Roteiros

Roteiros pelo Património (Fão – Esposende)

Estamos em novembro, já com os dias mais pequenos e com as temperaturas mais baixas, convidativas a ficarmos no aconchego do lar.
Contudo, se o São Martinho não falhar, ainda teremos alguns dias de sol e temperaturas amenas, que também não nos faltaram nestas últimas semanas. E é com este sol de Inverno que eu gosto de sair e aproveitar para passeios à beira mar, quando aquelas vilas e cidades balneares já não têm o reboliço e a confusão do Verão.
Um desses locais que vale a pena visitar fora dos meses estivais é Fão, no concelho de Esposende, pela particularidade das suas ruas, pela proximidade ao mar e até pela sua gastronomia.
E, em termos de património, o desafio que vos deixo é uma visita à magnífica igreja do Bom Jesus de Fão, que é irmão, dizem as vozes do povo, do Senhora da Cruz, em Barcelos, e do Senhor de Matosinhos. Aqui, vale a pena começar pela imagem do Bom Jesus, cuja origem ninguém conhece e, por isso, está envolta em mistério. O povo, por isso, encarregou-se de lhe dar uma história, criando várias lendas com o dom de ser milagrosa.

Uma dessas tradições conta que a imagem foi feita por Nicodemos que, depois de ter assistido a todos os tormentos do Redentor, lembrou-se de fazer uma imagem que tratasse todo o sofrimento do Filho de Deus, para memória dos fiéis. Um dia o filho do rei Herodes mandou que fossem queimadas todas as imagens de Cristo. José de Nicodemos, aflito, atirou a imagem até ao mar, tendo ido dar à costa de Inglaterra. Ali, foi recolhida por um idoso. Após a sua morte, nenhum filho quis ficar com a imagem, tendo o mais novo sido incitado a ficar com ela. A sua fortuna começou a aumentar e a vida a correr-lhe bem, tendo sido isto atribuído aos ares benfazejos da imagem. Com a Reforma na Inglaterra, este homem teve que se desfazer da imagem do Bom Jesus e atirou-a novamente ao mar, tendo vir parar a Portugal, onde foi recolhida por uma senhora de Fonte Boa que andava a apanhar lenha nas margens do rio. Ana levou-a para casa. Mas, como os milagres iam-se sucedendo, rapidamente o segredo foi desvendado e o padre de Fonte Boa comunicou ao Arcebispo de Braga o achado. A ordem foi recolher a imagem. Ana, escondeu o Bom Jesus envolto num lençol e, um dia, quando ia ver, a imagem tinha desaparecido. O Bom Jesus foi novamente encontrado nos juncais onde tinha sido inicialmente encontrado e aí, as gentes de Fão mandaram erguer um nicho.

Assim, se explica que, antes desta igreja monumental que temos hoje, tenha existido uma pequena capela do Bom Jesus de Fão. No século XIII, esta capela já deveria ser pequena para a grande devoção ao Bom Jesus. Mas, o mais grave é que ela estaria em avançado estado de degradação. E, a 23 de Julho de 1712 os moradores de Rio Tinto, Fonte Boa e Barqueiros assinaram um contrato de obrigação com os oficiais da Irmandade do Bom Jesus, no sentido de se comprometerem na edificação deste templo. Uma das formas inovadoras de angariação de fundos na altura foi a criação das fitas simbólicas, previamente benzidas, tendo-se criado em Fão a instituição chamada “Agência das Fitas”. Sabe-se, pela documentação, que estas fitas eram vendidas nas festas de S. Bartolomeu do Mar, na Senhora das Dores, na Póvoa de Varzim, na Senhora das Necessidades, em Barqueiros e, sobretudo, no Brasil, onde existiam importantes comunidades de fangueiros, nomeadamente no Rio de Janeiro, em Ouro Preto e Baía de Todos-os-Santos.

Nesta igreja trabalharam os melhores pedreiros do seu tempo, nomeadamente, Manuel Fernandes da Silva e o seu pai Pascoal Fernandes, natural de Santo Ildefonso, no Porto. A eles devem-se, por exemplo, a remodelação da Sé de Braga. No interior, a fase do madeiramento começou em 1720 com a presença do mestre António Carvalho, de Landim, que arranjou as grades, os púlpitos e as portas com madeira vinda do Brasil. O primeiro altar a ser construído foi o do Senhor da Agonia ou dos Aflitos, tendo sido dourado por António Vieira, de Barcelos. Em 1722, a igreja do Bom Jesus de Fão recebeu a imagem de Nossa Senhora das Angústias, para a qual foi feito um altar desenhado em Coimbra.

Uma particularidade muito interessante de se notar é que todos os altares desta igreja tem o granito na sua base, para minimizar os danos causados pelas cheias que entravam dentro do templo.

Feita a visita, não perca esta oportunidade de estar em Fão e se deliciar com os bons pratos de peixe fresco que é possível encontrar nos vários restaurantes. Se não gosta de peixe, há aqui casas que se distinguem pela maneira como “tratam” o entrecosto assado na brasa. Dizem que é comer e chorar por mais. Mas, o que colhe unanimidade são as Clarinhas de Fão indispensáveis à sobremesa. Boa visita!

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