A menina do cabelo roxo levemente ondulado nunca desejou tanto o amanhecer. A sombra calma nascia aos pés da cama inquieta e mantendo os olhos fechados, pelo menos até o sol lhe chegar aos joelhos, brincava com a sua própria vegetação da sombra. O dia rasgado secretamente pela impressão luminosa e pelos fios do céu abriram a janela para a poeira sobre as montanhas. A menina do cabelo roxo, quando o sol teimava em despedir-se, permanecer, ainda que quisesse murmurar o último poema que escrevera no seu pensamento, onde o copo de vinho se mantéu vazio sobre a noite anterior, era a sua forma de morar. E, como se o cheiro a jasmim e o sabor único a canela sobre o leite morno lhe vestissem a alma, deitada sobre pedaços de chocolate negro, dividiu-se em expressão e corpo, como se uma nuvem de algodão mergulhasse no espelho do oceano, fundiu-se no universo e descobriu-se pétala a voar em forma de brisa tépida do vento, em que não nos faz esquecer da sua presença. A menina do cabelo roxo era uma menina com pressa das coisas, queria libertar tudo o que tinha dentro dela, deixar-se esvoaçar sobre os seus pensamentos e criação fluida da sua existência. Era aquela menina que não fechava a porta à chegada dos seus sonhos, tinha uma incrível fonte de flamingos a decorar o seu mundo, como se nada fosse sozinho ou feio para viver. A menina do cabelo roxo tem um jeito de flor que permanece pela manhã e escorre docemente na rua estreita onde parecia terminar o mar e sobre a suave respiração do tempo, palavras e cama desfeita, sem urgência, a menina do cabelo roxo, no compasso das aspirações, na escuridão do quarto, traz à casa a paz sossegada do interior da alma que não se aceita sem cor, sem vasos regados na varanda, pelo menos enquanto o sol existir e lhe atravessar a rua. A menina do cabelo roxo consome o tempo, pois é a única canção que ouve dentro do seu coração sobre o silêncio que ele tenta esconder, mas que não consegue dissipar a sua melodia. E, no tanto da menina do cabelo roxo, há um retrato que se esconde na última gaveta da sala, como se fosse um poema escrito num dia de sol, mas onde já não há vinho ou flores que decoram a jarra que ficou esquecida na mesa, como se só tivesse ficado a tempestade para sacudir a terra. A menina do cabelo roxo bebe a lua e mergulha no céu, encontra o seu perfume a transpirar a própria pele e o corpo acende-lhe canções e danças adormecidas, lembra a rua entre o mar e a terra. Há lugares escondidos que se repetem sem o aviso do tempo, e só da memória que guarda a chegada das páginas dos livros que não acabámos de ler, a menina do cabelo roxo, aborda um encontro perto de uma casca de laranja, uma linha desenhada sobre a areia a trespassar de repente uma ave de verão. Ela é como um beijo pousado na calma dos versos que a poesia inicia, em que ouvir o seu som faz sentir que o verbo é uma história envolvida numa oração, de olhar o seu pronome e a sua essência.