Sem Treta

João Albuquerque: “Precisamos de ações coletivas para alcançarmos uma forte dimensão empresarial.”

Em entrevista à revista Minha, o presidente da ACIB, João Albuquerque traçou um relato atual das micro e pequenas empresas de Barcelos e revela-nos como o setor têxtil do concelho pode tornar-se numa referência mundial.

Que balanço faz do impacto da pandemia covid-19 no tecido empresarial e industrial do concelho de Barcelos? Tem tido um impacto altamente negativo. Dentro desse impacto coletivo negativo, podemos subdividi-lo em setores que foram mais atacados ou influenciados pela Covid-19. A restauração e o comércio foram as áreas mais prejudicadas por todo este fenómeno, em termos de volume de negócios, mas também ficaram marcados com o carimbo de que “não se deve ir”. É um rótulo muito negativo que acompanha o retrocesso económico. Para além disso, esta nova realidade retirou uma energia positiva que estava a ser solidificada, após a crise de 2015. Tem sido uma paragem “em seco” com custos psicológicos e financeiros. No que se refere à indústria, nomeadamente o tecido têxtil, responsável por 75 por cento de toda a indústria do concelho, tem-se mantido com sinais, obviamente, de decréscimo, porque os clientes do estrangeiro também estão com problemas, e o fulgor que tinham em 2019 não é o mesmo, mas têm resistido, razoavelmente, com alguns sinais de contraciclo. Mas na generalidade, não existem grandes seguranças em nenhum setor de atividade económica.

As medidas de apoio do Governo têm sido adequadas? Estão muito aquém do necessário. Deveríamos ter seguido um exemplo que seria equilibrado para todas as partes. Se alguém manda fechar o comércio, os serviços ou a restauração, esse alguém tem de pagar. E isso não aconteceu! O que esses e outros setores têm recebido são percentagens ínfimas ou residuais do valor global. No caso da indústria, tem sido mais equilibrado, devido ao layoff, mas, mesmo assim, continuamos a ter uma falta de pujança face a outros países da União Europeia. Temos que recordar que somos um país pequeno, periférico, perante o centro da Europa, e temos que correr sempre atrás. E esta era uma oportunidade para Portugal se posicionar na dianteira e não o fizemos. E teremos de pagar esta fatura assim que terminar este cenário de Covid-19. É uma realidade perigosa, porque, para além de pobres, pequenos e endividados, teremos que “correr atrás do prejuízo”. É um risco muito elevado para um país como o nosso. 

Que medidas a ACIB introduziu no apoio aos seus associados? Temos tido um cuidado extremo de fazer chegar às duas confederações onde estamos filiados – CCP e CIP – tudo o que são necessidades e carências do nosso tecido empresarial, informação que, por sua vez, é revertida nos documentos enviados para o Governo. Globalmente, o nosso grande trabalho tem passado por manter uma informação firme e contínua junto dos empresários, daquilo que são medidas, ajudá-los a chegar a esses apoios, através de dossiers e candidaturas. E temos conseguido que algumas ideias subam na escala de decisão e integrem alguns Decretos Lei. A nível local, temos mantido pressão para que a autarquia possa apoiar as atividades empresariais. Infelizmente, os apoios não estão num nível desejável, comparativamente com outros concelhos próximos, como Braga, Famalicão ou Viana. 

Tem números relativamente a empresas que encerraram no concelho? Todos esses números estão disfarçados, seja em Barcelos ou noutra parte do país. Estão camuflados pelo layoff, pelas moratórias, pelos apoios às rendas dos espaços e pela indecisão das pessoas que foram para casa, em reabrir os seus negócios. Temos uma ligação muito direta e umbilical com os nossos associados e, de forma muito recorrente, as nossas equipas passam nas empresas, e aquilo que nos dizem é “vamos ver”. As pessoas estão na expectativa e este segundo confinamento foi terrível. Quando as pessoas já estavam com vontade de recuperar os seus negócios e a acreditar novamente no futuro, foram obrigadas a confinar. Psicologicamente, este confinamento afetou muito a capacidade de as pessoas decidirem se vão continuar a investir nas suas atividades. E acredito que depois do verão, este processo irá piorar, quando terminarem todos os apoios que falei. 

