Sacudo inúmeras vezes a alma para me sentir mais feliz, desenhar nuvens no ar, ver o sol e cheirar o perfume deixado pelas flores mais intensas e desiguais, de onde nasce a verdade. Mesmo que se lhes suspeite o sonho ou o amor. Continuo com a cabeça deitada na almofada, mas sempre tive intenção de ir. Ir e voar. Sempre quis alguém para me escutar, mas não sei se há alguém que oiça o que as minhas palavras expressam. As montanhas fazem-se planas. O mar queda-se sem movimento. As cidades estão desertas. O pó, não tarda, tornar-se-á teia de aranha. Cabe-me a decisão. Levanto a cabeça e caminho, então. Com a alma em pedaços de vidro. Giro em torno do silêncio. De todos os momentos. Deixo-me ficar por instantes. Sobre um espaço em branco e num deserto de dunas sem oásis, dá-se a queda de um universo. Mesmo que o pinte com poesia em forma de amor nas palavras dispersas por várias páginas escritas. De repente, faz-se uma tarde de lua, com vento a sibilar por entre estrelas esquecidas. Estrelas que vivem sobre um jardim de lírios com música fluida e navios em forma de grão de cristal. São as sílabas das chuvas e eu estou voltada para a lua e, à janela, respiro a próxima estação, acariciando os pássaros num sopro de tardes frias, numa floresta de eucaliptos, como se um livro a menos na estante se fizesse ausente num vazio necessário. Respiro a luz da tarde. Sobre a mesinha de cabeceira, onde pousa um simpático candeeiro, há um envelope esquecido e vazio, de onde nasce uma claridade terminada, e eu corro pelas ruas escuras através do movimento compassado e certeiro dos planetas. Sinto que não tenho estrelas para abraçar ou portas para abrir. Retiro o abuso do batom, desço dos saltos altos, o cheiro a pão torrado emoldura o céu azul. A casa está ainda sem paredes ou janelas, como se dentro de um poema ainda não se ouvisse a poesia e eu não falasse com o mundo. Mas grito em desespero a precisar de um arco-íris. Mergulho no fundo do imenso vazio que me povoa por dentro e, do nada, do fundo de mim – talvez da alma –, embalo as palavras e adormeço sobre um baloiço onde há versos e melodias por navegar noutro mar. Então, coloco o meu sonho num balão, desejando que seja canção. Abro o coração com as mãos para o meu sonho ser mar e eu o abraçar. Ainda sinto o movimento da respiração tocar-me em todos os momentos. Ainda com tanto de imenso para contar.
Precisava que me dessem tempo sobre um tempo que foge sobre as escadas, enquanto eu escuto o verbo envolvente. Só precisava de libertar o sopro, desenhar as palavras no ar e deixar-me ser e existir. Sem receios escondidos. Mas, perto do lugar do sol e das nuvens brancas, onde as noites passaram a ser de luar e estrelas, fui deixando o aroma na melodia que as palavras pintavam e, ao longe, o vento diz-me que estou aqui. Ainda hoje, acordo sem acreditar naquele dia, em que as minhas asas voaram para dentro de um universo repleto de coisinhas bonitas demais para serem reais, convencendo-me de que estava a viajar num sonho e de férias, pronta para acordar e voltar. Tentei perceber se, na procura pelas borboletas, pelas flores, pelo espaço, pelas estrelas, havia algum erro; se eu estava a ser maior do que tudo aquilo que eu estava a ouvir. Seria a minha vontade a falar a embalar-me? E se a sombra resiste? E se os ventos tenebrosos quebram a minha tentativa? O aroma da terra estremece a minha memória, abraço-me agora à noite nítida, num vento límpido e sossegado, e murmuro em silêncio cada letra das palavras em forma de uma flor. Não é um olhar de despedida, não é um grito afogado e, apesar das lágrimas que caem, sem data ou regresso, é uma flor para a vida. Por cá, mantenho a boca coberta de um sorriso outonal e cor de jasmim, inclinando o coração luminoso para as horas que o tempo não deixa evitar. Seja com a lua, o sol ou a chuva, a leveza ou a claridade. Foi fácil pousar a alma nas nuvens e sentir passar as estrelas, como se elas me tocassem, prender a terra e pintar o céu com as cores do arco-íris. No jardim do meu pensamento, onde nascem girassóis e eu escuto as rosas, foi uma viagem repleta de muros de ouro entre fábulas e nuvens em forma de gomas desarrumadas no céu. Daquelas que as tempestades não terminam ou tornam menores no coração. Mesmo que não seja uma despedida, é um adeus embrulhado num pedaço de amor e cor e sabor. Foi transcendente, e a magia esteve sempre no cheiro do papel. Como um aroma que nos enlaça a memória. Como um retrato que não se desfaz. Agora, uma varanda, um banco, um caderno, um lápis na mão e montes de ideias absurdas para colorir no ar.
Com este bonito texto, Juliana Gomes termina um ciclo na Revista Minha. Toda a equipa agradece a sua maravilhosa colaboração ao longo dos últimos 3 anos e deseja-lhe todo o sucesso pessoal e profissional. “Amor e Sol”, Juliana. Até breve!