ENTREVISTA A GRACIELA MACEDO, AUTORA DO BLOG “GRACE NA COZINHA”
Minhota e afincada tradicionalista, Graciela Macedo é uma apaixonada pela Gastronomia Tradicional Portuguesa, pela cozinha de afeto e, principalmente, pelos pratos ricos do Alto Minho. Em 2014, lançou o blog “Grace na Cozinha”, onde partilha receitas que fazem parte da sua vida. Em entrevista à Revista Minha, conta um pouco do seu percurso, do gosto que tem pela cozinha, revelando ainda os sonhos por cumprir.
Para quem não te conhece, quem é a Graciela Macedo?
Sou a Graciela Macedo, 38 anos, portuguesa e natural de Viana do Castelo, mas com o coração dividido por vários lugares do Minho. Nomeadamente, Fragoso freguesia onde cresci e onde estão a maioria dos meus familiares. Estudei em Viana do Castelo e formei-me em Vila Nova de Famalicão na área do Design, e é a cidade onde vivo atualmente. No meu percurso da adolescência tive ligação a Ponte da Barca durante alguns anos, e ironia do destino ou não, mais tarde, regresso a este concelho, neste caso a Lindoso, onde após uma visita em Turismo Rural, adquirimos habitação, neste lugar simples, que me leva (sempre que posso) de volta às minhas memórias e vivências no campo, de uma vida simples sem opulência ou vaidades. Considero-me uma alma fora do seu tempo. Com os gostos, talvez desadequados à minha idade. Gosto de tradições, de antiguidade e fazer as coisas à moda antiga. Gosto de estar rodeada de pessoas mais velhas, pois são boas orientadoras da vida e dotadas de cantorias e sabedorias. Gosto da terra, por isso tenho uma mini horta mesmo na cidade. Gosto de animais do campo, de panelas velhas e uma lareira a arder. Gosto de conhecer todos os costumes de cada lugar, em especial os do meu distrito, onde moram as minhas raízes e coração. Gosto da simplicidade da vida, totalmente consciente que quanto menos temos, mais felizes somos.
Conta-nos mais sobre o teu blog “Grace na Cozinha”. Como e quando surgiu?
O blog surge em Janeiro de 2014, primeiramente como um entretenimento, pela insistência de amigos e conhecidos, que achavam que deveria partilhar o meu gosto pela cozinha. Então, se iria partilhar receitas, o que para mim fazia realmente sentido seria a partilha das receitas que faziam parte da minha vida e que tinha maior aptidão para cozinhar, portanto foi instintivo seguir este caminho. Para além disso, achava que as páginas de receitas que já existiam eram mais do mesmo, então porque não, mostrar a base, as receitas que as mães, avós ou tias do meu lugar preparavam e estimular as memórias afetivas relacionadas com esses pratos. Depressa descobri, que estes pratos simples estimulavam essas memórias também nos outros. Mesmo a quem vive noutras localidades mais a centro ou sul, a sua maioria tem ligações familiares ao Minho e estes pratos reavivavam as suas memórias gustativas e momentos de convívio, em que reina a simplicidade, o saber receber com grandes manjares e a alegria que nos caracteriza.
O que tens retirado desta experiência?
Bem, para um simples hobby, a página tem-me trazido bastantes experiências e reações muito positivas. Tais como a ida à televisão preparar pratos que fazem parte da minha vivência e do receituário minhoto. Convites para showcookings, ofertas e parcerias remuneradas com algumas marcas. Em que a ligação surge pelo gosto comum da tradição aliada ao “saber fazer” da gastronomia Minhota.
Quando descobriste este interesse pela culinária e aprendes-te a cozinhar?
Na verdade, e como já admiti publicamente, não sou a típica pessoa que cozinha desde pequenina. A minha mãe é uma ótima cozinheira, embora de pratos simples, no entanto, como era doméstica tínhamos a vida facilitada na cozinha. A minha querida avó materna, também sempre foi uma mulher de vida. Com 14 filhos, amou todos incondicionalmente. Cozinhava na sua lareira de pedra e recordo-me bem do bolo de toucinho e sardinha, que preparava com sabedoria, para partilhar com todos os filhos e amados netos. Foi vendedora de tremoços durante muitos anos fora da igreja da terra e ainda hoje é um ícone na freguesia, o que tanto nos orgulha. Nas suas visitas, nunca poderia faltar um punhado de tremoços, regueifa e chouriça na mesa. A sua capacidade de desenrasque e resiliência serviu com certeza de inspiração e está nos genes de toda a família. Também não me posso esquecer do meu padrinho, que é ainda hoje um excelente cozinheiro de profissão, dá-me muitas dicas culinárias sempre que preciso e quiçá tenha herdado a sua bênção (sorrisos). Para além disso, fui sempre acompanhando os cozinhados e costumes de quem me rodeava. Criávamos animais em casa e ajudava na matança das galinhas, patos, coelhos e até na matança do porco em casa dos vizinhos. Talvez por isso, hoje, não tenha pudores em tratar todos os alimentos com as mãos. Para além disso, o meu pai tinha alguns livros clássicos da cozinha portuguesa, os quais ia lendo nos tempos livres. Talvez por isso e, inconscientemente, tenha absorvido toda essa informação! O cozinhar a sério surge, quando me mudo para Vila Nova de Famalicão e começo a cozinhar. Foi assim que percebi, que afinal fazia facilmente os mesmos pratos que estava habituada em casa dos meus pais. Parecia que tinha as receitas e todos os seus passos gravados na memória. Sempre soube que tinha nascido para muitas coisas e com o tempo, fui descobrindo que o gosto pela cozinha era uma delas.
