É natural do Porto mas nos espetáculos gosta de dizer “Eu bim de Braga”, cidade onde reside. Foi no “Levanta-te e Ri” que João Seabra teve a oportunidade de se afirmar enquanto artista. Hoje em dia, é um dos mais conceituados humoristas do nosso país e, à Revista Minha, faz uma retrospectiva de quase 20 anos de carreira para além de abordar um dos espetáculos mais aguardados para este ano em Braga, onde será figura central de um roast no Altice Forum Braga, a 12 de novembro, local onde foi realizada a entrevista.
Como é que a comédia entra na tua vida?
Eu vim estudar para a Universidade do Minho em 1990, período em que eu e mais alguns amigos decidimos formar uma tuna académica, a Azeituna. Nessa altura, foi-me confiado o cargo de apresentador do grupo e uma das minhas funções passava por anunciar as músicas ao público. Nesses momentos “lançava” as minhas piadas e criei um estilo de apresentador cómico. Alguns anos mais tarde, em 2002, realizou-se precisamente nesta sala, que agora está mais bonita e moderna, o 1º Festival de Stand up Comedy em Braga e vários amigos “obrigaram-me” a inscrever no festival. Inscrevi-me, atuei e gostei da experiência. Foi nessa altura também que se iniciou o Levanta-te e Ri. A produção procurava novos artistas, convidaram-me para participar e a minha segunda atuação de stand up comedy foi ao vivo na televisão.
O Levanta-te e Ri foi o ponto de partida para a tua afirmação mas também de outros humoristas portugueses?
Sem dúvida. Quase toda esta geração de artistas de stand up comedy passou por lá.
Fazer humor em Portugal é rentável para o comediante?
É como no futebol. Há jogadores que ganham muito e outros que têm de ter outra profissão para se sustentarem. No humor também é assim. Alguns artistas conseguem destacar-se, trabalham muito em televisão, com grandes empresas e alcançam salários bastante atrativos. Mas há, por outro lado, muitos humoristas que não conseguem alcançar esse estatuto e precisam de diferentes meios de rentabilidade.
Ao longo do teu trajeto profissional de quase 20 anos, sentiste, em algum momento, um certo declínio enquanto artista?
Acho que é uma situação normal em qualquer tipo de carreira que envolva a projecção pública, onde há “altos e baixos”. Num determinado momento estás na moda e depois deixas de estar. Alguns artistas acabam, inclusive, por “desaparecer” deste meio. No meu caso específico, em determinadas alturas do meu percurso, também tive momentos menos bons. Temos que ser proativos e inovadores. Procuro sempre estar atento a tendências e novidades e ir alimentando o público com coisas novas. Mas não é uma tarefa fácil!
Concordas que o humor pode mudar o mundo para melhor?
Para melhor ou para pior (sorrisos). Acima de tudo pode mudar muitas consciências. Por isso é que muitos líderes de multinacionais ou os próprios políticos utilizam o subterfúgio do humor nos seus discursos. Porque, se for bem feito, ajuda-te a transmitir uma ideia de um modo mais forte e marcante.
A “concorrência” ajuda-te a melhorar?
Sem dúvida! O Levanta-te e Ri foi muito importante para a projecção de grandes nomes, como o Ricardo Araújo Pereira, o Bruno Nogueira, o Nilton, entre muitos outros. E olhar para todos estes artistas e ver aquilo que eles fazem, sempre com uma qualidade acima da média, é um grande incentivo mas coloca-te uma grande responsabilidade. E se queres “surfar a mesma onda”, tens de trabalhar muito e bem.
Enquanto artista, quais são as tuas maiores influências a nível profissional? Tens algumas referências?
Não tenho (sorrisos). Há, no entanto, muitos artistas que gosto de ver e outros que não gosto mas que vejo para saber aquilo que não quero fazer.
Quais são os teus grandes amigos neste mundo do espectáculo de comédia?
Felizmente, fiz muitos amigos ao longo do meu percurso. Os que estão mais próximos são também aqueles com quem mais trabalho e faço mais projectos em comum, nomeadamente o Miguel Sete Estacas, o Hugo Sousa e o Fernando Rocha.
«Há pequenos acontecimentos da nossa vida que podem ser motivo para uma grande piada»
Em que te inspiras para fazer humor?
Em tudo e em nada! Às vezes, pequenos acontecimentos da nossa vida podem ser motivo para uma grande piada, como por exemplo, quando alguém entra no café e diz uma barbaridade e nós olhamos para aquilo e pensamos “até pode não ser uma barbaridade e, se dermos uma volta a isto, pode mostrar um ponto de vista diferente”. É um pouco assim que funciona…
Nesse sentido, andas sempre de bloco na mão?
Antigamente era o bloco, mas agora é mais o telemóvel (sorrisos).
