Joana Vasconcelos é natural de Vila Nova de Gaia e é atleta de alta competição. Começou a praticar canoagem com 14 anos por brincadeira, ainda não sabia nadar. Em Junho deste ano, em conjunto com Teresa Portela, conquistou pela Seleção Nacional o título europeu em K2 200 metros, em Belgrado. Em 2012 participou nos Jogos Olímpicos e em 2019 irá procurar novamente o apuramento. O segredo para um currículo desportivo de fazer inveja? Muito empenho, treino e determinação.
Como e quando começaste a praticar canoagem?
Pratico canoagem desde 2005, tinha 14 anos na altura. Comecei através de uma amiga, vizinha minha, brincávamos as duas na rua. Ela experimentou sozinha a certa altura, gostou e convidou-me para ir com ela. Foi uma brincadeira! Eu lá fui, experimentei e gostei. Na altura foi muito engraçado, eu não tinha equilíbrio na canoa, estava sempre a virar… (risos) Mas achava piada porque era verão e eu gostava era de tomar banho no rio! Depois comecei a ganhar equilíbrio, a atingir bons resultados passo a passo, a pagaiar melhor, tive treinadores a acompanhar-me… Entretanto chegamos ao inverno e essa minha amiga desistiu. E eu continuei, fui fazendo umas provitas, fui melhorando os resultados de prova para prova e comecei a ganhar mais motivação para a modalidade.
Como se deu essa “viragem”, como começaste a atingir bons resultados?
Só atinge bons resultados quem perde. E eu perdi muitas vezes. Fiquei em último muitas vezes! Mas depois consegui atingir bons resultados estando mais focada e treinando mais. Continuei sempre a trabalhar e a esforçar-me.
És natural de Vila Nova de Gaia. Foi lá que começaste?
Sim, eu só vim para Braga em 2015. Andava num clube de canoagem, o Clube Náutico Crestuma, e em 2010 entrei para o Benfica.
“Quando como fora tento sempre pedir grelhados. Claro que no fim de semana, que é quando como mais vezes fora, também acabo por facilitar mais um bocado (risos). Não há como comer em casa, a alimentação é mais saudável, mas almoçar ou jantar fora não tem de ser um drama.”
A canoagem não é uma modalidade muito comum. Como reagiram os teus pais à tua escolha?
(risos) No início foi um bocado complicado, os meus pais ficavam com medo. Com o inverno começou o mau tempo e eles a saber que eu ia para o meio do rio… Não era muito fácil. Mas também perceberam que eu era acompanhada, tinha os treinadores de barco a motor, ia de colete… Agora não ando com colete, mas quando era mais nova, menor de idade, usava sempre. Até porque, é curioso, eu entrei para a canoagem e não sabia nadar! (risos) Mas fui logo obrigada a aprender.
Alguma vez apanhaste um susto na água?
Não, só o meu treinador é que me assustou a certa altura! (risos) Ele sabia que estávamos numa zona em que eu tinha pé, mas eu não sabia disso. Estávamos numa plataforma e ele empurrou-me para eu perder o medo.
E resultou?
Sim, sim! (risos) Eu comecei a fazer assim [esbraceja], a aguentar-me e pronto… Foi uma questão de instinto.
Neste momento qual é parte mais difícil de ser canoísta de alta competição?
Agora? O mais difícil é estar fora de casa. Passamos muito tempo longe de casa e da família. Três semanas fora, uma em casa. Quando os estágios são aqui perto, vimos a casa durante o fim de semana. Ainda fazemos o treino de sábado de manhã no local, mas à tarde voltamos, passamos o domingo em casa e na segunda regressamos ao estágio. Quando são longe, como ainda há pouco estive no México, chego a ausentar-me três semanas completas. Torna-se difícil estar tanto tempo longe da família.
E como é o teu dia-a-dia cá?
De manhã tenho sempre água, uma hora e meia, e corrida, de quarenta minutos a uma hora. Normalmente são sempre dois treinos. À tarde tenho o ginásio e depois bicicleta estática. O objetivo é a manutenção do treino cardiovascular.
É um ritmo comum a todos os canoístas?
Atletas de alta competição treinam mesmo assim. Não quer dizer que os outros canoístas façam exatamente o mesmo, sobretudo os mais pequenos que ainda vão para a escola, mas na alta competição tem mesmo de haver um treino intensivo.
Como atleta de alta competição sentes-te suficientemente apoiada?
Tenho alguns apoios, sim. A Federação Portuguesa de Canoagem apoia, o Comité Olímpico também, assim como o meu clube. Mas em termos de patrocínios ou ajudas de empresas externas nunca tive muitos apoios. A verdade é que eu também não procuro muito! Se calhar, se procurasse mais, até conseguia. Neste momento sou patrocinada pela Under Armour, é o meu único patrocinador, apoia-me muito com roupa desportiva.
Em 2012 participaste nos Jogos Olímpicos. Qual é a sensação de representar o nosso país?
É brutal… Foi um sonho realizado. Consegui o apuramento em 2011, não queria acreditar! Também ainda era novita, tinha 19 anos e foi a primeira vez que estive presente nos Jogos. O problema disto é que nós conseguimos o apuramento no ano anterior, mas não quer dizer que sejamos nós a ir. A embarcação apura, mas se no ano a seguir não estiveres na tua melhor forma podes ficar em casa. Vai outro atleta que esteja em melhor forma. Por isso é que tens de treinar sempre e ser cada vez mais forte. Isso também é bom para nós não relaxarmos e melhorarmos a cada dia que passa. Em 2015 tivemos outro apuramento mas já não conseguimos por dezoito milésimos… Foi muito difícil, porque dezoito milésimos nem a um dedo equivalem, é uma coisa mesmo mínima. Mas pronto, continuei a treinar e 2019 é novamente um ano muito decisivo, novamente de apuramento. E eu quero estar nos Jogos!