É possível antever os próximos meses? Quando se verificará a recuperação económica? Neste momento, Portugal, como qualquer outro país no mundo, está embebido num sistema onde está tudo interligado. Destapamos a vertente de analisarmos um tratamento para apostarmos tudo nas vacinas. Isto provoca um atraso descomunal e permite novas tipologias de vírus, renovados e prolongados no tempo. Criando também a incerteza de como será o próximo inverno. Se haverá uma nova vaga ou estará tudo resolvido. É uma realidade que cria muita instabilidade, fúria e desilusão nas pessoas, nos empresários e nos consumidores. Neste momento, é muito difícil fazer futurologia. O que deveria ser feito por todos e não está a acontecer é que, no dia-a-dia, precisaríamos corrigir o maior número de erros, possíveis de detetar e ter a máxima coragem para arriscar em mudanças de vulto. 

A primeira grande romaria do Minho, a Festa das Cruzes, tem um grande impacto na economia e na imagem do concelho. É um revés não se realizar pelo segundo ano consecutivo, principalmente para o comércio tradicional? É péssimo, porque é um grande cartaz turístico do concelho. E os reflexos dessa festa notam-se também depois de terminar, porque as pessoas regressavam a Barcelos noutras alturas do ano. A falta deste chamariz, deste evento de referência que trazia centenas de milhares de pessoas, durante vários dias, fará muita falta ao comércio, à restauração, à hotelaria e a toda a dinâmica da imagem da cidade. Barcelos é um concelho grande, mas uma cidade pequena e a Festa das Cruzes corporalizava a própria dimensão do concelho. É um revés, infelizmente! 

Quais as ações desenvolvidas pela ACIB que destaca como sendo de maior relevância, durante a sua presidência, que iniciou em 2012? Temos feito uma aposta muito relevante no trabalho B2B com as empresas. As nossas equipas técnicas têm uma grande profundidade de penetração no tecido empresarial, trabalhando os setores separadamente, indo de encontro às empresas para resolver distintos processos, desde licenciamento industrial, HCCP de comércio, qualificação dos trabalhadores, problemas ambientais, legislação, entre outros. Em 2013, solicitamos à autarquia a isenção das taxas de esplanada, uma medida acertada que teve uma repercussão muito positiva, principalmente ao longo deste último ano. Outra medida importante foi a qualificação dos jovens para uma adaptação mais facilitada às empresas, com taxas elevadas de empregabilidade. Por fim, outra das nossas bandeiras tem sido defender de forma acérrima os interesses dos nossos associados, junto de qualquer tipo de entidade. Uma forma de estar que dá grande tranquilidade ao operador empresarial do concelho. 

Como define o tecido empresarial do concelho? Frágil e forte. Sob o ponto de vista global de todo o distrito, o nosso comércio tradicional é forte. O mesmo se passa com a indústria, que domina muito bem todo o processo de atividade. No entanto, é frágil pela dimensão que tem, porque estamos a falar em micro e pequenas empresas. É frágil porque precisa de mais ações coletivas, principalmente, quando queremos alcançar a internacionalização, novos projetos e novos clientes. Neste aspeto, precisamos de corpo, de mais recursos públicos do domínio municipal e nacional. É preciso mais investimento. Algo que já era necessário antes da Covid-19. E esta pequena dimensão impede-nos de fazer “voos maiores”. É fundamental que se faça digitalização da economia, internacionalização, robotização e qualificação. São quatro pilares essenciais para uma atividade empresarial robusta. Atualmente, estes passos tornam-se ainda mais relevantes e para serem atingidos melhores níveis de industrialização/internacionalização precisamos de recursos financeiros, de empresas mais sólidas, e de agrupar empresas, com projetos conjuntos. No caso do setor têxtil, ter uma marca coletiva e agregar novos espaços industriais, investimentos de grande vulto em equipamentos para responder aos novos desafios e às exigências dos clientes. Precisamos de logística e que os empresários tenham a perceção que “sozinhos não ganham a corrida”. É um trabalho conjunto muito duro, lento e que exige muitos recursos. Esse trabalho poderá ser também importante para o turismo local… Barcelos oferece uma série de recursos que não são devidamente explorados. Temos um símbolo nacional que é o Galo de Barcelos, mas não o usamos como grande chamariz. Temos uma parte significativa do Caminho de Santiago. Falamos muito dele, mas utilizamo-lo pouco, do ponto de vista de captação económica/financeira. E se olharmos para a oferta turística de Barcelos, não temos nenhum hotel 4 estrelas. Para sermos um farol do turismo, é preciso também fazer um investimento avultado no setor e na imagem de marca de Barcelos. Hoje em dia, não podemos ser amadores. A exigência é brutal, temos que ser tremendamente profissionais e dispor de um avultado volume financeiro. De pois do Covid-19, vão todos iniciar do zero. E teremos que nos afirmar, em concorrência com os outros territórios. E este trabalho não pode ser feito individualmente! 

