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Sem Treta

Natal: Um momento mágico que varia no seio de cada comunidade

Em todos os cantos do mundo, no frio do inverno ou no calor do verão, o nascimento de Jesus Cristo é um dos momentos mais celebrados. Mas os costumes tradicionais a ele associados, assim como a data comemorativa, são diversificados, tornando a celebração única em cada comunidade, sem nunca perder, contudo, a magia que tanto a caracteriza.

Se nuns países se canta de porta em porta, noutros põe-se mais um prato na mesa caso alguém chegue inesperadamente para jantar. Há ainda a missa do galo e a visita dos entes queridos já falecidos, no cemitério. E se as tradições são muito diversificadas, o mesmo acontece no que respeita às iguarias carinhosamente preparadas para a ocasião. Entre doces e salgados, que nesta altura do ano adquirem um sabor único e diferenciador, encontram-se as tradicionais rabanadas ou o bacalhau cozido, mas também salmão fumado, o polvo, a salada de couve-flor, os raviolis recheados e as tortas de sementes de papoila.

A Revista Minha ouviu, na primeira pessoa, o testemunho de pessoas de nacionalidades ou etnias distintas e que demonstram que, apesar de tantas especificidades, há algo comum a todos os Natais: o convívio e o calor humano vivido e sentido em torno de uma aconchegante mesa.

Na Ucrânia, os habitantes ortodoxos celebram o Natal no dia 7 de janeiro, seguindo o calendário gregoriano. Contudo, o convívio começa na noite anterior, com o Sviatei Vetchir, uma reunião de família em torno de uma refeição festiva na qual são estrategicamente colocados 12 pratos em cima da mesa, fazendo alusão aos 12 apóstolos. Tal como nos explicou o padre Vasyl Bundzyak, são várias as iguarias que podem ser degustadas, mas com algumas restrições: nada de carnes vermelhas, leite ou derivados. É que é precisamente neste dia que termina a Quaresma, a qual implica um jejum de 40 dias, a partir do dia 28 de novembro. “Quando as pessoas saem da missa no dia 7 já podem comer”, referiu.

O “kutiá”, composto por grãos de trigo cozido adoçado com mel, passas de uvas e outras frutas, nozes ou castanhas e sementes de papoila, é um dos pratos servido na ceia. “O trigo representa a fartura, o progresso, o bem estar. O mel transmite a ideia de que a vida deve ser temperada com a alegria da saúde, do bem estar, na amizade, paz e unidade familiar. Simboliza o trabalho do agricultor e das abelhas. Também representa os entes queridos que faleceram, criando um elo entre os vivos e os mortos”, explicou. 

A este juntam-se a “borchtch”, uma sopa vermelha feita de beterraba e repolho, servida com pão de centeio; a “mlêntsi”, uma espécie de panqueca; e o “varénneke”, semelhante ao ravioli, e que em tempos era recheado com repolho, trigo-sarraceno, ameixas, geleias ou sementes de papoila. De destacar, ainda, os rolinhos de repolho recheados com cebola e cogumelos (“holubtsí”), o peixe em conserva, o pão doce e uma compota feita com diversas frutas guardadas em conserva desde o verão. As bebidas alcoólicas são evitadas.

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É à volta destes e de outros aperitivos que se sentam as famílias. Antes de começarem a comer, cada elemento tem de fazer uma oração. Em algumas regiões existe a tradição de participar na celebração da missa após a refeição. Trata-se de uma cerimónia bastante solene, que dura entre três a quatro horas. “Depois, quando voltam para casa, continuam a comer o que sobrou do jantar e as crianças começam a percorrer as casas entoando cânticos de Natal religiosos”, acrescentou. “Elas passam pela frente das janelas das casas e cantam, então os donos das casas saem e dão moedas ou alguns doces. É um período que demora cerca de três dias, entre os dias 7 e 9 de janeiro, mas nem todos têm tantos dias de festa. Normalmente as pessoas com funções ligadas ao Estado só têm um dia, mas os outros têm mais. Há festa, cânticos de casa em casa, juntam-se grupos nas casas. É um grande momento”, sublinhou.

Algumas famílias aproveitam também esta altura para se deslocarem ao cemitério para visitarem os seus entes queridos já falecidos.