Com quem nunca gozaste nos teus espectáculos mas apetece-te imenso fazê-lo?
Tenho amigos que usam muito o humor negro e a crítica social. Eu já não me identifico tanto com esse tipo de humor. Por um lado, porque é datado, ou seja, tem prazo de validade. Hoje tem piada, mas daqui a dois ou três anos, já não tem contexto. Eu prefiro gozar com o próprio público e meter-me com as pessoas nos diferentes espectáculos. É uma forma também de conseguir interagir com todos.
E rirmo-nos de nós próprios é também um bom princípio nestas situações. É algo que prevalece nos teus espectáculos…
Sim, eu gosto de estar com as pessoas e dizer-lhes “agora vamo-nos rir uns dos outros”. Não gosto de usar o humor para rebaixar ou humilhar.
Portanto, há limites no humor?
Não acho que possa haver limites, mas eu gosto de estar no palco e sentir-me cómodo. E para isso acontecer não vou buscar assuntos nos quais me sinta desconfortável abordar ou fazer piadas mais ácidas. Eu avalio a qualidade do espetáculo de humor pelo número de gargalhadas e não pela quantidade de manifestações de alguma forma constrangidas. Prefiro que as pessoas estejam libertas, à vontade e que saiam divertidas do espectáculo. Não quero que saiam a pensar na vida e com uma “nuvem negra” em cima das suas cabeças.
Achas que há cada vez mais educação do humor?
Não considero. Há artistas com estilos mais agressivos e que gostam desse registo.
«Não gosto de usar o humor para rebaixar ou humilhar. Eu avalio a qualidade do espetáculo de humor pelo número de gargalhadas e não pela quantidade de manifestações,
de alguma forma, constrangidas»
Quais são os teus maiores desafios em termos criativos?
É o problema de todos os criativos, ou seja, a síndrome da “página em branco”. Temos que começar e não surge uma ideia, nada que nos desperte. O maior desafio é esse: dar o primeiro passo. Depois disso, o pensamento desenvolve-se e trabalha-se melhor.
Quando te surge uma ideia, gostas de a mostrar a alguém próximo de ti ou apresentá-la directamente num espectáculo?
Faço-o directamente no espectáculo. É um risco mas a piada está toda aí. Se vais com um texto que sabes que funciona em todo o lado, não vais absorver totalmente as boas energias do público. Eu gosto de obter reações positivas e, no momento, pensar “uau, ainda continuo a saber fazer disto” (sorrisos). E se mostrares antecipadamente a um amigo ou a um colega humorista, a reacção dele até pode não ser afirmativa e, provavelmente, vou perder a oportunidade de apresentar uma boa piada às pessoas porque fui condicionado por uma única opinião. O público é abrangente e a crítica de um grupo de pessoas é sempre melhor do que de uma pessoa só.
«O ventriloquismo permite-me alcançar vários tipos de público e, desde o miúdo de 4 anos ao idoso de 90, todos reconhecem magia a este registo»
Nos últimos anos fizeste uma aposta no ventriloquismo. Foi uma decisão de momento ou já há algum tempo que pensavas nisso?
A primeira vez que isso aconteceu foi em 2006, durante um Levanta-te e Ri, quando um diretor criativo do
programa me procurou e disse: “deram este boneco à minha esposa. Achas que consegues fazer alguma coisa com isto?”. Era um macaco, mas não o Sidónio… era parecido! Levei o macaco para casa, andei a brincar com ele, a testar uma ou outra voz e combinei que a próxima vez que fosse ao programa, faria algo diferente com aquele boneco. Aquilo correu bem e, a partir daquele momento, fui comprando mais bonecos, criei vozes para todos eles e a família foi crescendo (sorrisos).
Foi nessa altura que reparaste que tinhas jeito para este registo?
Sim, depois fui treinando cada vez mais e melhorando os desempenhos. Recordo que, juntamente com o Hugo Sousa e o Miguel Sete Estacas, durante seis anos, estivemos na Tertúlia Castelense, uma casa muito conhecida na Maia, a fazer um espectáculo mensal sempre diferente e onde eu utilizava sempre um momento ventríloquo. Ao longo do tempo, fui experimentando cada vez mais para melhorar também tecnicamente.
Portanto, a tua vida agora resume-se a falar “para o boneco”?
É mais ou menos isso (sorrisos)! Há quem possa pensar dessa forma, mas nos meus espectáculos a maior parte do tempo até é dedicado ao stand up comedy, os bonecos só vão aparecendo durante a minha exibição. Diria que faço espectáculos de stand up comedy com momentos de ventriloquismo.
Neste sentido, tornaste-te também um humorista para todas as idades e consegues alcançar vários tipos de público?
