O ouro português é dos que apresenta maior qualidade a nível mundial, sendo a maioria das peças nacionais de 19 quilates. A tradição de comprar, oferecer e usar ouro no país, mesmo em festas e romarias, tem vindo a perdurar no tempo, mas a comercialização deste “metal rei” tem vindo a viver altos e baixos recentemente. Até aos anos 80, os portugueses procuravam comprar ouro, porque viam nele uma garantia. É isto que defende Maurício Pires, que trabalha desde os 12 anos na Ourivesaria Pires, em Braga, criada pelo pai em 1927. «Daí para cá, digamos que apareceram estas casas de comprar ouro e as pessoas começaram a verificar que tinham valores em casa que não tinham noção de que tinham e começaram a vender», conta. Esta «perda de gosto por ter ouro» levou muitas ourivesarias a virar-se mais para a joalharia e alta relojoaria, revela ainda. Já José Pitães, da Ourivesaria Pitães de 1951, acredita que não há uma perda de «gosto de ter ouro», mas sim «falta de segurança». «O ouro é o metal rei, é um metal que, devido às potencialidades que tem – que não é só para uso pessoal, o ouro é o melhor condutor de energia que existe na parte elétrica, por exemplo, tem um potencial muito alto -, está muito caro. E por estar caro provoca realmente a vontade, aos ladrões, de o procurar», frisa. «Não temos segurança. Por isso, o mercado da ourivesaria fracassou. Posso dizer que este ano é dos mais fracos da minha vida na comercialização de ouro», acrescenta. «O máximo das vendas de ouro foi em 1999, ano em que, em Portugal, se consumiram 33 toneladas de ouro», adianta Manuel dos Santos, da Alfena – Ourivesaria de Travassos, na Póvoa de Lanhoso. A partir daí, a comercialização sofreu «um declínio constante, para o qual o ourives acredita terem contribuído vários fatores: «O fator emigração, as gerações mais velhas, que compravam mais ouro, envelheceram, e os novos agora têm outros tipos de consumo e compram menos ouro, alguma alteração dos gostos e de se querer peças mais efémeras, porque uma peça de ouro é mais durável no tempo, é uma jóia de família». A estas questões juntaram-se ainda a crise subprime, em 2008, e a pandemia de Covid-19 que impediu eventos como casamentos e batizados em 2020 e 2021. Com o regresso lento à normalidade, começa a haver alguma retoma nas vendas, mas de forma alguma comparável ao que se vendia antes destes dois períodos. «Posso estimar que talvez hoje em dia o consumo de ouro ande pelos 10% daquele valor de referência máxima», refere Manuel dos Santos. Já José Pitães frisa que é impossível fazer um balanço dos últimos dois anos, devido aos confinamentos provocados pela pandemia, mas assegura que o ouro é principalmente vendido em duas épocas do ano: agosto e dezembro. «Precisamente o mês de verão, em que vêm os emigrantes, porque eles são os únicos que realmente ainda têm um gosto enorme pelo nosso ouro, porque o nosso ouro tem brilho, tem encanto e valor e então ainda movimentam um bocadinho de dinheiro. Depois, vem o mês das prendas, que é o mês de dezembro», explica.
Adeus ouro, olá aços e pratas?
O consumo da ourivesaria mudou. Disto, têm os três ourives certezas. No entanto, não têm também qualquer dúvida de que quem quer valorizar a memória de alguém, oferece ouro. Pulseiras e fios de criança, lembranças para netos e afilhados e mesmo alianças de casamento são peças em que o ouro é rei, exatamente pelo valor que dão às memórias. «Uma peça de ouro fala toda a vida. Memoriza sempre a memória de alguém, porque o ouro é eterno. O ouro é eterno», garante José Pitães. Também Manuel dos Santos confirma que «quem quer, de facto, valorizar alguém, valoriza com ouro, porque o ouro é efetivamente de grande valor». No entanto, à medida que os anos vão passando, faz-se sentir uma substituição do ouro pelos anos e as pratas por parte das novas gerações. Em primeiro lugar, porque os jovens «nem têm dinheiro para o ouro», como menciona José Pitães. O “metal rei” que, durante cerca de 20 anos, teve uma cotação que rondava os dez euros, com a crise de subprime «chegou aos 40 euros e agora anda pelos 50», avança Manuel dos Santos. O valor mais elevado torna o ouro numa peça de prestígio e, para os jovens, um maior «risco de perder uma peça maior». «Acho que a questão do aço ou da prata são opções que as pessoas tomam. Antes já havia as bijuterias e outro tipo de coisas, portanto, não é isso. O