Sugestão de Leitura

A Rapariga do Tambor, de John le Carré

Agosto, sendo, por excelência, o mês de descanso de grande parte dos portugueses, exige uma leitura leve e fluída. Por essa razão, sugiro, para este mês, a leitura de um romance de espionagem do grande mestre John le Carré. O Autor britânico conta já com uma extensa lista de obras publicadas, tendo um grande número das mesmas merecido adaptação cinematográfica e televisiva como foi o caso d’O Fiel Jardineiro (2001), O Espião que Veio do Frio (1963), A Toupeira (1974), O Gerente da Noite (1993) e A Rapariga do Tambor, que é o livro que me traz cá hoje.
O Autor é um daqueles de fórmula que escreve para ser adaptado. Por essa razão, os seus livros são sempre histórias que se leem muito bem, com fortes intrigas, personagens interessantes e uma certa dose de mistério associada. O seu estilo é muito similar ao dos seus contemporâneos Ken Follett, ou Daniel Silva, e muito adequado a quem procura entretenimento de qualidade. Não quero com isto dizer que se trata de livros superficiais ou desprovidos de fundamento. Pelo contrário, Carré escreve sobre uma realidade que ele conhece bem – trabalhou com os serviços secretos britânicos durante a Guerra Fria – e assenta as suas tramas em factos e sólidas percepções políticas e históricas.
A Rapariga do Tambor explora o conflito entre Israel e a Palestina, apresentando uma história passada nos meandros da espionagem daquele país, nos anos 80. A protagonista é Charlie, uma atriz desconhecida que, recrutada por uma organização secreta israelita (que será, em princípio, a Mossad, ainda que tal não seja expressamente referido em nenhum momento no livro) se vê infiltrada numa célula terrorista em pleno Médio Oriente. Ao longo de todo o processo, Charlie é guiada por Joseph, um agente misterioso tipo “Christian Grey”, com pinta, por quem acaba por se apaixonar.
Charlie é uma personagem complexa e errática – quiçá, portadora de algum transtorno de ordem bipolar – à procura de aprovação paternal e estabilidade emocional. Acaba por encontrá-la em Kurtz, o líder da operação de captura do terrorista Khalil – que Charlie tem de seduzir – e em Joseph, razão pela qual aceita lutar numa causa que não é a sua. As suas ideologias políticas e comportamentos radicais tornam-na numa daquelas bombas relógio prestes a explodir, criando, por isso, bons momentos de tensão. Ao longo do livro, o leitor questiona-se inúmeras vezes,sobre as razões pelas quais a personagem se rebaixa, permitindo atos de violência e humilhação. É, porém, inegável que Charlie não é nenhuma vítima, sendo que a mestria com que ela dilui a ficção na realidade maravilha não só a organização que a contrata como o próprio leitor. Tudo, para si, é um jogo, um teatro da vida real, e isso acaba por criar um ambiente muito “Clube de Combate” onde, várias vezes, nos questionamos se o que ela diz é ou não verdade. Como personagens secundárias surgem Joseph, Kurtz e uma série de ativistas e terroristas palestinianos que a tentam dominar. O pano de fundo é o Médio Oriente e tudo é política. Neste aspecto em particular, Carré domina completamente a narrativa, apresentando, de forma simples e perceptível, as ramificações de um conflito sem início ou fim.
Um amor intenso, jogos psicológicos, espiões e intriga internacional são os ingredientes que tornam A Rapariga do Tambor uma leitura emocionante. O livro capta muito bem a atmosfera e o conflito político, de natureza armada, entre Israel e a Palestina. Sem perder de vista o intuito mais lúdico, o mesmo não deixa de passar informação pertinente. A escrita de Carré é envolvente e muito visual, características imprescindíveis para que se consiga compreender uma trama passada no Médio Oriente e que conta com mais de 600 páginas. Este é, sem dúvida, um romance de espionagem cativante e bem construído que consegue surpreender ao conceber diferentes linhas narrativas que se sobrepõem num constante conflito entre a mentira e a verdade.
O livro foi adaptado para a televisão pela AMC em formato série pelas mãos do visionário realizador Park Chan-wook com Florence Pugh, Alexander Skarsgård e Michael Shannon no elenco.

 

Daniela Guimarães
Blogger de Literatura
@portasetenta   /   www.portasetenta.pt

Deixar comentário