No ano de 2022, 57% dos 76 milhões de pessoas a trabalhar em ciência e tecnologia eram mulheres. De acordo com o Eurostat, o serviço de estatística da União Europeia, quando nos focamos no subgrupo de mulheres a trabalhar como cientistas e engenheiras, esse número cai para 41%.
O Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) está empenhado em aumentar estes números. No INL, 42% dos investigadores são mulheres, distribuídas pelas três grandes áreas temáticas do instituto – 44% desenvolvem o seu trabalho na área de Saúde e Alimentação Personalizada, 35% na área de Tecnologias de Informação e Comunicação, e 21% em Energia e Ambiente.
Neste artigo mergulhamos nas histórias de quatro mulheres cientistas do INL, que nos inspiram com os seus projetos de investigação inovadores e com as suas histórias de vida. Estas mulheres, cientistas inspiradoras que estão na vanguarda da nanotecnologia, estão a abrir caminho para as gerações futuras, mostrando que há espaço para as mulheres na ciência e tornando a comunidade científica mais diversa e inclusiva. Começamos pela história de uma investigadora do Minho, natural de Braga, cuja dedicação e trabalho refletem o talento e a excelência que encontramos no INL.
“Segue os teus sonhos – se venceres, lideras; se perderes, nada é desperdiçado; cada experiência enriquece a jornada” – Swami Vivekananda
Alexandra Teixeira | Portugal
Alexandra acredita que “a ciência começa com a nossa curiosidade e constrói-se a partir das falhas e sucessos ao longo do caminho”, e é esse o lema que adopta no seu dia-a-dia. Uma investigadora jovem, Alexandra conta já no seu currículo com uma plataforma que permite detetar a presença de células de leucemia após o tratamento da doença. Células estas que, estando em circulação no nosso sangue, podem originar um novo cancro – as chamadas metástases. Neste momento, Alexandra continua a estudar o potencial de metástase, mas desta feita em células derivadas de cancro de mama. O seu trabalho já lhe valeu um prémio da Liga Portuguesa contra o Cancro – Núcleo Regional do Norte, em Setembro de 2024.
O desejo de contribuir para o avanço da ciência, e numa área tão importante para a sociedade como a investigação do cancro, e a possibilidade de usar tecnologias inovadoras e promissoras, foi o que motivou Alexandra a seguir uma carreira científica. Em suma, diz Alexandra, “a minha motivação sempre foi fazer a diferença, mesmo que o caminho fosse desafiante”. Esses desafios prendem-se, principalmente, com o alto nível de exigência de uma carreira científica, a escassez de oportunidades, e o saber lidar com a incerteza dos resultados científicos, que nem sempre são os esperados. No entanto, para Alexandra, é cultivando a resiliência e nutrindo a curiosidade que as mulheres conseguem ter um papel mais relevante na ciência e na sociedade em geral.
“Acredito que a ciência começa com a nossa curiosidade (perante um problema) e se constrói a partir das falhas e sucessos ao longo do caminho” – Alexandra Teixeira
Nivedita Chatterjee | Índia
Nivedita nasceu e cresceu em Calcutá, a “cidade da alegria”, considerada a capital cultural da Índia. Desde criança que Nivedita se interessou por história, arqueologia, e ciências, sendo que o lado analítico das coisas sempre a atraiu mais do que o lado descritivo. Como muitas crianças, dizia querer ser médica, mas quando visitou alguns institutos de investigação importantes, percebeu que realmente o que queria ser era cientista. Cedo se apercebeu que uma carreira científica trazia algo que Nivedita ansiava – a oportunidade de explorar o mundo enquanto trabalhava com impacto – “sempre acreditei que não pertenço apenas ao canto do mundo onde nasci, e esta carreira ofereceu-me a possibilidade de me conectar com o mundo em vários sentidos”. Sendo a Índia um país extremamente populoso, conseguir entrar para o mundo científico não é fácil. “Esta jornada foi tudo menos suave”, diz Nivedita, que enfrentou um nível de exigência muito alto em todos os lugares por onde passou – China, Japão, Coreia do Sul, França, e Portugal. Foi preciso muita determinação, resiliência, e trabalho árduo, mas compensou. Hoje em dia trabalha no INL e a sua investigação foca-se em avaliar a segurança de materiais à escala nanométrica. “Com a nanotecnologia cada vez mais integrada nos produtos que usamos no dia-a-dia, perceber o potencial impacto que pode ter na saúde das pessoas é crítico”, declara.
“Tenho tido a sorte de trabalhar com colegas excecionais. Em muitos sentidos, a minha jornada tem sido desafiante mas recompensadora. Ainda tenho caminho para andar para atingir os meus objetivos, mas sinto-me incrivelmente afortunada por trabalhar em ciência, que sempre foi o meu sonho”, diz Nivedita.
Carleane Reis | Brasil
Carleane recorda-se de na infância ler livros de ciência e observar o tio, eletricista, reparar pequenos eletrodomésticos. Um dia, resolveu desmontar uma televisão sozinha, determinada a perceber como funcionava, e acabou por apanhar um choque elétrico. O que para alguns poderia ter sido uma experiência traumática, Carleane viu como uma razão para aprender mais.
