Sem Treta

“Quem trabalha por gosto, não cansa”

Tem 34 anos e é responsável pelas parcerias e eventos na Startup Braga, uma incubadora e aceleradora de startups. Foi professor de Geografia, dinamizou uma série de projetos relacionados com empreendedorismo, criou uma empresa, tem um blogue e, mais recentemente, uma revista, a Emagazine. Casado e com uma filha, acreditamos que também já tenha plantado uma árvore. O que falta fazer a quem não para um segundo?

Tens um percurso “diferente”: à partida serias professor.
Sim, cheguei a dar aulas. Licenciei-me em Geografia, na variante de ensino, em Coimbra, na Faculdade de Letras. Estive a dar aulas durante cinco anos, mas depois a vida deu algumas voltas e resolvi trabalhar numa área completamente diferente. Paralelamente, comecei a organizar alguns eventos com e para empreendedores, embora na altura não soubesse muito sobre empreendedorismo. Não quer dizer que agora saiba, mas!… (risos) Era uma área um pouco desconhecida, mas de que estava a gostar imenso. Eu e um grupo de bons amigos começamos a organizar alguns eventos na cidade para tentar dotar as pessoas de algumas ferramentas que as ajudassem na procura de emprego, a prepararem-se para a uma entrevista, a elaborarem um bom CV… Organizamos o primeiro evento, “O meu Futuro 24” (MF24 Braga), que teve algum mediatismo na altura. Juntamos um excelente leque de oradores, que hoje são amigos, num evento de 24 horas non stop, teve um impacto grande na altura. Continuamos a organizar eventos, estive na fundação de uma empresa familiar e, durante esse percurso, surgiu a oportunidade de ir trabalhar para a Startup Braga. Na altura o projeto estava no começo e integrei a equipa inicial. Eu estava disponível, resolvi arriscar e fui trabalhar para lá. Desde então foram cinco anos de aprendizagem pura e dura, todos os dias. Tive que ler muito!  Felizmente tive a sorte de ter sempre uma equipa fantástica, todos os diretores da Startup Braga me ensinaram muito e acho que isso foi fantástico, foi mesmo incrível. São cinco anos a ler muito, a ouvir muito e a fazer acontecer coisas fantásticas.

Como é que foi essa passagem do ensino para outra área?
Bom, eu adorei dar aulas. Gostei mesmo muito. Numa área como a Geografia consegues dar uma aula na rua porque estudas as cidades, o ambiente, as pessoas… É fantástico porque podes pegar nos miúdos e dar uma aula na rua, in loco. Isso é apaixonante, é muito bom! Estive numa instituição a dar aulas e percebi que os professores têm muitos sonhos e um deles é que o ensino tenha um cariz muito prático, que seja motivador, que seja adaptado aos alunos. E muitas vezes o próprio sistema não te deixa ser assim… No último ano em que dei aulas senti que era necessário fazer uma pausa. Apesar de estar a gostar muito, havia e ainda há muita coisa que tem de ser melhorada no ensino. Foi aí que entretanto surgiu a oportunidade de ir para a Startup Braga. Nesse ano surgiu a oportunidade de fundar uma empresa ligada ao ensino, ligada à pedagogia, onde eu e a Sara – minha esposa e sócia – aplicávamos muito daquilo que achávamos que devia ser o verdadeiro ensino. Embora não fosse um estabelecimento de ensino formal, fazíamos muitas atividades pedagógicas, tendo por base valores como a sustentabilidade, o ambiente, a empatia e a motivação. Ou seja, tentamos criar nós a alternativa! A empresa tornou-se autónoma e havia surgido a oportunidade da Startup Braga, que era um desafio bastante diferente mas onde, curiosamente, consegui aplicar muito do que trazia também do ensino. Essa transição acabou por bastante pacífica.