facto é que as pessoas hoje veem uma peça em que o metal multiplicou por cinco em relação ao valor de referência de há dez ou 15 anos. De facto, houve uma valorização enorme do metal», explicita o ourives. Em relação aos materiais escolhidos para substituir o ouro, José Pitães admite que «a prata é mais fresca e realmente suporta a moda de uma forma em que as pessoas andam mais à vontade, porque o valor acaba por fazer com que, se a perderem, não se perde muito». Já o aço, alerta «tem um brilho diferente, mas até acaba por ser perigoso». «Uma aliança em aço, se tivermos o azar de o dedo inchar, não dá para cortar. A prata é mais mole e cortamos com muita facilidade», revela. Para além do valor, o ourives acredita tratar-se de uma questão de valorizar a «tradição». «Os jovens não conseguem ter a perceção realmente do valor do ouro, como os antigos, nem sabem o valor do ouro já», defende. «Vejo jovens a querer comprar alianças de casamento e a fugir aos mais baratos, quando as alianças, à partida, são para toda a vida e se devem escolher bem», acrescenta. Ainda assim, nenhum dos ourives acredita que a maior procura por estes materiais vai realmente ameaçar a comercialização do ouro. «As modas são cíclicas. O aço e as pratas já se venderam muito, mesmo em anos que se vendia muito ouro», sublinha José Pitães, que defende que «nunca se perderá a ideia de usar ouro», já que as pessoas «quando têm possibilidades, gostam sempre de ter ouro, uma jóia».
«O ouro é eterno», mas será também a sua valorização?
Ao longo dos últimos anos, como explicam os ourives, o ouro tem vindo a ser muito valorizado. Em 2007, antes da crise subprime, o valor do ouro por grama, em euro, em muito pouco ultrapassava os 18 euros, tendo atingido um valor máximo nesse ano a 28 de dezembro, data em que o preço do ouro marcava 18,362 euros por grama, segundo o portal Bullion Rates. A partir de 2008, ano em que se registou um valor do preço máximo do ouro por grama a 9 de outubro (21,567 euros/grama), o ouro foi sendo cada vez mais valorizado, tendo atingido um preço máximo de 44,310 euros/grama no dia 3 de outubro de 2012.
A descida do preço do ouro entre 2013 e 2014 foi pouco duradoura, tendo voltado a ascender constantemente até ao presente ano. De acordo com dados recolhidos até ao dia 4 de agosto, o valor máximo do ouro em 2022 foi de 58,360 euros/grama, registados a 13 de abril. Já o valor mínimo, este ano, foi marcado a 3 de fevereiro (50,769 euros/grama). Porque é que o ouro tem ganho tanto valor? «Porque o ouro é um referencial”, avança Manuel dos Santos. “Sempre que há uma crise económica, o ouro sobe. Porque é que sobe? Porque os investidores refugiam-se no ouro, porque sabem que é um valor seguro, foi sempre», acrescenta. Atualmente, as subidas do preço do ouro também se justificam, diz Manuel dos Santos, pelos «mercados emergentes da Índia e da China». «Com a importância que dão ao ouro e a maior capacidade económica, pressionam mais o mercado mundial, a procura aumenta e aumenta o preço», explicita o ourives. «O ouro tem tido sempre essa valorização», garante ainda. Para o consumidor também há sempre uma valorização, assegura José Pitães. «É a única coisa que, depois de velha e toda amassada dá dinheiro», revela. Para clarificar esta questão, o ourives estabelece até uma comparação com a roupa que vestimos. «Se pensarmos na roupa que estamos sempre a usar, a lavar e a engomar e na qual gastamos dinheiro, pagamos na compra o mesmo imposto que o ouro, que são os 23%. No final, fica velha, no entanto, estamos sempre a gastar dinheiro com ela e depois deitamos tudo fora. O ouro tem sempre uma garantia de 50% da matéria prima valorizada», explicita. Na bolsa, a valorização do ouro é «sempre garantida», garante José Pitães. No entanto, será que o ouro vai continuar a ser também valorizado pelo consumidor? O responsável pela Ourivesaria Pitães de 1951 acredita que não da mesma forma. «Cada vez vai-se vender menos. O ouro vai mudar. Vai mudar bastante. Já está a mudar aos bocados. As pessoas, em vez de comprar ouro de cotação alta – 80% de ouro e 19 quilates – já estão a ir para meio ouro, que é o ouro de nove quilates», adianta. O futuro que se avista para o ouro é então de uma valorização contínua do ouro nos mercados. Já para a comercialização de ourivesaria em ouro, o futuro é, como frisa José Pitães, de «um ouro mais pobre».