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O LENÇO DO AMOR

O mês de Fevereiro salta para a ribalta no concelho de Vila Verde. A iniciativa “Mês do Romance” promove um conjunto alargado de iniciativas para desenvolver a vertente cultural da região. Ao longo de 28 dias, desenrolam-se no concelho dezenas de ações de moda, cultura, lazer, gastronomia ou artesanato e Vila Verde enche-se de orgulho para receber milhares de visitantes, num encontro que, ano após ano, tem alcançado estatuto nacional e internacional. Associado a este evento estará sempre o Lenço dos Namorados, um lenço fabricado a partir de um pano de linho fino bordado com motivos variados e usado como ritual de conquista. Para além de integrar desenhos, alguns padronizados, os lenços costumam ter também palavras ou versos coloridos. Segundo a tradição minhota, o lenço era bordado pelas raparigas com idade para casar para, posteriormente, ser oferecido aos seus namorados. Constituía-se como «uma prova da declaração feita pela bordadeira ao seu namorado e na maior parte dos casos esta declaração era atendida pelo “conversado”». Em conformidade com a atitude deste de usar o lenço, ou não, decidia-se o início de uma ligação amorosa. Um saber da cultura popular que atravessou gerações (remonta ao século XVIII), abraçou a modernidade, tornando-se um símbolo da identidade nacional. E se no início se constituía como panos brancos e linho onde as jovens raparigas bordavam com linhas coloridas os símbolos do amor e da natureza, as quadras apaixonadas com que declaravam amor ao seu pretendido, hoje em dia, é fonte de inspiração de artistas, artesãos, estilistas e empresários das mais variadas áreas, que os adaptam e reinventam. Que os utilizam como fonte de inspiração e estímulo criativo. Como motor de dinamização económica e social, continuando a transmitir mensagens de amor, afeto, paz e amizade. Para este estatuto, muito tem contribuído a Aliança Artesanal – Centro de Dinamização Artesanal, em Vila Verde, através de um trabalho de recuperação, preservação e recriação desta bela forma de arte que foi legada pelos antepassados, transmitindo-a às gerações mais jovens. As mãos sábias das bordadeiras têm sido fundamentais, contribuindo decididamente para este posicionamento. Sem medos e destemidamente, arregaçaram as mangas e tomaram conta do próprio destino, fazendo da arte de bordar o seu sustento. O crescente interesse por esta genuína tradição levou à criação da marca territorial do Município de Vila Verde, a Namorar Portugal, contando com dezenas de parceiros, de Norte a Sul do país, nas mais diversificadas áreas, destacando-se os milhares de produtos no mercado, espalhados pelos quatro cantos do mundo, que têm contribuído para consolidar os Lenços de Namorados como um dos maiores símbolos da cultura popular portuguesa e da identidade nacional. E em fevereiro, no mês do romance, os Lenços dos Namorados assumem ainda mais preponderância, catalogando-se como uma excelente opção para oferecer à sua cara-metade. A Revista Minha visitou a Aliança Artesanal e foi conhecer a origem deste ícone popular e cultural do concelho de Vila Verde. Para além de assistirmos ao trabalho desenvolvido pelas bordadeiras, estivemos à conversa com a presidente do município, Júlia Fernandes, um diálogo centrado nos famosos e arrebatadores Lenços dos Namorados e na Gala Namorar Portugal.

Em Vila Verde, esta tradição tem raízes profundas, perdendo-se na bruma dos tempos

O que são os lenços de namorados e como é que surge esta tradição em Vila Verde?

Os lenços de namorados, também conhecidos como lenços de pedido ou lenços de amor,  constituem singulares peças de artesanato, em linho ou algodão, bordadas com motivos florais e com símbolos e mensagens de amor, geralmente na forma de quadras populares escritas num português simples,  repleto de marcas de oralidade. Estes lenços eram ainda parte integrante da indumentária das senhoras, revestindo ora uma função meramente decorativa ora, e sobretudo, um meio para a conquista do amado. Em Vila Verde, esta tradição tem raízes profundas, perdendo-se na bruma dos tempos, tendo sido revitalizada no âmbito do trabalho de parceria entre a Aliança Artesanal e o Município de Vila Verde.

Apesar da forma de pedir namoro ser diferente nos dias de hoje, o lenço não foi ultrapassado, nem esquecido e continua a ser procurado. É um produto intemporal, cada vez mais contemporâneo e com alcance internacional. Como é que isso foi conseguido?