Natural de Yakivka, no distrito de Ivano Frankivsk, Vasyl Bundzyak lembra as peculiaridades vividas no seu bairro. O “Vertep” é uma delas. Trata-se de um grupo de 13 jovens que, por ocasião do Natal, percorre as casas interpretando uma pequena peça de teatro alusiva ao nascimento de Cristo. O nosso entrevistado viveu esta experiência na primeira pessoa ao longo de três anos, numa época em que existia uma “regra especial”: apenas podiam integrar o grupo jovens até aos 18 anos de idade, antes de cumprirem o serviço militar. Mas o seu grupo não cumpria os “requisitos”, pelo que fugir da polícia se tornava um hábito que ficou na memória. “Já lá vão 30 anos mas não me esqueço. Andávamos de casa em casa a fugir da polícia porque na Ex-União Soviética não deixavam fazer isto. Era particularmente difícil sobretudo quando a neve era muita. Correr por aqueles campos e saltar muros não era nada fácil», recorda o padre Vasyl, destacando que, naquela altura, era preciso ter-se “muita coragem”. “Se a polícia do regime nos apanhasse ficava logo registado no cadastro”, disse.

Lembra ainda que “não era qualquer jovem que entrava no Vertep”, sendo necessário ter boa voz para cantar. Os ensaios também não eram descurados e, cerca de um mês e meio antes das atuações, todos os sábados, os jovens tinham de encontrar uma casa para praticarem. A autorização dos pais também era necessária, já que, durante três dias, as refeições por eles eram garantidas. Ao fim de três dias, eram percorridas entre 500 a 600 casas. Parte do valor angariado era depois entregue à igreja, em forma de donativo.

A visita dos netos aos avós é outra das tradições que perdura na Ucrânia. Ao entrar na noite de 6 de janeiro, filhos e pais deslocam-se à casa do avô, “não para comer, mas para beijar a mão”. Em troca, o avô distribui uma quantia em dinheiro pelos netos, “mas este valor não é igual para todos”. “Ele junta pensões durante o ano para dar algum valor a cada um. Quem durante o ano o visitou mais e ajudou, por exemplo, no campo, recebe mais. Chamamos a isso motivação para visitar as pessoas mais velhas”, explicou.

Em Portugal, e concretamente em Braga, a comunidade imigrante ucraniana tem uma significativa expressão. Vasyl Bundzyak não esquece esse facto, ou não fosse ele um importantíssimo elo de ligação entre portugueses e ucranianos. “Muitas vezes estas datas, a 6 e 7 de janeiro, calham em dias de trabalho e nem todas as famílias ucranianas que cá vivem conseguem cumprir estas tradições, mas conheço algumas que o fazem já que a ceia é um momento muito importante”, referiu.

“E enquanto que uns fora do seu país tudo fazem para cumprir a tradição, outros ganham novos hábitos…”, gracejou Saidatina Khadi Dias, natural do Senegal mas a residir em Portugal há mais de duas décadas, concretamente em Braga, há 17 anos, para onde veio estudar na Universidade do Minho.

Muçulmana, Saiditina explica que, no Senegal, o Natal é “completamente diferente” do vivido na Ucrânia ou em Portugal. Num país onde a população cristã é uma minoria, rondando os cinco por cento, “o Natal só existe pelas prendas oferecidas às crianças” mas sempre a nível institucional, na esfera do Estado. 

“Fomos colonizados pela França e há ainda muitos hábitos ocidentais que perpetuaram”, disse. Após informações recolhidas junto de uma conterrânea cristã, Saiditina ficou a saber que a maioria dos cristãos faz questão de assinalar o Natal e de assistir à missa do galo à meia-noite. Enquanto que a noite de 24 de dezembro é passada pelos jovens em festa, dentro de casa, com música, o dia 25 representa o reencontro com a família. “Aldeia por aldeia, as pessoas deslocam-se para se juntarem na casa dos seus familiares na casa do ancião, a pessoa mais velha da família”, explicou.

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A troca de prendas propriamente dita não existe. “Vê-se na televisão a distribuição de algumas por alunos e crianças e o «Natal dos Hospitais», mas é só isso”, referiu. 

A refeição é essencialmente composta por pratos senegaleses. “As famílias mais abastecidas comem frango, que lá não é tão barato como aqui e é considerado um prato chique”, referiu.

Segundo Saiditina, no tempo da sua mãe o Natal era festejado de um modo mais intenso. A mudança, acredita que esteja relacionada com a saída do poder do colonizador.

Porém, apesar desta multireligiosidade, o respeito mútuo é o que prevalece, sendo mesmo possível ver Pais Natal em Dakar. “Conseguimos, tendo várias religiões, agregar cada uma e cada um continuar com o seu lugar na sociedade”, garantiu.

Saiditina confessa que, com o passar do tempo, acabou por interiorizar o espírito natalício português. “Já estou muito preocupada com a minha lista de prendas. Não sou cristã mas também tenho de entrar nessa onda porque isto também é uma questão cultural que temos de respeitar”, considerou.

