão e design. Era isto que faltava para as empresas serem mais competitivas em termos internacionais?

A joalharia portuguesa não se faz só da arte e da capacidade produtiva, mas também de uma evolução acelerada dos processos de design, comunicação, internacionalização, comércio online, etc. Uma nova geração de marcas e designers projeta o setor internacionalmente, aproximando o setor do universo da moda e das tendências de consumo globais, o que não só abre novos caminhos ao setor como inspira os atores mais tradicionais a seguir o mesmo rumo.

 

O que diferencia a nossa joalharia é que esta resulta de uma herança secular de gerações dedicadas à arte da ourivesaria, à manufatura, à atenção ao detalhe.

Há uns anos a atriz Sharon Stone surgiu publicamente com uma peça em filigrana. Acha que foi importante para impulsionar o reconhecimento da ourivesaria portuguesa lá fora?

Sem dúvida, sobretudo porque acontece num momento que o setor estava ainda a despontar para a exportação e promoção internacional. Teve um duplo benefício: por um lado visibilidade e prestígio internacional e por outro a valorização e orgulho interno, que deu incentivo extra às marcas para investirem na entrada nos mercados externos.

Como acha que deve ser encarada a divulgação do sector no futuro?

A AORP tem como principal missão a divulgação nacional e internacional do setor da joalharia portuguesa, sob a marca “umbrella” Portuguese Jewellery, através de campanhas de promoção e de ações de apresentação coletiva que se aproximam dos cânones, linguagens e dinâmicas da moda, seja através de editoriais, showcases, presenças nas Semanas da Moda e aproximação a buyers e media do setor.

Na sua opinião, os portugueses ainda olham para as joias como um investimento?

Desde sempre, e por uma questão cultural, os portugueses investem em joias como reserva de valor. E a valorização dos metais preciosos – desde 2000, as cotações do ouro subiram 600% – ajuda aqui a este sentido de entesouramento. Mas hoje em dia o “valor” das nossas joias vai muito além da matéria-prima. O design e a arte da técnica são cada vez mais variáveis que influenciam na valorização das joias a médio e longo prazo.

 

Quais são as peças que continuam a ter mais procura?

Este ano, o regresso dos eventos sociais – casamentos, batizados, etc – mostrou como as joias são sempre o refúgio certo para investimento em ofertas e objetos de grande simbolismo e significado. As joias eternizam memórias, momentos, relações. Nesse sentido, destacaria a joalharia clássica, intemporal, fabricada em ouro, como algo que continua a ter uma procura consistente e a ser um dos principais impulsos do mercado nacional. A par disso, as joias de daily use, em prata, têm ganho terreno à bijuteria e criado um novo mercado de joias acessíveis, mas de qualidade e duráveis. Nos últimos anos nasceram muitas marcas orientadas para esse nicho de mercado, impulsionadas pela elevada procura.

As mulheres continuam a ser as principais entusiastas ou já se verifica maior interesse da parte dos homens?

Na verdade, sobretudo em Portugal, os homens sempre usaram muitas joias. Não se associa tanto, mas é uma tradição cultural. As novas gerações já não têm pudor em relação a isso e os homens usam cada vez mais joias, sem que sejam propriamente conotadas como “femininas” ou “masculinas”. São as joias sem género – genderless, uma tendência que irá continuar a crescer nos próximos anos.

O que significa para si uma joia?

Para mim, as joias são a nossa caixinha dos “para sempre”. Cada joia conta uma história, uma memória, uma emoção. E o facto de serem eternas, permitem com que esses momentos e esses laços emocionais sejam eternos também.

O setor está a investir na sua modernização e inovação tecnológica para ganhar competitividade internacional.

Como projecta o futuro da joalharia e relojoaria portuguesa e qual é a vossa visão (AORP) neste ponto?

Preservando a essência e legado da joalharia tradicional, o setor está a investir na sua modernização e inovação tecnológica para ganhar competitividade internacional. Devido a esta evolução revolucionária, Portugal é cada vez mais visto como um país de excelência, atraindo as grandes marcas internacionais que canalizam as suas produções para o nosso país. Com isto não só acreditamos na capacidade de atração de investimento estrangeiro em Portugal como no enorme potencial do setor da joalharia como bandeira de Portugal no mundo, pela forma como representa a identidade, património, cultura e tradição, valores que diferenciam e atraem os olhos do mundo para o nosso país.

Quais são os projetos e as metas que a AORP pretende alcançar no futuro?

Queremos continuar a liderar o setor no sentido do seu desenvolvimento e expansão internacional, nomeadamente na adaptação às novas dinâmicas de transição digital, sustentabilidade e inovação tecnológica. Lançámos este ano a nossa última campanha de promoção internacional, que tem como mote a “Travessia” e mostra como a joalharia portuguesa tem vindo a investir na inovação e na adaptação ao novo contexto do consumo global, sem perder a ligação às raízes, à essência da manualidade e da tradição, aliado aos conceitos de comércio justo e sustentabilidade, que são os novos cânones do mercado global. Queremos que o setor da joalharia portuguesa lidere um movimento que a indústria da moda deve obrigatoriamente seguir.

 

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