Não é novidade que o mundo vive tempos incertos. Para a proteção de todos, pedem-nos para ficar em casa, estando o dever geral de recolhimento, desde o dia 20 de março, consagrado na lei. Tudo isto pode ser assustador e difícil de gerir, sendo importante, para o bem da sua saúde mental, fazer algo que o/a deixe feliz. Comigo, naturalmente, o que funciona melhor é a leitura e, por isso, venho desafiá-lo a embarcar numa viagem à Rússia do início do século XIX.
Guerra e Paz, de Liev Tolstói, é uma das maiores obras da literatura universal, não só em tamanho – mais de mil páginas divididas em quatro volumes –, mas, sobretudo, em qualidade. O livro tem como tema central as mudanças verificadas na sociedade Russa, no inicio do século, tendo por mai2or foco a Terceira Coligação (1803-1805), Os Tratados de Tilsit (1807) e, por fim, a Campanha da Rússia (1812). Como protagonistas, surgem cinco famílias com residência em Moscovo e São Petersburgo, a saber: os Rostov, Bezukhovs, Bolbonskys, Kuragin e Drubetski. Tólstoi aborda as suas relações, sentimentos, derrotas e vitórias, incluindo, entre linhas narrativas, as suas próprias reflexões pessoais sobre a Rússia.
Aquando da sua publicação, em 1869, Guerra e Paz logrou enorme sucesso comercial e crítico. A obra rompeu com os parâmetros literários da época, sendo que a sua classificação como romance não foi isenta de polémica. Com efeito, antes de ler Guerra e Paz, muitas vezes me perguntei sobre o porquê de não ser fácil encontrar uma correspondente sinopse concisa. Hoje, sei que tal é, dada a sua grandiosidade, impossível. Os seus quatro volumes reúnem ficção histórica e não ficção. Do ponto de vista ideológico, Guerra e Paz é, em determinadas partes, um verdadeiro manifesto onde Tolstói discorre sobre a sua teoria fatalista da História, a ausência de livre arbítrio e o papel falacioso dos historiadores. O Autor alia narrativas complexas a factos históricos, sendo claro o seu desprezo pela forma como a história da Rússia era contada. A ridicularização do trabalho dos historiadores e respetivas fontes e métodos de investigação é constante. Para além de toda esta vertente político-filosófica, o livro oferece ainda um retrato riquíssimo da sociedade russa com todas as suas idiossincrasias. Facilmente o leitor dá por si perdido entre as dezenas de personagens e respetivas linhas narrativas.
O impacto de Guerra e Paz na cultura Russa foi tanto que, por alturas do ataque de Hitler à União Soviética, em 1941, Estaline ordenou a reimpressão de passagens do livro, como forma de alimentar o espírito nacional na defesa patriótica da terra-mãe.
Esta é, sem dúvida, uma obra digna das maiores comparações à Ilíada de Homero. Soberba, desafiante e extremamente enriquecedora. Atreve-se?
Daniela Guimarães
Blogger de Literatura
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