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“Os arquitetos são vistos como uma profissão acessória, de elite e não essencial à melhoria da qualidade de vida.”

Maria da Conceição Melo foi eleita presidente do Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitetos. Quando iniciou a sua carreira, os arquitetos em Portugal não chegavam a três mil. Hoje em dia, com um universo de quase vinte e sete mil colegas, Maria da Conceição diz que os desafios da Arquitetura são bem diferentes, mas continuam a ser imensos.

Quando percebeu que queria ser arquiteta?

Não foi uma escolha evidente. Sempre fui uma boa aluna, muito equilibrada em todas as matérias. Quando tive que escolher, pesou o facto de o meu pai ser arquiteto e o carácter abrangente da profissão. Sempre me interessou muito a vertente social da arquitetura. Na altura em que tive que escolher um curso, viviam-se os primeiros anos após o 25 de abril. O direito à habitação, o direito à cidade, a participação pública e as comissões de moradores estavam na ordem do dia e a Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde tirei o curso, era o “braço armado” desta luta. Foi este sentido social e interdisciplinar que me motivou para a arquitetura.

O que é que a Arquitetura representa na sua vida? Percebe-se que não é apenas a sua profissão…

Decorre da resposta anterior: a arquitetura fez sempre parte da minha vida, habituei-me a vê-la, a entendê-la, a vivê-la desde o berço. Por outro lado, o seu carácter integrador e multidisciplinar obriga a que tudo na nossa vida, na vida de qualquer pessoa, com ela se relacione. E assim é. Tenho a sorte de estar sempre, por prazer e com prazer, a trabalhar. Nos filmes que vejo, nos livros que leio, nas associações em que participo, nos debates a que assisto, nas viagens que faço, nas exposições de que desfruto ou na música que ouço. Estou sempre a recolher a informação que relaciono quando trabalho em qualquer área da prática profissional. Para além disso, todos nós estamos rodeados de arquitetura todos os dias e, sem darmos conta, ela interfere com o nosso quotidiano: faz parte da nossa vida.

© Maria da Conceição Melo

Olhando para o início da sua carreira: os desafios mantêm-se, ou mudaram?

Mudaram muito. Quando acabei o curso, os arquitetos não eram muitos, não chegavam a três mil e hoje são quase vinte e sete mil. Nesse tempo a arquitetura era pouco reconhecida e a profissão de arquiteto muito menos. Passei os primeiros anos da minha vida profissional a ouvir chamarem-me “senhora engenheira” (às vezes ainda me chamam!). Em 1984 fui a primeira a arquiteta a entrar para os quadros da Câmara de Santo Tirso. Os técnicos no município eram engenheiros técnicos, engenheiros civis e desenhadores. Fui a primeira arquiteta contratada para trabalhar no Plano Diretor Municipal (PDM). A Câmara que me contratou tinha sido eleita no ano anterior, em 1983, e chamou o arquiteto Manuel Fernandes de Sá e o engenheiro António Babo para assessorar o município na reestruturação dos serviços técnicos e na elaboração do primeiro PDM. Esta equipa estava em sintonia com o arquiteto Nuno Portas e conjuntamente lideravam um processo de reflexão e trabalho sobre o Vale do Ave. Eu fui trabalhar com esta equipa desde o início. Esta foi a minha verdadeira escola: espaço de reflexão, espaço de multidisciplinaridade, de trabalho de equipa, espaço de crescimento… Hoje, o modo de fazer é diferente e a profissão está muito mais burocratizada. Quer seja no urbanismo, a que sempre me dediquei, ou na arquitetura, assiste-se a uma excessiva regulação legislativa e paralelamente a uma desregulação da encomenda, o que torna muito difícil e agressivo o trabalho do arquiteto.

Como se encontra atualmente o setor da Arquitetura em Portugal?

