Quero dar-lhes memórias boas, de verões demorados, de corpos salgados e de pele arranhada pela areia fina. De corpos quentes e nus que atravessam a praça sem vergonha, do salgadiço que ainda carregam e do pouca roupa que trazem. Quero que me guardem nos sabores, do gelado de morango sorvido com pressa a qualquer hora do dia e sem regra, porque quando o calor aperta engana-se o corpo, assim entorpecido pelo sol, com o doce frio e o apetite voraz. Das panquecas com chocolate, comidas com preguiça no despertar lento de quem não tem deveres para fazer.
Quero que me guardem nos cheiros, da maresia de fim de tarde que nos avisa sem pudor que é hora de recolher. Do peixe na grelha à beira da ria que sem vergonha aguça o estômago.
Quero que me guardem nos sons das gaivotas que nos visitam em terra, sem descaramento nem maneiras. Das ondas que nos acalmam os nervos com a sua canção doce, ritmada e perpétua. Dos risos que não se abafam e das gargalhadas que não se evitam. Da bola de Berlim que se anuncia pela voz rouca do Cláudio das bolinhas.
Quero que me guardem na segurança do que conhecem e, sobretudo, nos lugares que reconhecem. Na praia do costume, na pastelaria do costume e na papelaria que talvez já não venda o jornal que ainda se compra pela manhã.
Quero que o caminho para a praia seja feito mais com o coração, que sem darem conta vejam nesse percurso os passos de uma vida e que revejam nele as conversas de outros anos.
Quero dar-lhes o melhor de mim, mas um “melhor de mim” que não esteja escondido pelo cansaço, abafado pela preocupação ou desabituado de ser, apenas. Quero que me vejam sem filtros, sem medos e que me guardem assim.
Que um dia à mesa se lembrem da forma como lhes cortava o bife, como lhes punha a manteiga no pão, ou como ficava aborrecida com a comida que ficava por comer.
Quero que me esqueçam o suficiente para serem felizes, mas quero mesmo esquecida fazer parte dessa felicidade. E quando o meu corpo for já somente um vislumbre, que a memória que tenham de mim seja a luz que as guia.
Porque ser mãe não se esgota nesta vida, nem em mil vidas sequer. Mas esgota-se no dia a dia cansado, nos jantares apressados, na história de adormecer que ficou por contar.
Esgota-se nos dias que passam a correr e esgota-se nos minutos contados para tudo.
Por isso, quero dar-lhes memórias boas, dessas que temperam o corpo, mas que principalmente apuram a alma. Porque almas apuradas e corpos temperados não se esquecem, nem em mil vidas sequer.
Sofia Franco
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@notjust4mums