Lembras-te do primeiro prato que fizeste? Como correu?
Perfeitamente! E correu muito mal (sorrisos). Não sei bem com que idade, mas já devia ter uns 12 anos. A minha mãe pediu para adiantar a sopa para o jantar. Era habitual colocar arroz para dar alguma subsistência à sopa, já que era a nossa única refeição à noite. Fui colocando arroz e mais arroz, a achar que não chegava, porque simplesmente não via o arroz crescer. Por fim, coloquei 1 kg de arroz em mais ou menos uma panela de 2 litros de água e couve. Podem imaginar o resultado e a fúria da minha mãe quando percebeu que não tínhamos jantar.
Onde vais buscar inspiração para os pratos bonitos e deliciosos que apresentas no blog?
Como disse anteriormente, as receitas mais simples e tradicionais estão na minha génesis, memória e na ponta das minhas mãos. Quase como magia, sei quais os ingredientes e o que combina com o quê. No entanto, apresento também outras receitas mais atuais, adaptadas às cozinhas de hoje, para conseguir chegar a todos os públicos e idades mais jovens. Essas receitas acontecem depois de alguma pesquisa e adaptações ao meu gosto. A parte estética e de foodstyling veio com o tempo. Através da experiência que fui adquirindo, mas também através de pesquisa, livros desta área e inspiração também adquirida através de outros blogues nacionais e internacionais.
Qual é a tua maior motivação para continuares a criar receitas?
Continuar a mostrar estas receitas mais antigas que a minha própria geração, a quem estiver interessado e motivar a experimentarem em casa sem timidez. Lembrar a origem de muitos destes pratos e incutir para que não desistam da simplicidade da nossa cozinha minhota, que é tão rica, mesmo partindo de uma base tão simples. E já que estamos numa era tão digital, extravasar estas receitas e pequenos “segredos” para fora dos livros antigos e das mãos das melhores cozinheiras da nossa zona.
És da opinião que “há uma poderosa influência dos bons manjares na felicidade do lar”. Porque é que 46 achas que comer bem traz sensações positivas e harmoniosas às relações e ao bem-estar das pessoas?
Pois, com certeza! A frase “há uma poderosa influência dos bons manjares na felicidade do lar” não é da minha autoria, mas sim de um dos livros que herdei do meu pai, “Tesouro das Cozinheiras” (2.ª edição), que defende que uma boa dona de casa e cozinheira influencia o bem-estar de toda a família. Dando esse papel exclusivamente às mulheres, ponto com o qual devo discordar. Felizmente, o ser humano evoluiu nesse sentido, permitindo que, atualmente, o papel da cozinha ou casa seja partilhado ou totalmente gerido pelo homem da casa sem que haja qualquer preconceito com isso. Uma refeição na mesa, preparada em casa, seja pelo homem ou mulher, depois de um dia fora, proporciona um momento de convívio diário único. Se repararem, tanto na preparação, como no momento de desfrutar da refeição, em circunstâncias normais, é o único momento do dia em que a família se junta, sem correrias e conversa de como decorreu o dia. Dando assim, ênfase à frase da questão colocada, a meu ver, o momento da refeição é importantíssimo para a união, para o convívio, para reforçar laços, na melhoria de relacionamentos, na felicidade e na estabilidade do seio familiar. Isto serve também para os convívios em família e amigos. Todos estes pontos são fomentados desta forma, com um bom manjar pelo meio. Certo? Acredito também que, tal como a música, a comida tem o poder de conseguir mudar um estado de espírito. Por exemplo, se prepararem o prato favorito, para alguém que está triste ou zangado, atenua, pelo menos naquele momento, o estado emocional da pessoa. Por isso, costumo dizer com frequência: “uma boa refeição cura corações partidos e salva dias difíceis”. Não concordam comigo? Recordo-me bem da minha mãe, sempre que eu estava doente fazia o meu prato favorito. Caramba, mesmo sem apetite, sentia-me acarinhada e feliz por comer ovos com batatas fritas, e isso, já era “meio caminho andado” para a cura.