Sim, sem dúvida. É um registo que resulta muito bem nesse sentido. Olhamos para a plateia e vemos crianças de 4 anos e idosos de 90… há momentos para todos e o espectáculo ganha outro tipo de interesse. Inclusive, descobri com a introdução dos bonecos que existem muitos adultos que reconhecem muita magia ao ventriloquismo.
Enquanto artista, como é a tua relação com o público?
Pode não parecer, mas eu sou uma pessoa muito reservada. No palco sou diferente mas quando termino gosto de ficar no meu canto, tranquilo.
Stand up comedy, ventriloquismo, guiões e filmes. Tens feito isto ao longo dos anos. Qual é o registo que preferes?
Eu gosto de diversificar. Entrar na rotina é o pior que pode acontecer a um criativo, pois entras num ciclo que fica mais difícil passar a “página em branco”. Gosto de ter o cérebro a trabalhar, pensar em novas coisas, novos projectos, mudar o foco. Se conseguir e tiver a sorte de variar nos estilos é o melhor que me pode acontecer. Gosto de desafios!
Os teus espectáculos ficam também marcados por muito improviso. É a parte mais difícil do humor?
É a parte que mais gosto. Por exemplo, reconheço que nunca iria fazer teatro porque teria de me orientar por um guião e as minhas intervenções seriam sempre diferentes. E nos meus espectáculos eu sei, relativamente, como vão começar, mas nunca como vão terminar.
Tens andado em digressão por Trás os Montes. Como é que tem corrido esta experiência?
Está a correr muito bem. Já tinha feito algumas atuações nesta região e fui sempre muito bem recebido. É também uma excelente forma de chegarmos a alguns públicos que não estão habituados a receber este tipo de espectáculos.
Brevemente serás a figura central de um roast em Braga. Estás preparado para enfrentar este desafio e seres o alvo principal dos outros comediantes?
Sim, eles que venham (sorrisos). Há pouco disse que nos meus espectáculos não gosto de achincalhar as pessoas, no entanto, adoro fazer roasts, porque conheço a maior parte dos artistas que participam e dá-me gozo gozar com eles, mas sempre com piada (sorrisos).
Quais são as tuas expectativas para este espectáculo que promete encher o Altice Forum, no dia 12 de novembro, de boa disposição?
Vai ser muito fixe. Estou muito confiante! É o primeiro a acontecer em Braga, um conceito diferente que chegou muito recentemente a Portugal. Muitas pessoas ainda estranham este tipo de apresentação, mas acho-lhe muita piada, porque no fundo a essência do roast passa por gozar uma figura e, simultaneamente, elogiá-la.
Sofreres um roast é, no fundo, receberes uma homenagem. Ao longo destes anos procuraste mais a reinvenção ou a perfeição?
Provavelmente, mais a reinvenção. Sou muito “leve” e descontraído, e encontrar a perfeição com este tipo de características pessoais é muito difícil. É necessário muito método e cabeça, coisa que eu não tenho (sorrisos).
Para além de artista és também empresário, nomeadamente produtor de uma marca própria de cerveja artesanal. Como é que está a correr este lado mais sério da tua vida?
Podia correr melhor (sorrisos). É mais fácil ser humorista do que empresário. São muitas dores de cabeça! Quando estou em palco e as pessoas não estão a corresponder, só depende de mim mudar essa realidade. Como empresário, isso já não acontece. Estamos sujeitos a outros fatores.
Que sonhos tens e o que gostas de fazer no teu dia-a-dia?
Gosto muito de viajar e quero fazê-lo com mais frequência. Não só para conhecer novos países, diferentes realidades, mas também para fomentar os pensamentos e aliviar a cabeça. No dia-a-dia, sou muito tranquilo. Adoro ir aos fins-de-semana para a quinta dos meus pais em Castelo de Paiva, vestir o fato de macaco e andar a fazer podas, covas e plantar árvores.
E um livro sobre humor. Já pensaste nisso?
Já pensei nisso. Escrevi alguns textos para livros lançados por colegas meus, nomeadamente para o Óscar Branco e para o Fernando Rocha. Em nome próprio, já tive algumas ideias mas ainda “não me cheguei à frente”. Mas é um projecto em cima da mesa, talvez quando já estiver mais descansado, sentado a beber uma limonada debaixo de uma árvore, num ambiente mais cool… (sorrisos).
Quais são os próximos passos que pretendes dar profissionalmente?
É uma questão difícil de responder. Vamos indo e vamos vendo. Um passo de cada vez… talvez apostar numa sequela do filme que fiz com o Fernando Rocha. É um projeto pensado… vamos ver… O problema é que estou muito longe de Lisboa…
Vês-te a viver sem o humor?
Isso nunca irá acontecer. Posso não viver com o dinheiro que o humor me dá, mas o humor fará sempre parte de mim. Eu gosto dessa forma de ser e de estar. Nem que seja só entre amigos
«Posso não viver do humor, mas o humor fará sempre parte de mim»