Devido às dificuldades económicas familiares, Carleane teve que estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Infelizmente, este não foi o único obstáculo no seu percurso – racismo estrutural, sexismo, e o sentimento de isolamento, por ser muitas vezes a única mulher na sala de aula, foram realidades que Carleane teve que enfrentar. Apesar de todos estes obstáculos, Carleane nunca desistiu dos seus sonhos e hoje tem uma carreira na ciência. Inspirada pelo seu percurso, decidiu usar as redes sociais para inspirar meninas e mulheres a seguirem carreiras na ciência e a encorajá-las a fazerem-se ouvir. Desde aí, lutar pelos direitos das meninas e mulheres na ciência tornou-se uma parte importante do seu trabalho. “Leiam sobre outras cientistas, sigam as suas jornadas, e aprendam sobre aquilo que investigam. Uma maneira de nos sentirmos fortes e encorajadas é perceber o que é possível, e uma maneira de fazer isto é olhar para mulheres incríveis que fizeram ciência antes de nós, muitas vezes com as suas histórias apagadas”, diz Carleane.
“Uma maneira de nos sentirmos fortes e encorajadas é perceber o que é possível, e uma maneira de fazer isto é olhar para mulheres incríveis que fizeram ciência antes de nós, muitas vezes com as suas histórias apagadas” – Carleane Reis
Elvira Paz | Espanha
Criada numa família de cientistas, Elvira recorda-se de sempre se sentir atraída pela ciência. Para perceber se uma carreira na ciência era realmente o certo para si, após a licenciatura, Elvira fez um estágio num laboratório e percebeu que a ciência era o caminho a seguir. Hoje trabalha no INL onde cuida de vários equipamentos, incluindo de raios-X, e ensina os investigadores como os usar na sua investigação. Uma das coisas que mais orgulha Elvira no seu percurso foi a otimização dos processos que permitiram à cleanroom do INL, a maior sala limpa do sul da Europa, começar a funcionar – um trabalho que pode passar despercebido mas que é fulcral para o funcionamento do INL. “Uma carreira científica é bonita, e muitas vezes frustrante” diz Elvira, “é um processo constante de tentar e falhar, porque muitas vezes as experiências não correm como esperamos e é difícil encontrar explicações”. No entanto, como diz Elvira, “quando conseguimos um bom resultado, ou quando percebemos algo, é muito enriquecedor”.
“O que não compreendemos hoje, compreenderemos no futuro“ – Garcia da Orta
A Perspetiva Global: Mulheres em STEAM
STEAM, sigla em Inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes, e Matemática, é uma abordagem educacional que integra diferentes áreas do conhecimento. Ao unir disciplinas como ciência e arte, por exemplo, esta abordagem estimula a criatividade, a resolução de problemas e o pensamento crítico nos estudantes, preparando-os para os desafios do século XXI. Como vimos no início deste artigo, as mulheres continuam a ser sub-representadas nas profissões científicas e de engenharia, apesar dos números terem vindo a aumentar nos últimos anos. No entanto, quando olhamos para posições de liderança, percebemos que o caminho para atingir a paridade ainda é longo. De acordo com a UNESCO, em 2018, 43% dos professores universitários eram mulheres, mas apenas 18% tinham cargos de gestão de topo. De acordo com a mesma fonte, em 2020 apenas apenas 15% dos cargos de reitoria de universidades eram ocupados por mulheres. No INL, dos 20 grupos de investigação e engenharia, apenas 4 deles são liderados por mulheres. Um número ainda aquém do objetivo e que o INL está comprometido em aumentar. A subrepresentação das mulheres em STEAM, e consequentemente em cargos de liderança, é um problema sistémico, com raízes profundas na sociedade. Além da falta de oportunidades, as mulheres enfrentam estereótipos de género, julgamentos baseados em crenças infundadas, e desigualdades salariais. Iniciativas com o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência e a campanha #HeForShe da ONU promovem a igualdade de género em STEAM e inspiram as próximas gerações.
Orgulho Local e Impacto Global
A nanotecnologia, embora opere numa escala impercetível ao olho humano, desempenha um papel indispensável na sociedade moderna. Guiado pela missão de excelência em nanotecnologia para o benefício da sociedade, o INL não se limita a produzir conhecimento científico, mas transforma investigação em soluções para desafios globais.
Com base nos valores de excelência, inclusão, diversidade, sustentabilidade, responsabilidade social, transparência, e uma visão global, o INL lidera internacionalmente o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, como sensores nanométricos para deteção precoce de doenças, ou células solares mais eficientes para produção de energia renovável.
De Braga para o Mundo, o INL é um símbolo de como o talento e a inovação local podem transcender fronteiras e gerar impacto global.
Atualmente, o INL tem em curso cerca de 200 projetos de investigação financiados por programas nacionais e europeus, que não só geram conhecimento como também contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, promovendo energia limpa e acessível, cidades sustentáveis, e água potável. Estas iniciativas colocam a Península Ibérica na linha da frente da inovação tecnológica e reforçam o compromisso do INL em transformar a ciência em benefício tangível para a humanidade.
Inspirar a próxima geração
As mulheres cientistas desempenham um papel crucial para inspirar a próxima geração. No INL, através de programas educativos, visitas escolares, e iniciativas de divulgação científica, mostramos às meninas e jovens que a ciência é acessível a todos. Ao partilhar as suas histórias, as cientistas do INL querem incentivar as gerações futuras a seguir os seus sonhos e acreditar que, se quiserem, podem ter uma carreira na ciência.
Ao quebrar barreiras, as mulheres do INL mostram que a diversidade é fundamental para avançar a ciência e para construir um mundo melhor e mais justo. Ao inspirar e formar as futuras gerações de cientistas, o INL contribui para um futuro onde a ciência será mais inclusiva e equitativa.
Partilhe este artigo, participe nos nossos eventos, apoie iniciativas que promovam igualdade de género na ciência, e incentive as jovens a seguirem as suas paixões. Juntos, vamos construir um mundo onde a ciência seja para todos e onde as mulheres tenham as mesmas oportunidades de contribuir para o avanço do conhecimento.
Catarina Moura, Gina Palha e Helena Macedo