És Designer de profissão. Quais são os teus planos para o futuro? Continuar neste formato, conciliando as duas áreas, ou pretendes apostar fortemente nesta paixão pela gastronomia?
Neste momento e para minha realização profissional, já estou a conciliar as duas áreas. Foi um caminho longo, involuntário, mas que tem trazido ótimos reflexos. Através das marcas que fui angariando, crio receitas com os seus produtos, cozinho, fotografo e, no final, ainda desfruto do que preparei. Haverá melhor hobby? (sorrisos) Fazendo também, em algumas das situações a gestão e criação destes e outros conteúdos nas suas páginas. Desta forma, em alguns casos fui conquistando a confiança dos clientes com o meu trabalho gráfico e em simultâneo consigo realizar outros trabalhos de publicidade e faço a gestão da marca dessas mesmas empresas. No futuro? Gostaria de poder dar um salto na área da gastronomia, nunca direcionada para a restauração, talvez com serviços de consultadoria nesta área ou um serviço mais personalizado diretamente ao cliente. Neste momento, em conjunto com o meu marido estamos a criar um alojamento privado de Turismo numa pequena aldeia nos Arcos de Valdevez, com um fundamento muito especial, mais propriamente a reabilitação de uma Escola Primária, pertencente ao Plano dos Centenários. Um programa desenvolvido pela própria Câmara Municipal do Arcos de Valdevez, para reabilitação e valorização destes espaços em todo o concelho. A ideia seria, haver a possibilidade de a estadia incluir uma refeição preparada in loco, de alguns dos pratos mais tradicionais do Alto Minho. Respeitando todas as características que também aprecio num bom prato gastronómico. Com o uso de produtos locais, criados de forma simples e cozinhados tradicionalmente em forno a lenha ou no pote. A vontade seria sempre continuar a conciliar as duas paixões, mas só o tempo dirá se este projeto irá ou não condicionar a disponibilidade da minha profissão atual.
O teu percurso profissional teve alguma influência na criação do blog?
Influência não teve, mas penso que o facto de ser Designer de profissão, faz com que tenha um sentido de estética mais cuidado e apurado. Facilita também bastante a articulação em programas adequados à edição de fotografia.
Defines-te como “Minhota e afincada tradicionalista. Uma apaixonada pela Gastronomia Tradicional Portuguesa, pela Cozinha de Afeto, e principalmente pelos pratos ricos que temos no Alto Minho”. Quais são as características gastronómicas que mais aprecias?
Aprecio a honestidade na comida, simplicidade e, sem dúvid,a a história e a ligação da tradição àquele prato. Aprecio uma refeição com ingredientes caseiros, da época e cozinhados da forma mais natural possível. Isso altera completamente a intensidade e aromas do prato. Um simples arroz de tomate, preparado com tomate fresco do quintal, resulta num arroz talvez com menos cor, mas com sabor muito mais apurado. Feijoada, sopa ou arroz de feijão, com feijão demolhado de véspera, altera completamente a goma e textura de qualquer um destes pratos. Ou um típico arroz de cabidela, mas com um verdadeiro pica no chão. Alimentado a mílharos, couve e criado livremente. Aqueles passeios vão enrijecer a carne do animal e torná-la mais saborosa. Desta forma, não precisamos de truques, nem grandes segredos para cozinhar qualquer iguaria, porque são os próprios ingredientes “as estrelas” do prato e resultam em refeições honestas, mais saudáveis (a nível de ingredientes não processados) e repletas de sabor.
Qual é o teu prato favorito?
Ui, essa é uma escolha difícil! Arroz de cabidela, feijoada, arroz de merendeiro, roupa velha, ervilhas com ovos escalfados, cabrito no forno, sopa de nabos com chouriça de verde, rojões e sarrabulho, fazem parte de alguns dos meus pratos tradicionais favoritos. Mas claro, que existe espaço para outras iguarias, mesmo não sendo parte do receituário tradicional do Alto Minho. Tal como umas ameijoas à Bulhão Pato com bastantes coentros, ou um bom risotto de cogumelos tão difícil de encontrar.
O que é que não pode faltar na tua cozinha?
Cebolas, alhos, louro, azeite de qualidade, bom vinho para temperos, limões, cominhos, fruta e legumes da época.
Qual é o teu maior sonho?
Posso sonhar? Gostaria, daqui a 20 ou 30 anos, sentir que fui uma referência na divulgação do “saber fazer” da Cozinha Tradicional do Alto Minho. Inclusivamente, com a edição de um livro com as minhas receitas. Para além disso, gostaria muito de regressar às minhas origens ou pelo menos a uma vida mais livre, simples e sem correrias. Ter uma horta a valer e animais. Alimentarmo-nos, tal como antigamente, somente do que semeamos e criamos. Cuidar de mim e dos meus. Pode parecer um sonho pequeno, envelhecido, tal como a minha alma, mas só assim voltarei a ser livre e totalmente feliz.
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