O trabalho de estreita colaboração  entre a Cooperativa Aliança Artesanal e o Município de Vila Verde e, mais recentemente, a criação do Centro de Dinamização Artesanal de Vila Verde permitiram não apenas evitar que a tradição dos lenços de namorados desaparecesse como ainda contribuíram para o avanço de um projeto de revitalização e de projeção deste património tangível representativo da cultura popular de feição rural na região, no país e no mundo. A genuinidade e a qualidade do labor das bordadeiras, a aposta na formação e na qualificação das mesmas e todo o trabalho de planeamento e de execução de programações e iniciativas em torno da divulgação, promoção e valorização dos lenços, nomeadamente no âmbito da programação Fevereiro – Mês do Romance e, particularmente, da iniciativa Namorar Portugal, têm vindo a dar bons frutos. De facto, ao longo dos últimos anos, esta dinâmica de alavancagem do artesanato, especialmente inspirada nos motivos dos lenços de namorados, tem beneficiado do talento criativo, do espírito empreendedor e da capacidade de inovação de vários criadores e agentes locais e regionais, potenciando a conceção de novos produtos muito apelativos para os consumidores, em geral, e para os apreciadores da simbiose que está a ser feita entre a tradição e a modernidade, em particular.

Ao longo dos tempos, principalmente, nos últimos anos, a imagem do lenço de namorados pode ser encontrada noutro tipo de suportes, como se pode ver na vossa loja Namorar Portugal?

É já muito significativo o número de artigos do mais diverso jaez que nasceu com base numa inequívoca inspiração nos motivos decorativos dos lenços de namorados, porque os criadores reconhecem e encontram nos mesmos imensas potencialidades e, principalmente, uma intemporalidade digna de registo que faz com que encaixem na perfeição numa grande multiplicidade de atividades e produtos, desde os têxteis e ao calçado, até às porcelanas, aos objetos de adorno e às jóias, à moda, entre muitos outros. Assim e também à mercê de uma sólida e bem estruturada estratégia de comunicação, temos, com indisfarçável agrado, assistido a um crescimento exponencial dos produtos que divulgam uma arte ancestral que se impõe continuar a preservar e a valorizar.

Temos assistido a um crescimento exponencial de produtos que divulgam uma arte ancestral que se impõe continuar a preservar e a valorizar

Esta gama cada vez mais crescente de produtos é também uma forma de envolver artesãos, empresários, empresas e parceiros locais de diferentes áreas ou setores…

O objetivo é, por um lado, preservar uma tradição cultural identitária e, nessa perspetiva, com um valor incomensurável. Por outro lado, estamos também a potenciar a sustentabilidade económica de muitos artesãos e bordadeiras, ao mesmo tempo que ajudamos a criar condições para que o setor empresarial floresça e, assim, sejam, igualmente, criados, direta e indiretamente, novos postos de trabalho.

A Gala Namorar Portugal é o ponto alto do ano para mostrar toda esta criatividade?

A Gala Namorar Portugal é o ponto alto desta estratégia de promoção dos lenços de namorados, sobretudo pela mobilização que a mesma aporta e pela visibilidade regional, nacional e internacional que confere aos lenços, ao mesmo tempo que constitui uma janela de oportunidade para a divulgação e promoção das múltiplas potencialidades do território do concelho de Vila Verde, afirmando-se como um catalisador do turismo local, num território com paisagens, zonas ribeirinhas e praias fluviais idílicas, com uma gastronomia ímpar e com um património histórico-cultural digno de ser por todos visitado e apreciado.

É um evento que eleva cada vez mais o nome de Vila Verde e que promove o talento local?

Sem dúvida que a Gala Namorar Portugal leva o nome de Vila Verde bem alto e bem longe, na medida em que proporciona um glamour único e imperdível e, captando também os focos da comunicação social, ajuda a colocar Vila Verde no epicentro das dinâmicas culturais e a revelar todo um sem número de atrativos para empreendedores, investidores e turistas. Como já tive oportunidade de frisar, a Gala Namorar Portugal é o ponto alto do roteiro turístico-cultural que atravessa diferentes localidades e pontos do concelho e da região Norte do País, mas também com crescente visibilidade às escalas nacional e internacional. Nunca é demais relevar o considerável e diversificado leque de parceiros que esta iniciativa mobiliza, desde empresas e artesãos que, ao longo do programa, têm oportunidade de proceder à apresentação de novos e muito cativantes produtos que têm como apanágio a combinação das vertentes utilitária, estética e inovadora, diferenciando-se ainda e, principalmente, pelo recurso aos motivos dos lenços de namorados.