É muito difícil fazer um ponto de situação sério e rigoroso sobre o estado da nossa profissão. Isto porque não temos dados atualizados e fidedignos sobre o que fazem os arquitetos e em que condição, ou condições, o fazem. Há muito que o exercício profissional deixou de se restringir à prática do projeto. Hoje, fruto das circunstâncias, ou por opção, vemos arquitetos em empresas imobiliárias, peritos em avaliação de imóveis, em empresas de construção dando apoio ao desenvolvimento de produtos, em ilustração, em ações educativas, em curadoria, enfim, um sem número de atividades que, ainda que relacionadas com a arquitetura, não constituem por definição atos próprios da nossa profissão de arquitetos. E, mesmo quanto aos outros, aos que praticam atos próprios da profissão, que por isso têm obrigatoriamente que estar inscritos na Ordem, também não temos conhecimento do que fazem: quantos estão em autarquias locais e desses, quantos estão em projeto, quantos estão no ordenamento do território, quantos estão a informar processos de obras particulares? Quantos trabalham por conta de outrem, ou quantos têm empresas próprias, que tipo de trabalho fazem e para onde? Como veem, há um sem número de dados, essenciais para perceber a profissão e projetá-la no futuro, que nos faltam. Por isso o ponto de situação que fazemos da profissão não passa de um conjunto de ideias, que fomos coligindo a partir da nossa experiência e audição dos arquitetos no terreno, mas que não têm qualquer base de dados rigorosa e científica. Ainda assim, diria que a nossa profissão, depois de alguma visibilidade mediática conseguida nas últimas décadas, tem vindo a perder protagonismo. Talvez porque essa visibilidade tenha sido construída à base de uma arquitetura espetáculo que, nos tempos que correm, cada vez faz menos sentido. Notamos que o nosso trabalho não é valorizado, é mal pago, tanto no que se refere à encomenda pública, como privada.

“Os arquitetos são vistos como uma profissão acessória, de elite e não essencial à melhoria da qualidade de vida. Mas é a qualidade do espaço, desde a casa que habitamos, à escola, ao centro de saúde, à piscina, ou ao espaço público que lhe dá suporte, que é a nossa sala comum, é essencial à nossa saúde física e mental. E os magos dos espaços são os arquitetos.”

O que é necessário definir e repensar no presente para garantir um futuro afirmativo?

Como dizia anteriormente, temos que ter um conhecimento preciso de quem somos e esse conhecimento não pode ser estático. Tem que conter mecanismos de atualização constante. A partir dessa informação poderemos estabelecer objetivos estratégicos e medidas de atuação mensuráveis e programadas para conseguir atingir esses objetivos. Esta será a base para atingir, com segurança, alguns objetivos que são evidentes: um maior reconhecimento da nossa profissão; uma presença mais efetiva no espaço público; uma maior intervenção nas decisões políticas que se relacionam com a casa, a cidade e o território.

Face aos desafios atuais da profissão, como vê a entrada de novos arquitetos no mercado?

Hoje em dia, para a maioria dos jovens recém-licenciados é difícil entrar no mercado de trabalho. Não é um problema só dos arquitetos, mas com os arquitetos o problema é muito grave. A sociedade não reconhece o trabalho do arquiteto, não entende a sua mais valia, diria até que a maioria das pessoas não sabe o que é um projeto de arquitetura. A arquitetura resume-se, para a maioria das pessoas, a um conjunto de desenhos necessários para obter um licenciamento camarário. É para isso que vêm ter com o arquiteto, “para tratar dos papéis” na Câmara Municipal. E quem não entende a mais valia de um projeto, nem entende o trabalho que dá um verdadeiro projeto de arquitetura, não está disposto a pagar o mínimo necessário – e já estou a falar do mínimo – para que um arquiteto sobreviva do seu trabalho de arquitetura. Por isso diria que os problemas são dois: falta de trabalho e o que há é mal pago. Estes problemas dão origem a outros, salários baixos, estágios mal pagos ou gratuitos, dumping, concorrência desleal… uma espiral sem fim. Esta situação levou ao êxodo de muitos arquitetos jovens – sobretudo na crise subsequente a 2008, que teve um grande impacto no setor da construção – privando, em parte, o país do futuro da arquitetura. Por outro lado, esta situação levou a uma reinvenção da profissão. Há experiências muito interessantes de arquitetos que desenvolvem projetos participados pelas comunidades e são verdadeiros incentivos que nos levam a acreditar que as coisas podem mudar, que as coisas estão a mudar. É preciso dar-lhes voz, é preciso acarinhá-los. É preciso dar-lhes condições para que continuem e se multipliquem.

© Maria da Conceição Melo

Como é que os arquitetos em Portugal conseguem (sobre)viver?

É exatamente isso, sobreviver, porque viver da arquitetura é muito difícil. À parte alguns gabinetes que enveredaram por uma linha mais empresarial e, muitas das vezes, associam outros serviços aos de arquitetura, o que lhes garante escala e permite uma melhor gestão financeira, os outros vivem com muitas dificuldades. As flutuações do mercado, a falta de qualidade da encomenda pública, atrasos nos pagamentos e a concorrência desleal interferem excessiva e por vezes definitivamente com a vida dos arquitetos e das empresas, levando ao seu encerramento.

Quais são os conselhos que dá aos jovens que pretendem seguir Arquitetura?

