Opinião

A Pandemia e a construção do amanhã

A Maria tem dois anos e conviveu com pouco mais de uma dúzia de pessoas. A Joana tem medo de ir ao café. O Francisco só quer jogar computador. O Rodrigo não sabe fazer amigos. A Catarina dorme agarrada à mãe. O Gonçalo não aponta, não mostra, apenas puxa os pais sem olhar. A Leonor tem medo do amanhã…

Os nomes são fictícios, mas as experiências são reais. Todos sabemos que a pandemia COVID-19 criou desafios dramáticos à sociedade. Exigiu medidas políticas e sociais severas e apanhou as populações desprevenidas, acentuando o desafio à saúde mental que já vínhamos a enfrentar. E os mais jovens, elementos vulneráveis da sociedade, viram o seu desenvolvimento atingido nos aspetos que lhe são mais críticos: cuidadores emocionalmente estáveis e responsivos, interações sociais ricas e reciprocas e ambiente enriquecido, pleno de desafios, respeitador da sua identidade e necessidades, promotor de autonomia. Como afirmou Maria Montessori “para ajudar uma criança, devemos fornecer-lhe um ambiente que lhe permita desenvolver-se livremente”. No entanto, vivemos numa sociedade afetada na sua segurança e estabilidade infligindo marcas profundas na saúde mental e neurodesenvolvimento de crianças/jovens, que o dia a A Pandemia e a construção do amanhã dia deixa antever. A pandemia provocou e provoca insegurança, isolamento físico, incerteza, medos, ansiedade e perda. Isolou as famílias no cuidado das suas crianças e privou os mais novos de experiências. Aumentou exponencialmente o stress familiar e a exposição das suas lacunas educativas, pôs a nu as fragilidades de cada um, desregrou a exposição a écrans, favoreceu o sedentarismo, quebrou os laços comunitários e aumentou o stress sobre os sistemas educativo e saúde. Em muitas escolas o medo imperou espelhado nas restrições à socialização e no hiperfoco nos conteúdos académicos. O acesso à saúde ficou prejudicado com intervenções e seguimentos adiados. Todos estes fatores de stress exercem forças contrárias ao bem-estar mental. Apesar do impacto da interrupção da socialização normativa e aprendizagem durante fases críticas de desenvolvimento ainda estar por avaliar, no dia a dia, é já visível o seu efeito. Urge, portanto, eleger a saúde mental e neurodesenvolvimento como prioridade e retificar prontamente os planos de atuação. A criança de hoje precisa de desafios, convívio, regras promotoras de saúde (como uso supervisionado e regrado de écrans, tempo de recreio e brincadeira), métodos de ensino inclusivos, ligações seguras a adultos emocionalmente disponíveis e tolerantes, para ser o adulto saudável de amanhã. É, também, essencial estarmos todos atentos na identificação dos sinais de sofrimento mental e atraso intervindo prontamente. Esteja atento ao seu filho, aluno ou utente e ao comportamento (sinal das suas emoções), observe e convide a criança/jovem a falar sobre como se sente. Dar resposta às suas necessidades através da interligação famílias-educação-saúde-comunidade é essencial para prevenir as patologias relacionadas com o neurodesenvolvimento e saúde mental. É urgente repensar o hoje na construção de um amanhã saudável. Pelas nossas crianças e pelo seu/nosso futuro!

Clara Alves Pereira,

Pediatra do Hospital de Braga

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