Em que moldes se vai realizar este ano?

Consideramos que se impõe dar continuidade a  este evento-âncora, mantendo as mais-valias da sua matriz habitual, potenciando um forte dinamismo sociocultural e económico suscetível de impulsionar a programação do Mês do Romance e a marca Namorar Portugal. Este ano, por força da pandemia, não contará com o tradicional jantar romântico e serão garantidas todas as medidas de proteção e segurança devidamente articuladas pelas entidades de saúde.

A Gala Namorar Portugal é o ponto alto da estratégia de promoção dos lenços de namorados, sobretudo pela mobilização que a mesma aporta e pela visibilidade regional, nacional e internacional que confere aos lenços

Que novidades estão previstas?

As ações programadas, além da Gala, que constitui um dos epicentros da programação Fevereiro – Mês do Romance, contemplam exposições e workshops, saraus de poesia, música, trilhos e atividades ambientais, a par da apresentação de novos produtos inspirados nos motivos dos lenços de namorados, aumentando, assim, o leque já bastante elevado das novidades que, ano após ano, têm surgido a este nível.

Fevereiro é o mês do romance em Vila Verde. Há outras iniciativas previstas que queira destacar?

Conforme referi, a mobilização das associações e instituições culturais concelhias, dos empresários de distintos setores, mormente dos que estão mais ligados ao turismo, para a realização de iniciativas e atividades, é uma constante e alarga-se a outros momentos e outros eventos em que a produção artesanal e a dinamização da atividade turística se fazem sentir com particular acuidade.

A arte pelas mãos ágeis e sábias

Os Lenços dos Namorados trazem a reboque as histórias das bordadeiras que ao longo da história mantêm viva a arte do bordado. Verdadeiras mestres do seu ofício, com enorme paixão pelo que fazem, inspiradas pela história e pela tradição e que continuam a criar autênticas obras de arte que o tempo não consegue apagar, transportando esta forma simples de criar pelo mundo fora, mantendo bem vivo um rico património local e bem português. Falamos com as mais antigas, Aurora Maia e Cristina Lopes, há 34 anos na Aliança Artesanal. «Faço isto há quase 35 anos e gosto muito do que faço. Durante muitos anos, dedicávamo-nos exclusivamente aos lenços e, hoje em dia, há muitos outros produtos diferentes… Geralmente, ofereço lenços em ocasiões especiais, como presente de casamento ou lembrança de batizado ou comunhão… É uma tradição bonita que não devemos deixar acabar», começa por dizer, Aurora Maia. Por seu turno, Cristina Lopes olha para o artesanato e, particularmente, para os lenços com o mesmo brilho nos olhos da colega. «É uma tradição muito bonita, com o propósito mais especial, o Amor. Um Lenço dos Namorados é uma carta de amor bordada. Porque a rapariga que o bordava transcrevia para o lenço tudo o que sentia pelo seu amado… Hoje em dia, também gosto muito de trabalhar para as noivas que nos procuram para bordar os seus vestidos. É um trabalho ainda mais rigoroso e rico, mas muito gratificante. São peças eternas e que contam histórias bonitas, com finais felizes», assinala. Neste momento, na Aliança Artesanal, em Vila Verde, são seis as bordadeiras que, arduamente, mantêm viva esta tradição. Todas acima dos 50 anos. «Os mais novos não querem saber disto. E, se assim continuarmos, mais tarde ou mais cedo, os lenços têm os dias contados. Gostaríamos que a nossa arte tivesse continuidade mas não tem sido fácil cativar os nossos jovens. É pena não olharem para o artesanato com outros olhos. É preciso dar apoios para que os salários sejam mais atrativos», dizem. E é assim que, diariamente, estas mulheres hábeis trabalham os seus sonhos e preservam as tradições e as memórias de várias gerações. Uma obra bonita e inspiradora para a qual devem ser direcionados olhares atentos e responsáveis, sob pena de cair no esquecimento dos tempos vindouros…

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