Mas não deve ter sido fácil arriscar assim…
Não, não foi fácil. Até porque quando em 2012 eu achava que organizávamos eventos de empreendedorismo, estes eram na verdade, eventos mais ligados ao desenvolvimento pessoal e motivacional, com o intuito de inspirar pessoas. Na Startup Braga trabalhamos com empresas tecnológicas, daí eu referir que foi uma aprendizagem muito grande: tive que virar a página e percebi que efetivamente não sabia o que era empreendedorismo! Acima de tudo tive que aprender muita da linguagem de áreas como a programação e a gestão, essenciais quando se trabalha com organizações como startups. Por isso é que sublinho a questão da aprendizagem, tive mesmo de aprender muito, sobretudo no início.
E o teu blogue, como surgiu?
O blogue surgiu também mais ou menos por essa altura, precisamente quando comecei a organizar alguns eventos e a participar também em alguns deles, em algumas conferências. Como ia tirando muitos apontamentos e muitas notas, não perdia nada em colocar tudo aquilo num blogue para ir partilhando conhecimento com as outras pessoas. Tinha-as no meu caderno, era só colocar online, podia ser que pudesse ajudar outras pessoas! Depois também pensei que podia ser um desafio giro entrevistar algumas pessoas com histórias interessantes, pessoas que tivessem mudado de área profissional, que tivessem uma empresa ou negócio… pessoas que eu considero empreendedoras e inspiradoras! A Mariana Barbosa, do jornal Eco, utiliza muito o termo “fazedores”: gosto muito dessa palavra, foi nesse tipo de pessoas que pensei. Comecei a entrevistar algumas pessoas, comecei pelos amigos e pela família e o feedback que me foi chegando foi muito positivo. Continuei e comecei a entrevistar pessoas mais conhecidas, como CEOs de grandes empresas. Imaginei que nem sequer fossem ler os meus e-mails, mas não perdia nada em tentar. E de repente estava a entrevistar o Tim Vieira e o Miguel Pina Martins da Science4You! A verdade é que embora sejam pessoas bastante mediáticas, conseguem ser de uma humildade extrema e têm muito para ensinar. Cá está, mais uma vez a aprendizagem! (risos) Entrevistar as pessoas ensinou-me mesmo muito sobre empreendedorismo, sobre pessoas, sobre organizações. Parece um pouco egoísta, mas o blogue passou a ser uma forma de me sentar com “fazedores” e aprender com eles. E assim foi, comecei a colocar os conteúdos online e a oferecê-los às pessoas, porque todas as dicas, as histórias de vida, podem efetivamente inspirar. São os dois objetivos do blogue: inspirar pessoas e aprender com as pessoas que vou entrevistando.

Dessas histórias todas, alguma que te tenha tocado especialmente?
Sim, várias, o difícil é escolher (risos). Há mesmo muitas, sei lá… Às vezes não é preciso ser alguém muito mediático para ser uma boa história e para ensinar muito. Temos o caso da Raquel Oliveira, uma grande amiga que trabalhava na área da contabilidade, mas que, de repente, achou que não era a “cena” dela… Resolveu mudar de vida e fazer várias formações no estrangeiro e, pouco depois, estava a liderar uma empresa na área das terapias alternativas. Ou seja, passou de um escritório para uma área completamente diferente, onde teve bastante sucesso. (…) Há tantas boas histórias! (risos) E na próxima edição da Emagazine vamos ter histórias muito giras, os próximos artigos vão ser muito bons.

Pois é, agora também tens uma revista, a Emagazine!
Sim (risos)! A revista é uma forma de materializar os conteúdos do blogue, de os tornar mais tangíveis. Embora para já seja apenas digital, o objetivo é a longo prazo torná-la numa revista com uma edição e distribuição física. Tem alguns artigos diferentes dos que se encontram no blogue e um bom leque de empreendedores e amigos que estão a colaborar com a revista, que são também editores e que escrevem alguns artigos, pessoas de diferentes áreas como o marketing digital, a psicologia, o coaching, a comunicação…

