O pó de outrora roubou um pedaço ao tempo que existiu numa altura comum, num dia normal e sobre um olhar para o relógio que não se parece com nada diferente. Os pratos e os copos foram lavados e a nossa existência foi introduzida num mergulhar no mar do mundo. Chega um som ao meu ouvido coberto de um silencio preciso e de uma forma que avisa o peito a chegada da poesia. Como é fria a terra sobre o meu corpo e como se perde o regresso, de nenhum lado concreto e definido. As folhas das arvores ja caíram e ficaram arrumadas junto ao banco do jardim, onde mais nenhum nome depois do teu foi capaz de entrar.
Por ali contávamos as nossas histórias como se mais nada nos fizesse respirar e corrigir a rota do navio onde partiste. O teu perfume é do tamanho do medo de te perder, porque o ar que respiro junto a mim é como um vento a corrigir-me as arestas imperfeitas e intocáveis ao meu redor. Longe daqui e de ti embarco dentro da noite que me agita a presença e dá forma à solidão. Mergulho sobre a pele salgada deixada pelas ondas do mar que me abraçavam. Não se desfaz a essência distraída e nenhum novelo é melhor do que aquele que dá forma e sopro ao pensamento que se anseia desenhar. Derramei tantas vezes sobre a nossa poesia um pouco de chocolate quente e a mancha nunca saiu, talvez para nos lembrar que somos poetas do nosso amor e que a nossa melodia não se perde com o gastar de tantas vezes que a ouvimos. O amor cresceu naquele banco de jardim e fomos ficando na nossa concha do intenso arco-íris com as estações que passavam por nós. Sentimos a chuva e o frio, o sol e a brisa do vento suave que conseguíamos pensar e ler. As páginas que escrevemos ficavam todos os dias nos teus olhos e eu lia as mesmas sem nunca envelhecermos o que sentíamos. Sabia eu que não te trazia comigo para casa e agora ainda me sinto mais sozinha, mais vazia por saber que derramei um pouco mais do chocolate quente nas nossas páginas escritas sobre um dia de sol. Acho que nunca chegamos a sentir verdadeiramente o frio do tempo, porque fomos sempre calor quando nos desgrenhados segredos pousava um cheiro a lavanda. Encostei-me ao decote do muro e arrepiei-me naquele instante em que as minhas mãos lhe chegaram, como se me tivesse a pedir colo. E, sendo eu a precisar do seu abraço, escrevi-lhe a vergonha do medo e nunca lhe desisti a chamar pela necessidade assoberbada do amor. Aquele amor que esvazia cada vez mais por não desgrenhar os pelos do braço, é um adeus, mas a poesia continua presa ao que a memória não deixa apagar e morrer. Ouvi o vento a soprar nas asas de uma borboleta que pousou junto à janela do meu quarto, fiquei a admirar-lhe o evento, e como se ela me falasse, adormeci e esqueci-me de tudo, fiquei dentro duma carta do aperto da saudade. Entrei na vida com o despertar da inclinação do sol e na brancura cega dessa luz, a que parecia a mais pequena história, tornou-se no mapa do mundo. Despimos a nossa alma e o silêncio gritou o que descobrimos com a nudez e a única ponte que edificamos estendeu-se como uma ave dançante pelo doce do céu azul, onde tantos beijos nos tocam pela última vez. Onde o raio de sol que atravessa para o outro lado da rua não acontece, porque se encontra vinculado à verdade da nossa nuvem de estrelas.
Juliana Gomes, escritora
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