Hoje não é um dia igual aos outros, experimentei um arrepio frágil, deixei de sentir aquele aconchego da vida, da luz fresca da manhã e da sublime força do sol. Ficarão nos muros as janelas por abrir para o primeiro crepúsculo com a minha chegada, porque já não te tenho no jardim para florir e as saudades dos meus dias serem normais trazem-me um lugar desocupado. No ar, ainda doce, ficou tudo estranho, agora que não te posso perguntar mais o que quer que seja e as questões são tantas, mais agora, inúmeras, e eu não tenho como obter sequer o silêncio da tua resposta, mesmo que estivesses por cá. Já não és feita do abraço ou do beijinho presente, és um desassossego que levou a minha tranquilidade. A cor dos dias foi quebrada e já não vou mais entrar pela porta e ver-te sentada no cadeirão. Mesmo que já fosses pouco de ti, ao menos ainda te conseguia ter. Por ali, de um jeito simples e próximo. Sem ti, como saber o lugar das coisas? Aos poucos eu sabia que estavas a desaparecer, mas queria afastar essa realidade, pois não era a que eu desejava pelo medo absurdo do vazio, do poder da ausência que nos assombra a vida, não era isto que eu pretendia. Mas é isto que a vida chora, é isto que a vida traduz. Eu sei que a vida é uma panóplia de emoções e que me ensinaste a ser melhor, e eu só espero que tenhas levado e sentido todo o meu amor por ti, que o teu coração, mesmo que deixando de soluçar, guarde para sempre o espaço que demorei a conquistar, quando ainda eras feita de presente.
Avó Du, custa horrores ter que sentir a tua ausência e hoje só te posso escrever sem poder estar contigo, e nem que fosse só para estar no silêncio que ultimamente me abraçavas, eu preferia assim. Acho que vou sempre preferir. Mas também sei que não posso ser egoísta, não te podia querer quando já sentias as estrelas a quererem que fizesses parte do céu. Eu sabia que tinhas que ir, eu sabia que tinhas que voar daqui para seres o que quisesses ser fora da terra. Estás bem, não estás? E o que quer que sejas agora, estejas onde o universo quiser que estejas, que saibas sempre, que foi criada uma família entre nós, e que eu, todos os dias, ia cuidar da minha avó. A minha avó Du.
Agora contra o vento, dou a mão sobre a luz espessa e perco-me na estrada, num caminho que deixaste entrar. Deixaste de ser para te tornares uma melodia trazida pelo último sopro do teu coração. Estejas onde estiveres, que saibas que valeram todos os dias, até aqueles em que nos esquecíamos que estávamos sempre ali, uma para a outra. Vou gostar para sempre de ti e para sempre ficas na gaveta mais especial de dentro de mim, aquela em que se guardam as histórias mais bonitas.
Avó Du
Partiste para um mundo longe da terra e hoje o céu azul parece menos bonito,
É difícil de aceitar que a tua presença física se tornou uma estrela,
Que a terra ficou molhada.
Sei que,
Apesar de nunca mais voltares, a tua luz vai iluminar os dias cinzentos cá em baixo.
Para sempre vão ficar saudades de ti armazenadas no meu coração,
É nele que mora a cor do amor.
O teu sorriso feito de mel foi o mais peculiar e íntegro que alguma vez pude assistir,
Jamais, algo assim, perde a sua forma e intensidade.
E, no meio das nuvens de algodão de doce que criaste no céu,
O último beijinho,
O último gosto muito de ti,
Vão encontrar o lugar mais sublime de todos para a nossa constelação não diminuir o que ela guarda.
Dentro de mim os dias vão continuar a cantar a poesia que criamos e os versos
que pintamos na tela da nossa história, repleta de um arco-íris,
Para que tudo pareça sempre presente.
Com amor,
A neta,
Ju.
Juliana Gomes, escritora
E-mail: [email protected]
Instagram: @juli_ana_juli