E como é que arranjas tempo para tudo isto? És casado, tens uma menina pequenina…
Boa pergunta! (risos) Curiosamente, quando tenho muita coisa para fazer sou mais organizado! (risos) Não é que seja desorganizado, mas quanto mais tarefas tenho, melhor consigo programar as coisas. Consigo realmente organizar-me melhor, sem dispensar a ajuda de uma boa agenda e de algumas ferramentas que tenho no telemóvel, não consigo viver sem as ferramentas que realmente me vão ajudando a fazer esta gestão. Mas respondendo à pergunta, acho que quem trabalha por gosto não cansa! (risos) Aproveito também muito os meus bocadinhos livres para ler e depois trabalho muito à noite, quando as “pequenas” já estão a dormir. (risos) Quando elas já estão a dormir tento aproveitar para trabalhar.Uma pergunta difícil: o que é o empreendedorismo?
(risos) Boa! Costumo fazer sempre essa pergunta às pessoas que entrevisto! (risos) Hoje em dia existe um cliché que nos diz que toda a gente é ou quer ser empreendedora. Um dos meus colegas, o Alexandre, tem um termo que aprecio muito, ele fala do “empreendedorismo de palco” e a verdade é que muitos dos “empreendedores de palco” distraem-se com o mediatismo imediato, com os aplausos, em vez de se focarem nos seus projetos. Isso não é empreendedorismo! “Vou criar uma empresa, vou ali para o palco, vou ser empreendedor”… Não! O empreendedorismo passa por concretizar, passa pela humildade de reconhecer que precisamos de aprender e ouvir feedback de muita gente para aplicar no desenvolvimento do nosso projeto. A isto referimo-nos como ter um perfil “coachable”. Quando temos uma ideia de negócio temos que ir melhorando, construindo e desenvolvendo o projeto com as ferramentas que as pessoas nos vão dando, com os ensinamentos e pedagogia dos outros. É preciso falar com muita gente que passou por processos parecidos e assimilar a informação como se fôssemos uma esponja. E é realmente concretizar, é necessário ser resiliente, aprender com os erros – porque se vai errar muito! –, ter a noção de que quando se tem um negócio muitas vezes vai-se despender tempo que seria para dedicar à família… Mas é preciso pensar também que quando temos um foco, um “why”, um objetivo, sabemos que essa é apenas uma fase transitória e que a médio e longo prazo vamos conseguir chegar ao sucesso, seja lá o que isso for, seja no crescimento de uma empresa ou a nível pessoal. Acho que empreender é arriscar, avançar, aprender – sublinho o aprender – e evoluir em função do que vamos vendo à nossa volta.

Portanto, o termo “empreendedorismo” realmente está na moda. Mas basta acreditar?
Não basta acreditar sem concretizar. Eu lido com muita gente que tem ideias de negócio e que me diz: “ah, aquela empresa, aquele negócio… Já tive aquela ideia há um ano”. Muito bem, mas concretizou? Não! Ou seja, não basta ter a ideia, é preciso pôr as mãos na massa e fazer acontecer. É preciso trabalhar no projeto e fazê-lo avançar. O certo é que uma grande parte dos projetos e ideias de negócio acabam por não correr bem, mas depois é preciso ver também esses desafios como oportunidades para fazer melhor. Em Portugal há muito este preconceito: quando alguém tem uma ideia de negócio que corre mal é olhado de lado. Mas há países com uma mentalidade totalmente diferente, como os Estados Unidos, por exemplo! Há muitas ideias de negócio e há grandes empresas, multinacionais, que tiveram sucesso à décima tentativa, ou seja, os donos dessas empresas falharam muito. Aprenderam com as falhas do passado para terem sucesso no presente, no futuro, como Jeff Bezos, Steve Jobs e até o Elon Musk. O preconceito da idade também existe muito por aqui, mas há boas ideias de negócio que os CEO puseram em prática com 60, 70 anos. Foi com essa idade que tiveram sucesso. Vejam, por exemplo, a história da KFC! Estes dias escrevi um artigo sobre Simon Sinek, um autor que tem uma teoria que fala muito no “why”, o “porquê”. Tem que haver um propósito, é precisamente isto que quero passar ao empreendedor. Isto aplica-se à vida pessoal e à profissional. Se as grandes multinacionais têm que saber por que estão a produzir e a vender determinado produto, a nós aplica-se o mesmo. Porquê desenvolver esta ideia de negócio? É um sonho, estou disposto a despender um bom tempo neste projeto em detrimento de estar com os amigos e a família, ter noites mal dormidas, pensar que depois vou ter que contratar, as responsabilidades vão aumentar… Tem que haver um pilar emocional bastante grande. É importante acreditar, mas é preciso concretizar.