Qual deve ser a estratégia do concelho para alcançar, nos próximos anos, esse desenvolvimento económico? O concelho de Barcelos tem de ter uma forte ligação institucional entre o poder político e o poder económico. Não basta dar autorizações de construção ou licenciamentos. Isso é o básico. Tem de existir sempre uma estratégia coletiva assente num trabalho conjunto entre o município e a respetiva associação empresarial. Na maioria das localidades deste país, isto tem sido feito com inegável sucesso. Através de um plano diretor à atividade económica, executado em comum. E estes casos de sucesso devem ser copiados. 

Doze associações empresariais do Alto Minho, Cávado e Ave assinaram recentemente o memorando de entendimento para a criação da Confederação Empresarial da Região Minho (ConfMinho). É também uma estratégia de colaboração, como tem vindo a acentuar. Que mais valias vai trazer à região? A região Minho tem um potencial brutal. Nós próprios, minhotos, não temos perceção do verdadeiro valor que representamos. Estou a falar a nível económico, cultural e humano. E é altura de ter essa voz única, assente nas especificidades que cada uma das associações que integra vai aportar. Muitas associações são centenárias e permitem ter uma grande ligação ao tecido empresarial e à história das suas localidades. Isto dá um grande valor acrescentado. E esta voz única e firme irá seguramente criar instituições mais robustas, mais representativas e mais justificadoras de uma outra atenção por parte do Governo e de apoios para a dinamização da sua atividade. Porque os investimentos devem ser para todos. 

Recentemente, defendeu que os empresários devem potenciar os negócios nas plataformas digitais. Que apoios a ACIB presta nesta vertente? Temos uma equipa que está a ajudar as pessoas a aproximarem-se do mundo digital. Muito em breve, teremos outra capacidade de intervenção técnica e de ligação entre empresas, um projeto que a ACIB vai apresentar nos próximos meses. Acima de tudo, o que temos feito é tentar fazer de interface entre as empresas e os grandes profissionais de prestadores de serviços nesta matéria, para que as empresas não tenham receio de descobrir esse novo mundo e para que conheçam as suas reais necessidades. E falo das micro e pequenas empresas, que representam o mundo real do nosso concelho. E se olharmos para esta realidade, faremos um Minho forte e rico. 

A ACIB tem um trabalho eloquente na área da formação e qualificação profissional. Que resultados nos dá, neste aspeto? Tremendamente positivo. Quando olhamos para o tecido empresarial com uma intervenção 

da ACIB na formação, vemos uma grande diferença, pela positiva. Temos colocado milhares de ex-formandos no nosso tecido empresarial. Falo de jovens, que marcam a diferença nas empresas, através da sua capacidade de realizar multitarefas e multifunções. Destaco também o papel que a ACIB desempenha na reconversão de desempregados. Para além disso, efetuamos formação, nas próprias empresas, de uma forma adequada e direcionada às suas reais necessidades. E os resultados têm sido fantásticos no próprio desenvolvimento e crescimento de vários setores e em funções que lhes são essenciais. 

Há algum projeto na ACIB que queira destacar? Quando olhamos para o passado, destaco a capacidade de trabalharmos individualmente com todas as empresas. Tem sido um trabalho de grande colaboração. No futuro, tenho uma grande ambição, como dirigente associativo, que o setor têxtil se possa afirmar como o grande cluster mundial do têxtil de qualidade. É um trabalho que tem de ser feito nos próximos anos com muito empenho autárquico, nacional e associativo, e com grandes volumes de investimento. 

Para terminar, que apelo ou mensagem quer deixar aos associados da ACIB? Que sejam resilientes, acreditem no futuro e que possamos trabalhar em conjunto, porque só assim conseguiremos “dobrar este Cabo das Tormentas”. 

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