Este mês dita o início de mais um ano e o surgimento das listas intermináveis de mudanças a fazer. Seja em Portugal ou na Croácia, o dia 1 de janeiro é sempre sinónimo de renovação e crescimento. As promessas são variadas: inscrever-se no ginásio, adotar um estilo de vida mais saudável, deitar-se cedo, começar a meditar, etc.. Desafio-o, nesta fase de maior determinação, a fazer uma lista – realista – de livros que pretende ler em 2020. Descubra títulos que o entusiasmem e renda-se ao prazer da leitura com uma chávena de chá na mão. Depois conte-me como correu.
Entretanto, permita-me deixar-lhe uma sugestão. No livro A Guerra não tem rosto de Mulher, Svetlana Alexievich dá voz a centenas de mulheres que, obrigadas pelo contexto político da época, lutaram na Segunda Guerra Mundial. Num estilo pungente, são-nos apresentados testemunhos de mais de 200 mulheres soviéticas que passaram de filhas, mães, irmãs e noivas a atiradoras, condutoras de tanques ou enfermeiras em hospitais de campanha. O seu relato não é uma história de guerra, nem de combate; é, ao invés, uma história de seres humanos simples que se viram catapultados “da sua vida simples para a profundeza épica de um enorme acontecimento”. Em que pensavam? De que tinham medo? Como foi aprender a matar? É sobre isto que as interlocutoras de Svetlana falam, mostrando uma faceta do conflito sobre a qual não se escreve – a sujidade, o frio, a fome, a violência sexual, a angústia e a sombra permanente da morte. Porque o verdadeiro heroísmo esteve na sua própria decadência enquanto combatentes e, posteriormente, na forma como foram recebidas e ignoradas pelo seu próprio país.
A Guerra não Tem Rosto de Mulher, a marcante obra de estreia de Svetlana Alexievich, foi originalmente publicada em 1985, depois de quatro anos de pesquisa e entrevistas. A edição portuguesa, publicada pela Editora Elsinore, corresponde ao texto fixado em 2002, quando a autora reescreveu o livro e incluiu novos excertos com uma força que, antes, a censura não lhe tinha permitido mostrar. Esta é uma obra de vozes femininas sobre a presença das mulheres na frente do maior conflito bélico, até à data, registado.
Escrito com incrível sentimento, a obra de Svetlana Alexievich, Prémio Nobel da Literatura 2015, é uma obra de não ficção ímpar com vozes femininas sonantes. Uma leitura incrível que permite um maior contacto com factos da Segunda Guerra Mundial, contados por quem lá esteve. Cerca de um milhão de mulheres lutou no Exército Vermelho. O projeto que veio a dar origem a este livro iniciou-se quando Alexievich leu um artigo num jornal de Minsk sobre uma festa organizada para homenagear uma contabilista prestes a entrar na reforma. Segundo a notícia, essa mesma contabilista havia recebido várias condecorações militares em decorrência do serviço militar prestado durante a Segunda Guerra Mundial onde, na qualidade de sniper, foi responsável pela morte de 75 pessoas. A guerra, percebeu a Autora, era, raramente, contada sob a perspetiva feminina. Assim, procurando contar as histórias reis de seres humanos que lutaram na frente, a Autora pretendeu mostrar que não há nada de heróico na guerra. Pelo contrário, o conflito armado merecia ser mostrado como verdadeiramente era – e ainda é – fonte de destruição e loucura. “Não, ela é soldado. Volta a ser mulher depois da guerra”.
Daniela Guimarães
Blogger de Literatura
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