Os jovens têm hoje um modo muito diferente de encarar a vida profissional. Quando vão tirar um curso não têm garantido um futuro. Sabem que têm que inventar esse futuro. Gosto muito de trabalhar com jovens arquitetos que exploram processos colaborativos, que se juntam para fazer projetos em equipas de geometrias diferentes, conforme a especificidade de cada projeto. Têm uma curiosidade nata e vontade de mudar o mundo. Têm uma consciência ambiental e social que os torna empreendedores e comprometidos. Olhando para estes exemplos, o conselho que dou é que se preparem para este futuro: abrindo horizontes, sendo insubmissos, críticos, solidários, participativos. Quanto mais colaborarem uns com os outros, quanto mais integrarem nas suas equipas outros saberes, mais oportunidades terão de realizar os seus projetos.

Como é que o setor está a responder aos desafios impostos pela pandemia de Covid-19? Que impacto terá a Covid-19 no setor?

Creio que a COVID-19 diretamente não tem grande impacto no setor da arquitetura. O impacto na arquitetura decorre do impacto que o mesmo tem na economia e na forma de nos relacionarmos. No entanto, a pandemia teve o efeito de nos obrigar a pensar nas nossas condições de habitação, quanto a mim sob duas perspetivas: a primeira, mais grave, faz-nos pensar sobre o acesso das pessoas a uma habitação condigna. Embora muito se tenha dito sobre a a natureza democrática deste vírus, isso não é verdade. Ele é muito democrático a atacar, a disseminar-se, mas muito pouco nas consequências: a capacidade de defesa das pessoas não é de todo a mesma. Como se pode pedir a alguém para ficar confinado quando esse alguém não tem casa? Ou alguém que tem uma casa a que não se pode chamar casa? Que coabita com familiares em espaços exíguos e sobrelotados? Portanto, a primeira consequência que tiro sobre o impacto da COVID-19 é mesmo esta: é necessário, urgentemente, implementar a política nacional de habitação, garantir o direito à habitação, um direito constitucional, como primeiro direito. Depois de mais de três décadas de abandono do tema da habitação por parte dos governos, voltamos a ouvir falar em política de habitação. No enquadramento atual, as autarquias locais tendem a assumir algumas responsabilidades. É preciso atacar este problema de frente e com investimento, porque o problema da habitação já não afeta só as classes socialmente mais desfavorecidas, mas afeta também as classes médias e os jovens, que não conseguem ter acesso a habitação condigna. A segunda perspetiva, mais direcionada para quem vive em habitações consideradas convencionais, é o facto de a pandemia ter confrontado os habitantes de uma casa com a sua qualidade. Ao sermos obrigados a estar 24 sobre 24 horas num mesmo local, a toda a família estar em casa ao mesmo tempo e ao ter que desenvolver no espaço de fogo outras tarefas para as quais ele não tinha sido programado, há várias questões que se põem. De facto, ainda que não seja possível nem expectável que um fogo se transforme num espaço multifunções ao longo dia, o que é certo é que se o fogo tiver área, configuração, ventilação, iluminação, insonorização, áreas adicionais e espaços condominiais, tudo isto contribui para o seu uso mais adaptado às funções extra para as quais foi requisitado neste período de confinamento. No entanto, não sou apologista de que se deva transformar o fogo num mega espaço multifuncional daqui para frente. Isso não é sustentável, nem económica, nem ambientalmente. Por outro lado, a necessidade de adaptar o fogo para acolher pessoas que estavam em hospitalização domiciliária devido à COVID-19 também nos fez tomar consciência mais aguda de situações que já deveríamos ter já incorporado. Cada vez temos mais população idosa, cada vez mais as soluções passam por criar condições para que as pessoas permaneçam nas suas casas, no seu ambiente familiar. Por isso, as soluções de arquitetura têm que incorporar decisões de configuração espacial e construtiva que corresponda a estas necessidades. Não só adaptadas a pessoas de mobilidade reduzida, mas que permitam a utilização de camas hospitalares, que usem material facilmente lavável e desinfetável, que possuam condições de iluminação e ventilação adequadas. Por isso, reafirmo que esta pandemia não vai provocar diretamente alterações nas nossas casas ou nas nossas cidades, mas enfatiza, sem dúvida, questões que anteriormente se punham e que não vamos mais poder ignorar.

Fala-se muito em Arquitetura Sustentável. É fácil (ou ideal) conceber projetos com consciência ambiental?

Mais do que fácil ou ideal, incorporar no pensamento arquitetónico a consciência ambiental é uma obrigação.