E aqui entra a resiliência de que falavas.
Exatamente! É incrível, eu conheço muitas pessoas que hipotecam a casa para perseguir o sonho de ter uma empresa. E se a coisa corre mal? E essas pessoas conseguem ensinar-nos algo, sobretudo conseguem passar-nos o testemunho da resiliência por saberem que vão ter de passar por momentos bons, por períodos menos bons… Mas também sabem que vão conseguir superá-los, aprender com os erros, fazer melhor. Há sempre uma forma de dar a volta. E o que não conseguimos resolver, resolvido está. A resiliência uma característica muito importante.Qual é o primeiro passo para ser empreendedor?
Numa primeira fase, é preciso tentar validar a ideia de negócio. Falar com potenciais clientes e perceber se eles compravam o produto ou serviço. Isto é o que falha muitas vezes. As pessoas querem tanto concretizar que põem as mãos na massa, mas esquecem-se de ouvir os potenciais clientes. E depois montam a empresa e passado um ou dois anos percebem que as pessoas não precisavam daquilo e os negócios acabam por morrer. O primeiro passo é ouvir os potenciais clientes, de forma a desenvolver a ideia de acordo com o feedback deles: se compravam ou não o produto ou serviço, se pagavam, quanto pagavam… E quando eu digo potenciais clientes, não é falar com a esposa, com a mãe e com a tia, mas sim com pessoas que se enquadrem na lista de potenciais clientes. É preciso perceber também se o produto ou serviço que o empreendedor quer desenvolver cobre verdadeiramente uma necessidade ou resolve algum problema, essa é outra das características para ter, a longo prazo, sucesso.

Há apoios em Portugal para o empreendedorismo?
Há alguns apoios e várias plataformas para consulta. O site do IAPMEI é uma boa fonte de consulta, onde podemos ver, por exemplo, o programa “startup voucher” que oferece bolsas para jovens com ideias de negócio. Depois os sites da Startup Portugal, do Portugal 2020 e até o IEFP têm algumas opções interessantes. E também existem várias aceleradoras nacionais e internacionais, que oferecem excelentes condições para os empreendedores desenvolverem os seus projetos.

Quais os teus próximos objetivos?

Um deles é conseguir com que a revista evolua para o formato físico e chegue a mais pessoas. Quero continuar a entrevistar e a aprender com as pessoas, tenho saudades de voltar a estudar num meio mais académico… Quero viajar muito com a família atrás e aproveitar minha filhota ao máximo, ter sempre tempo para ela, “desligar” da correria do dia a dia para lhe dedicar mais tempo. Quando temos filhos eles ensinam-nos muito! A vida corre demasiado rápido… O tempo passa muito depressa e estar com as pessoas, fisicamente, sem telemóvel, estar de verdade com elas é o importante. Muitas vezes temos dias tão intensos que nos esquecemos de estar com as pessoas. Estar, com letra maiúscula!
Qual foi a reação dos teus pais e família quando optaste por uma área tão diferente?
Foi pacífica. Sou suspeito ao dizer isto, mas os meus pais são mesmo muito boas pessoas (risos). Sempre tiveram uma postura super trabalhadora e uma vida humilde e muito honesta. É através do exemplo que passamos testemunho aos nossos filhos e eu, como filho, aprendi muito através do exemplo deles. Eles sabem que, seja qual for a área em que eu estiver, vai correr tudo bem. O meu pai segue aquele provérbio que diz que “quem muda, Deus ajuda”(risos). E não são áreas assim tão diferentes, porque estou a aprender e a ensinar muito. É uma forma de ensino um pouco diferente, mas que se baseia no mesmo princípio.

Podemos dizer que és uma pessoa otimista. O otimismo nasce connosco ou trabalha-se?
Eu acho que se pode trabalhar. Obviamente que há pessoas que parecem nascer otimistas. Acho que o ambiente em que estamos inseridos e as pessoas com que convivemos conseguem influenciar-nos bastante. Tento ao máximo estar rodeado de pessoas boas e otimistas. Claro que há pessoas com um perfil mais pessimista e nesse caso a psicologia ou coaching pode ajudá-las bastante. Obviamente que não as vai tornar mais otimistas, mas pode orientá-las no sentido de as fazer ver o lado mais positivo da vida. Por vezes, quando temos algum pensamento negativo, temos que relativizar. Muitas são as vezes em que nos preocupamos com “problemas” insignificantes, quando o verdadeiro problema está na guerra que se vive na Síria, nas crianças que são recrutadas como soldados no Iémen, ou na destruição do nosso planeta por causa da poluição.

 

 

 

 

 

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