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“O Mistério da Estrada de Sintra”, de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão

Setembro, o eterno mês do recomeço. As férias já terminaram e os primeiros sinais de outono começam a aparecer enquanto nos desdobramos para assegurar um regresso ao trabalho ou às aulas tranquilo. Para que o mês não seja tão difícil, deixe-me sugerir a leitura de um clássico. A palavra “clássico” desperta, desde logo, receio. Para quem não está habituado a este género literário, a primeira imagem que surge é de um livro com mais de quinhentas páginas escrito de forma confusa e com recurso a uma linguagem arcaica que desanima qualquer um. Mentiria se dissesse que estes clássicos inexistem, mas a boa notícia é que a maioria são de leitura fácil, não têm assim tantas páginas e, espante-se, são de uma transversalidade tal que, séculos desde a sua publicação, continuam a entreter e a tocar os corações de milhões de leitores.

É o caso da incrível obra de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, O Mistério da Estrada de Sintra. Este pequeno livro, publicado em 1870, é considerado o primeiro romance policial português, tendo resultado de uma partida engendrada pelos seus Autores que, entre julho e setembro desse mesmo ano, enviaram uma série de cartas anónimas ao Diário de Notícias falando sobre um homicídio ocorrido na Serra de Sintra. O jornal, vendo todo o potencial comercial, resolveu publicar as referidas cartas em formato folhetim assustando, na altura, inúmeros leitores.  O Mistério da Estrada de Sintra conta a história de um médico que regressa de Sintra, pela serra, acompanhado de um amigo. A meio do caminho, ambos são raptados por um grupo de mascarados, que os leva para um prédio isolado onde se encontra um cadáver. Chegados ao destino, o médico é confrontado com uma condição inusitada: ele e o seu amigo serão libertados quando este descobrir as circunstâncias que levaram à morte do homem que ali se encontra. A partir daí, um conjunto frenético de eventos sucede-se criando, na mente do médico e do nosso narrador, mais questões do que respostas: quem é o morto e quem o matou? Porquê? Com quem foi ele  encontrar-se no prédio isolado? E quem são os mascarados que pugnam pela sua honra?  Este folhetim de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão introduziu-me, há algum tempo, na obra do primeiro tendo sido amor à primeira leitura. A narrativa d’O Mistério da Estrada de Sintra é absorvente, fluída e inteligente. O estilo irónico e pouco confiável do narrador leva o leitor a ansiar pelas páginas seguintes tecendo, mentalmente, inúmeras explicações para os factos bizarros que lhe são contados. A intenção era, à boa moda de Eça e Ortigão, provocar a sociedade lisboeta agitando a sua ociosidade e apatia que surgia reforçada pelo consumo de ficção melodramática. Os objetivos foram bem alcançados já que, por altura da publicação das cartas, o Diário de Notícias aumentou exponencialmente a sua tiragem. Nas palavras da investigadora Irene Fialho, que assina várias edições críticas da obra de Eça de Queirós, “os leitores interessaram-se imenso” por aquela história de crime, mistério e adultério. E o jornal “deve ter vendido imenso, devia esgotar até. Havia aqueles relatos da época, de pessoas que apareciam mortas, esventradas, etc., e o público procurava – como procura ainda hoje – esse jornalismo sanguinário. O jornal lucrou bastante com isso”.  Como vê, as razões para pegar n’O Mistério da Estrada de Sintra são inúmeras. Entre outras, o enredo é fascinante e repleto de reviravoltas, os Autores são dois dos maiores vultos da literatura nacional e um clássico fica sempre bem na mão.  Boas Leituras. 

Daniela Guimarães
Blogger de Literatura

Instagram: @portasetenta
Blog: www.portasetenta.pt

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