“Não é possível fechar os olhos às consequências que o modelo económico e político atual têm na vida do nosso planeta. É, portanto, uma obrigação ética a responsabilidade sobre o futuro da nossa casa comum, porque nós enquanto arquitetos estamos no centro de um dos setores ambientalmente mais problemáticos, o setor da construção, mas também, por isso, estamos no cerne das soluções.”

Quanto melhor exercemos a nossa profissão e estivermos presentes em equipas multidisciplinares nos momentos de decisão política, do projeto, da construção e da gestão, mais contribuiremos para o grande desafio da sustentabilidade ambiental, social, económica e cultural. A prática do arquiteto não se limita, nem pode limitar, ao projeto e à construção. A nossa atividade incide num campo vasto que vai da casa, à cidade e ao território. Sempre integrados em equipas multidisciplinares, cabe-nos a nós fazer a síntese e transformá-la em desenho urbano, em espaço e construção. A sustentabilidade depende de muitas coisas, mas funda-se num equilíbrio virtuoso entre o homem e a natureza. Este equilíbrio é dinâmico, mas muito frágil. Está sujeito a pressões por parte de interesses económicos muito fortes que até mesmo no campo específico do projeto arquitetónico estão presentes. Pergunto-me muitas vezes se a tão aclamada eficiência energética de um edifício, exigida legalmente, não é um modo encapotado de vender máquinas de ar condicionado? Há muito a fazer neste campo, com ética profissional e com responsabilidade social.

O aumento da construção diminui naturalmente a área dos espaços verdes. Existe uma “fórmula” para equilibrar estas duas realidades?

Atualmente as políticas urbanísticas e de ordenamento do território obrigam à concentração urbana, à densificação das áreas urbanizadas, infraestruturadas, promovendo uma relação saudável e equilibrada entres espaço urbano e rural, sem qualquer juízo de valor, mas antes garantindo qualidade de vida em qualquer dos contextos. E há cada vez mais pessoas a optarem por contextos rurais. Cabe-nos a nós enquanto arquitetos, urbanistas, encontrar e promover soluções integradas para realidades distintas. Não há soluções únicas nem óbvias. Há soluções integradas e discutidas que exigem uma maior literacia territorial e maior responsabilidade social e ambiental. Diretamente no espaço urbano, na cidade mais densa, há hoje muitas formas de aumentar esses espaços verdes. As coberturas verdes são exemplo disso, ou o aumento da altura dos edifícios, reduzindo a sua implantação. Paralelamente há um conjunto de instrumentos urbanísticos, ainda pouco aplicados em Portugal, que se destinam a regular os custos e benefícios da construção e que, por via da fiscalidade, vão reduzir a especulação imobiliária e a construção nova.

E os arquitetos podem ser uma voz ativa neste processo?

Claro que sim. Antes de tudo, os arquitetos são cidadãos. Para além disso, têm uma formação abrangente, de caráter integrador, mas também aberto a outras áreas disciplinares. Fui aluna do arquiteto Nuno Portas, expoente máximo do pensamento urbanístico português e internacional, mas também um homem que nunca se demitiu do seu lugar enquanto decisor político. Ele defendia isso mesmo, que os arquitetos deviam estar a montante e a jusante da construção, ou seja, na decisão política de planear e construir e na gestão, também ela política.

Como é vista a Arquitetura nacional lá fora?

Melhor do que cá dentro. O nosso provérbio “Santos da casa não fazem milagres” é muito apropriado no caso da nossa arquitetura. E não falo só dos grandes nomes, dos nossos Pritzkers. Falo dos arquitetos portugueses que foram obrigados a emigrar e que na Suíça, na Noruega, na Alemanha, na Dinamarca, na Holanda, Inglaterra e noutros países conhecidos pelos seus arquitetos e qualidade arquitetónica são reconhecidos pela sua competência e qualidade profissional.

Como em tudo na vida, somos influenciados por outras pessoas, realidades, projetos. No setor da Arquitetura existe muito plágio?

Como diz Álvaro Siza, não exatamente por estas palavras, mas com este sentido, nunca inventamos nada, ou seja, um arquiteto compõe juntando memórias, referências, ideias que, conjugadas perante uma situação concreta, configuram um novo objeto, um novo espaço. Acrescento que todos nós copiamos, temos é que copiar apropriada e criticamente: ao fazê-lo estamos a criar. Por isso, a questão do plágio, da cópia acrítica e sem pensamento reflexivo é condenável, é uma apropriação ilícita. A utilização de referências num processo criativo é uma metodologia que exige conhecimento e pensamento científico.

