Conto

Capítulo XVI: O cartaz

Já tinham passado seis meses desde a última carta não entregue, desde a última proximidade dos dois, desde as últimas expressões ouvidas, desde o último olhar, desde o último toque sem experimentar, desde o último dia em que tudo pareceu mais intenso e bonito e real demais. 

Foi difícil para ambos o desaparecimento. Contudo, Camila sentia-se mais tranquila por ter dito o que lhe doía no coração há muito tempo, sentia-se em paz, e já não havia aquele peso que nos assombra os passos, estava finalmente a seguir sossegada. Por sua vez, Gonçalo percebeu que, finalmente – “Esperamos que não muito tarde!” –, o seu amor esteve sempre ali ao pé, sem se dar conta, sem ele sequer se pronunciar. “Oh sentimento bonito, por que te escondes tão no fundo de um ser humano?!”. 

Tudo era como se eles fossem ganhando asas e estivessem levemente a criar a sua constelação. Como se eles noutra vida já se conhecessem, como se eles agora já gostassem um do outro, até naqueles dias em que não se cruzavam, até naqueles dias que ainda não existem. Como se já fosse amor, como se já fosse uma canção que só canta amor, que só tem verdade no que exprime. Como se eles só fossem possíveis se ficassem no mesmo caminho, na mesma vida, na mesma história. “Só pode ser assim!”.

É difícil de lidar com estas coisinhas que são coisinhas ainda mais pequenas que fazem atrofiar o sistema da nossa sanidade mental só porque, às vezes, por milésimos de segundos alguma coisinha muda. Já nem digo coisa! É uma frustração como as coisas por vezes ficam penduradas por coisas tão míseras. Não sei como vocês se sentem, mas a mim chateia-me muito o rumo que as coisas têm quando tudo é mais simples do que aquilo que parece não ser. Julgo que cada vez mais não é preciso assumir um sentido para as situações e que as coisas não têm que assumir uma justificação incrível para só assim serem entendidas. Enfim, acabo de me embrenhar num sentido em que nada faz sentido. Aí está a dificuldade de se entender as coisas. “Para quê?”.

É preciso ter coragem para se ir atrás do que se quer, é preciso assumir uma coragem que não se iguala a nada a não ser ao que se faz para se ir atrás, mesmo que não dê, mesmo que não resulte. E mesmo que só resulte para nós. 

“É assim, eu espero que este amor seja mais do que este borboletar incrível inserido num papel … cheguei a ter momentos em que viajei no mesmo comboio que estes dois bonitos. Eles têm que ficar juntos, não vou suportar outro final. Seria como se o mundo terminasse cinzento e amarelo podre.” Borboleta, acho que estamos todos a torcer para que estes dois fiquem juntos, e seja lá o que for, que pelo menos sejam mais próximos um do outro e que construam este amor como se constrói o amor na sua essência. Mais amor. Mais de Camila & Gonçalo. “Oh, yes, please!”. 

Gonçalo ia a caminhar pelas ruas do Porto e avista um cartaz enorme. Quando digo enorme, é mesmo enorme. Imaginem um frasco repleto de “cenas” lá dentro em que, abrindo-o, ele vai rebentar, absolutamente, como se uma chuva de confettis pelo ar se fizesse sentir. “E bum!”. Agora. Conseguem imaginar isso em cartaz, mas pregado numa parede, também ela enorme? Exato, incrível! Gonçalo foi-se aproximando, pois havia uma agitação desassossegada por ali e, chamando-lhe a atenção toda aquela azáfama, quis confirmar o que se passava. Estava a ser atraído por gente de todos os tamanhos e formas, e talvez o título, talvez a imagem, talvez a sinopse, talvez com tantos “talvez” dentro dele que nunca iremos saber ao certo que talvez possa fazer jus ao que ele tem na sua verdade, o atraíam cada vez mais e mais. Os seus olhos não lhe permitiam desviar a atenção, como se eles falassem. Cada vez mais perto e curioso com o cartaz e sobre o todo o envolvente, foi surpreendido. Ficou estupefacto a olhar para o cartaz durante minutos, e levando encontrões das pessoas dos diferentes tamanhos e formas que estavam por ali, também elas curiosas, não conseguiu reagir. Ouvia-se as pessoas, “Esta história deve ser incrível!”, “Temos que vir ao lançamento!”, “Adoro um bom romance!”, “Quem será o sujeito da história? Será que a autora vai revelar no dia do lançamento?”, “Não aguento, que ansiedade, já leram bem esta sinopse?”, “Já marquei na agenda, não falto de certeza”, “Isto parece incrível!”. Gonçalo nem queria acreditar que era a Camila do seu coração. As pessoas manifestavam uma inquietação no todo daquele livro, como se fosse o primeiro livro de romance a ser lançado no mundo. Gonçalo não ficou indiferente, e todos os seus músculos e órgãos agitaram-se como se ouvissem um concerto intenso interno de Mozart. Não queria acreditar que era a sua Camila, e que tinha um dia e hora para se encontrar com ela … e milhares de pessoas. Claro. “Ui, isto promete!” Hmm … acho que mais do que isso, borboleta! 

Eu vou, Camila. Eu vou estar presente. Disse Gonçalo no seu pensamento bonito, ao mesmo tempo que o mundo se tornou mais especial e uma chuva de estrelas começou a cair sobre ele e o amor que tinha destinado nele.  

Camila ia lançar o livro “Procuro-te”, baseado em factos verídicos. “Really?!”. 

(a próxima edição continuará a acrescentar conffettis de amor a esta história)

 

Juliana Gomes, escritora
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