Já a passagem de ano, de 31 de dezembro para 1 de janeiro, é celebrada “em grande”. “Nisso não ficamos atrás de Portugal. É um momento que sobretudo os casais jovens festejam. É toda uma preparação de guarda-roupa para ver quem será o «rei» ou a «rainha» da festa”, brincou.

No seio da comunidade cigana portuguesa, o Natal é vivido de forma intensa, seguindo de um modo geral o padrão do país, mas com uma duração bastante mais dilatada, podendo estender-se até ao dia 2 de janeiro. 

“É quase tudo igual, só muda uma coisa ou outra. Por exemplo, a festa começa a 23 de dezembro, dia em que as mulheres fazem as rabanadas e os homens já começam a beber. No dia seguinte, junta-se a família toda: pais, irmãos, sobrinhos, avós. À mesa temos o bacalhau frito e cozido, o polvo, o arroz de feijão, o bolo-rei e a aletria, como é tradição. Antes de comermos, a pessoa mais velha – que no meu caso é a minha avó – abençoa a mesa”, explicou José Maia Rodrigues.

O dia 25 de dezembro é o ponto alto da celebração e no qual se concentram mais pessoas. Novamente, uma mesa farta, muita dança e convívio. Novos pratos são introduzidos, como a massa de grão e a galinha que é morta no próprio dia. A troca de prendas entre todos também faz parte do momento festivo, mas a árvore de Natal não tem grande relevância. “Não ligamos muito. Algumas famílias fazem, mas a maior parte não. A minha família, por exemplo, não faz”, explicou o jovem.

Uma tradição muito específica no seio da família de José Maia está relacionada com chapéus. “No dia 25 cada um veste um chapéu diferente, qualquer tipo, pode ser um capacete ou um boné. A ideia surgiu de uma pessoa mais velha e, desde então, continuamos sempre a fazer e agora veem-se mais ciganos a fazer. Quem sabe daqui a uns anos não é tradição na comunidade”, disse.

No dia 26 é servido um prato especial: arroz de tordo. Uma particularidade no seio da comunidade cigana prende-se com o facto de o Natal não ser celebrado em caso de luto. “O meu pai esteve cinco anos sem celebrar quando o pai dele faleceu. O tempo depende da proximidade que temos à pessoa. Não é certo, mas normalmente são dois, três anos. Nessas situações, o Natal acaba por ser um dia normal”, esclareceu.

No Brasil, um país predominantemente católico, o Natal é em tudo semelhante ao de Portugal… à exceção das condições meteorológicas. O sol e o calor convidam a programas ao ar livre, mas é sobretudo em casa, em torno da mesa e em ambiente familiar, que os brasileiros assinalam o momento.

Na noite de 24 de dezembro é servida a Ceia de Natal onde não faltam iguarias, que variam consoante a situação económica de cada agregado familiar. A par do peru, o principal prato, encontram-se as rabanadas, os bolinhos de bacalhau – uma herança portuguesa –, a farofa, o “tender” (uma espécie de presunto brasileiro) e o bolo “panetone”. Tal como nos explicou Rômulo Barreto Jr., natural de Manaus – Amazonas, se a família for abastada, normalmente faz questão de comprar um produto importado, seja uma carne, um peixe ou um vinho.

Tal como em Portugal, a árvore de Natal é uma das imagens de marca, estando sempre presente ao longo de todo o mês. É debaixo desta, delicadamente enfeitada com luzes, bolas de várias cores e fitas brilhantes, que são colocados os presentes que serão abertos na noite da consoada, depois de distribuídos pelo “velhinho de barbas brancas” no seu mágico trenó.

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Católico e português mas nascido na Alemanha, José Alves vive todo o espírito natalício em união com a família. “É sempre um momento mágico, com o contributo de todos. As mulheres ajudam a mãe no jantar, os homens dedicam-se mais aos aperitivos, sendo que o famoso bacalhau cozido é o ex-libris”, referiu.

Dos tempos na Alemanha, recorda um dos pontos altos dos festejos, que é o Dia de S. Nicolau, a 6 de dezembro. É nesta data que as crianças bem comportadas recebem doces. No dia 24, recebem as prendas. De destacar, ainda, os mercados de Natal – os Weihnachtsmarkt – que ali terão tido origem nos finais da Idade Média.

As iguarias diferem das confecionadas em Portugal. “Na Alemanha comem-se muitos doces à base de maçapão, não esquecendo as bebidas alcoólicas aquecidas”, disse. O ganso, o pato assado e as salsichas também fazem parte do cardápio.

 

 

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