Ouvir o nosso hino deve ser incrível.
É uma sensação única, nós este ano [2018] já o ouvimos numa grande competição, fomos campeãs da Europa de K2 200 metros e foi incrível ver a nossa bandeira ser hasteada. É nesse momento que pensamos em tudo o que fazemos durante o ano, todos os esforços que levamos a cabo… e que valem a pena.
Precisas de abdicar de muita coisa, de fazer muitos sacrifícios para te dedicares de corpo e alma à modalidade?
Sim. A maior parte do tempo não estou em casa, não dou atenção nem estou com a família e os momentos de estágio ou competição são aqueles em que mais preciso dela. A verdade é que estou fora e não os tenho comigo. Por outro lado sei que é uma mais-valia para nós, conseguimos descansar muito mais e estar mais concentrados. E saber que depois vêm as férias e podemos estar mais tempo com a família e felizes com os resultados é ainda melhor.
“A maior parte do tempo não estou em casa, não dou atenção nem estou com a família e os momentos de estágio ou competição são aqueles em que mais preciso dela. A verdade é que estou fora e não os tenho comigo. Por outro lado sei que é uma mais-valia para nós, conseguimos descansar muito mais e estar mais concentrados. E saber que depois vêm as férias e podemos estar mais tempo com a família e felizes com os resultados é ainda melhor.”
Casaste em 2016. Foi um projeto que começou no tempo certo ou foi adiado devido à tua profissão?
Acho que começou no tempo certo. Em 2015 não apurei, em 2016 não fui aos Jogos e foi nesse ano que casei. Desde então estive focada, só a pensar nos treinos, e foi tudo muito mais tranquilo.
Olhando para os teus colegas atletas masculinos, alguma vez sentiste que as mulheres têm de abdicar de mais coisas para terem sucesso nesta modalidade?
O homem faz o mesmo esforço que a mulher, mas para nós algumas coisas tornam-se mais complicadas. Por exemplo: um homem se quer ser pai pode sê-lo à vontade, a qualquer altura que deseje. Agora nós, mulheres atletas, temos mesmo que esperar pelo momento certo para sermos mães. No meu caso: tento apurar para os Jogos, vou aos Jogos e só depois disso é que posso ser mãe. Tenho um ano ou dois em que posso estar mais descansada para me dedicar à maternidade. O homem está mais relaxado, não tem de deixar a modalidade.
Como é que vês o teu futuro a longo prazo?
No ano em que estive mais parada e não consegui o apuramento aproveitei para tirar uma cédula profissional de Educação Física aqui em Braga, no CEFAE, e que me deixa apta a trabalhar em ginásios, no mundo do fitness, de que também gosto bastante. Consegui fazer esse curso, que teve a duração de um ano, e agora estou a treinar mais tranquila. Um dia que deixe a alta competição – que por pena minha não dura sempre, a idade começa a passar – tenho um trabalho em que me focar, graças à cédula profissional. Eu fiz o Ensino Secundário e ingressei no Ensino Superior, em Educação Física, mas em 2012 congelei a matrícula para ir aos Jogos. E nunca mais regressei… (risos)
Achas que essa é uma das grandes preocupações dos atletas de alta competição?
Muitas vezes deixarem o percurso académico para segundo plano? Claro. Agora o Comité Olímpico, em conjunto com os Jogos Santa Casa, já começou a dar uma bolsa de apoio aos atletas que estão na faculdade, pagando-lhes as propinas. Assim também se torna tudo muito mais fácil. Eles têm de fazer determinado número de disciplinas, para terem a bolsa são mesmo obrigados a fazê-las. E assim não estão com aquela pressão de ter que fazer tudo e estar a pagar tudo do próprio bolso, porque é mesmo difícil conciliar o desporto de alta competição com estudos.
Como é a tua alimentação? Segues uma dieta rígida?
Não é um plano muito específico, mas tento sempre ter cuidado com aquilo que como. Em alturas de festa como estas, Natal e Ano Novo, há sempre dias mais relaxados, mas durante a semana normalmente é tudo muito mais regrado. Evito doces e fritos, opto pelos grelhados.
Não é complicado seguir esse plano quando tens de comer mais vezes fora de casa?
Não! Quando como fora tento sempre pedir grelhados. Claro que no fim de semana, que é quando como mais vezes fora, também acabo por facilitar mais um bocado (risos). Não há como comer em casa, a alimentação é mais saudável, mas almoçar ou jantar fora não tem de ser um drama.
A desmotivação nunca te ataca? Não tens dias em que só te apetece ficar no sofá?
O ano passado fui treinar três semanas em altitude, treinei muito bem, estive muito bem. Mal cheguei tive uma competição e correu-me muito, muito mal. Não me senti mesmo bem. O meu treinador na altura sossegou-me, disse-me que tinha estado em altitude, era normal, estava mais cansada. E eu fiquei a pensar: “mas estava tão bem e de repente estou tão mal!…”. Entretanto treinei, soube aceitar o meu desgaste e continuei a dar o meu melhor. Fiz a seletiva principal em abril e consegui ganhar e estar no meu auge. Também há dias em que sim, apetece ficar no sofá a preguiçar. Nos dias de mau tempo e frio, por exemplo. Mas tem de ser.
Então quais são os truques para contrariar essa desmotivação?
“Tem de ser, eu tenho resultados para atingir”. É sempre esse o meu pensamento.