Opinião

Cultura são pessoas, somos nós.

Hoje falo sobre mim, sobre a minha infância e sobre a forma como cresci culturalmente analfabeta. Conheci o cinema já adolescente já era adulta quando fui ao teatro. Recordo-me de querer ir a um concerto mas os meus pais, muito por desconhecimento e receio, não o autorizarem. 

 O pouco que conhecia do país foi através da escola e das visitas de estudo. Sei que não o fizeram por mal, viviam como sabiam, com empregos na altura precários e o mais importante não era ser culto ou ter cultura, era pôr comida na mesa.

Apaixonei-me pela leitura e pela escrita assim que aprendi a ler, foi sempre o meu bilhete de saída da minha realidade. Lia de noite antes de dormir, muitas vezes escondida debaixo dos lençóis por já passar da hora de apagar a luz. Fiquei míope, mas alarguei horizontes e o que sonhei acordada valeu por mil sonhos a dormir. Era tudo o que tinha.

A História foi a minha segunda paixão. Motivada mais uma vez pelo que aprendia na escola, fascinava-me tudo o que tinha sido vivido antes de mim. Tantos mundos, tantas vidas. 

Quando ganhei autonomia financeira, ainda na faculdade, mas já a trabalhar, comecei a viajar. O nascimento das minhas filhas não refreou esta minha vontade de conhecer mais do mundo e, por isso, com elas ainda pequenas já viajávamos. Deste mundo conhecem ainda muito pouco, sabem algumas palavras em italiano, outras em espanhol, mas aceitam e respeitam as diferenças, têm noção que existe muito mais do que a terra onde vivemos, e tudo à distância de uma vontade, a vontade de conhecerem, de se libertarem das amarras daquilo que nos prende ao que somos para passarmos a ser o que conhecemos. 

As condições financeiras nem sempre permitem que se viaje, que se frequentem concertos ou que se vá ao teatro. No entanto, hoje em dia é mais fácil ter acesso à cultura do que era há uns anos. São inúmeras as iniciativas que se podem frequentar gratuitamente, teatro de rua, livrarias que se assumem contadoras de história, concertos no jardim de acesso livre, bibliotecas abertas ao fim de semana, são só alguns exemplos do que podemos esperar da atualidade cultural. Nisso a consciência municipal mudou, os apoios existentes facilitam o aparecimento de novos artistas, de mais eventos e iniciativas. 

E há muito que nós também podemos fazer, dentro das nossas possibilidades e do que está ao nosso alcance. A informação é fundamental. O ano passado trouxe a cultura até nossa casa através de um programa de voluntariado que acolhe jovens de todo o mundo por um ano. Escolhi uma jovem tailandesa e muçulmana, tão diferente de nós e tão igual em tanto. Criou com as miúdas laços que sei que não esquecerão e aprendemos mais com ela do que ela connosco, certamente. 

Tento que as miúdas conheçam o máximo e que aproveitem os recursos que lhes posso dar para expandir a mente e abrir o coração. Hoje, a minha filha mais velha, no terceiro ano, diz que não gosta de ler, mas gosta de ouvir histórias. Adora ir à biblioteca que frequentamos semanalmente, requisita livros e já construiu um dicionário de chinês-inglês-português com o pai em casa.

 A cultura é muito mais que leitura, é música, é teatro, é educação, é viajar, é conhecer e ter curiosidade pelo que não conhecemos, é tolerância e aceitação, é também religião, é cinema e fotografia, é arte. Cultura é vida e educação. Cultura são pessoas, somos nós. É a nossa herança e a nossa tradição.

Sofia Franco
www.notjust4mums.wordpress.com
Facebook e Instagram: @notjust4mums

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