Como é que a Arquitetura lida com o grande boom da tecnologia?

A arquitetura tem que incorporar a tecnologia no processo criativo. O problema é quando a tecnologia se sobrepõe à arquitetura, quando a tecnologia é qualquer coisa aposta e não faz parte do processo conceptual. Sou completamente contra a “ditadura” tecnológica normalmente associada a lobbies e interesses económicos. A tecnologia tem que nos servir, tem que servir para melhorar a nossa qualidade de vida e tem que estar ao serviço de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e não de interesses económicos. Nesse sentido, a tecnologia é indispensável para melhorar as nossas casas, as nossas cidades e o nosso território.

O arquiteto deve impor a sua marca ao cliente, ou adaptar-se à realidade de cada um?

O arquiteto presta um serviço, responde a uma encomenda e como tal não deve ter como objetivo impor a sua marca. Tem sim que perceber a encomenda, interpretá-la, criticá-la, no sentido de ajudar o cliente adequá-la melhor, a defini-la e executá-la.

“O arquiteto não é um malabarista que faz piruetas, nem um artista, no sentido estrito, que não tem que se preocupar com a finalidade/utilização da obra que cria. O arquiteto constrói os espaços em que as pessoas vivem e, por isso, tem uma grande responsabilidade social.”

Não me passa pela cabeça que o arquiteto queira sobrepor a sua “marca” à função social da arquitetura, mas também não admito que o arquiteto sacrifique o que acredita ser a melhor resposta a outros valores mais ou menos egocêntricos.

Pode Portugal voltar a ter um arquiteto premiado com o prémio Pritzker?

Estes prémios não são apenas mérito, são políticos. Se se conjugar o mérito com a política podemos voltar a ter outro Pritzker. O Japão tem seis prémios Pritzker.

Foi recentemente eleita presidente do Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitetos (OA). Pode explicar-nos o lema da sua lista, “Isto só lá vai com todos”?

Para termos uma voz, temos que ter massa crítica. A Ordem dos Arquitetos tem cerca de vinte e cinco mil e quinhentos arquitetos inscritos e quase vinte mil no ativo. No último ato eleitoral, que teve a maior participação de sempre, votaram perto de sete mil arquitetos, o que corresponde a 35%. Uma boa percentagem para eleições numa ordem profissional, mas, ainda assim, muito aquém do que pretendemos. Queremos que a Ordem dos Arquitetos seja o lugar de todos os arquitetos, de todas as idades, com diversas experiências, com diferentes atividades e em todos os locais.

Que responsabilidades terá como presidente?

Ainda estamos a definir as áreas de atuação de cada um dos membros do Conselho Diretivo da OA. No entanto, cabe-me desde logo representar os arquitetos junto das instituições de nível regional, junto do poder descentralizado do estado e juntos das associações de municípios e AMP. Cabe-me ainda representar a região norte no Conselho Diretivo Nacional (CDN). Levar até ao CDN as preocupações e as sugestões do Norte. E, para além disso, cabe-me orientar uma equipa, partilhando a minha experiência para estar mais presente na sociedade e contribuir para uma maior consciência do valor da nossa profissão.

Consegue dar-nos alguns exemplos de Arquitetura modernista no Minho que todas as pessoas deveriam conhecer?

Modernista, contemporânea? De certo há muitos e seria injusto estar a falar dos que conheço pessoalmente e deixar de parte outros que podem ser muito importantes para a história nacional, regional ou local. Prefiro abordar o tema por outro ponto de vista. É muito importante o reconhecimento do valor patrimonial da arquitetura e, quanto mais nos aproximamos do presente, a consciência desse valor é menor e, por isso, está mais sujeito a ameaças imobiliárias. E este reconhecimento não pode ser individual. Um edifício, um conjunto arquitetónico, ou um sítio arqueológico não são classificados e reconhecidos como património porque alguém acha que é património. Esse reconhecimento tem que ser um reconhecimento comunitário. É nessa vertente que temos que trabalhar: em conjunto com a comunidade aumentar o conhecimento e consciência do valor da arquitetura, tornando-a parte integrante da nossa identidade cultural, fazendo da cultura um pilar do desenvolvimento sustentável. De qualquer modo, porque sei que estas matérias precisam de exemplos concretos, diria para olharmos para um conjunto de edifícios, palácios da justiça, câmaras municipais, mercados municipais e centros de saúde que estão associados a nomes de arquitetos como Januário Godinho, Agostinho Ricca, Rogério de Azevedo, Arnaldo Araújo, Marques da Silva e que merecem ser elevados ao estatuto de património.

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