Setembro é, para muitos, o mês do recomeço e das resoluções. As férias terminaram, é hora de voltar ao trabalho e à rotina relativamente à qual tanto nos queixamos mas que, no fundo, até gostamos. Sugiro que, nesta reentrée, acrescente um policial à sua mesa de cabeceira: A Verdade sobre o Caso Harry Quebert de Joël Dicker.
Em 1975, numa pequena cidade de Nova Inglaterra chamada Aurora, Nora Kellergan, de 15 anos, desapareceu. Anos mais tarde, o seu corpo é encontrado no jardim do escritor Harry Quebert, que parecia gozar, pacatamente, a reforma naquela idílica cidade. Do dia para a noite, o desaparecimento transformou-se num homicídio e Harry passou de ídolo de uma cidade a pedófilo e assassino. A única pessoa que acredita na sua inocência é o seu protegido, Marcus Goldman, jovem escritor à procura do próximo êxito da sua curta carreira. É Marcus quem nos revela o que se passou entre Harry e Nora e quem são os habitantes, aparentemente gentis, de Aurora.
Quando comecei a ler A Verdade sobre o Caso Harry Quebert, procurei algumas opiniões na internet, junto de críticos cujos gostos são bastantes parecidos com os meus. Acho que, até então, não tinha ainda encontrado um livro tão divisivo. Se, por um lado, muitos eram os que exaltavam o talento de Dicker, por outro, não eram poucos os que detestavam A Verdade sobre o Caso Harry Quebert, considerando-o, em alguns casos, anedótico e cliché. A parte do cliché, não nego. A história da Lolita assassinada que se descobre ter uma vida dupla não é nova. Porém, o facto de algo ser cliché não implica, necessariamente, que seja mau. E no caso, posso afiançar que não foi.
Este é um thriller deveras estimulante. A narrativa é negra e repleta de reviravoltas, sendo que todas as personagens, incrivelmente carismáticas, escondem segredos polémicos. É, portanto, um exemplar do género como deve ser. O leitor sente-se imediatamente absorvido pela história que, volta e meia, lhe troca as voltas, sendo que a cidadezinha criada por Joël Dicker tem aquele provincianismo norte-americano, igualmente trágico e cómico. Confesso que o devorei em 3/4 dias tal é o interesse que todo o mistério à volta da personagem Nora Kellergan desperta. Dicker cria um enigma denso com inúmeros suspeitos, linhas temporais, histórias contraditórias, pecados escondidos, segredos e envolvimentos. Mas o mais apetecível, em todo o livro, são, sem dúvida, as personagens estranhas. Entre outros, temos um chofer desfigurado, um pastor apaixonado por motas que ouve música, o dia inteiro, num volume capaz de provocar surdez, um polícia sinistro e apaixonado, uma mulher de meia-idade castradora da masculinidade do marido e um milionário sinistro que apanha miúdas no meio da rua.
A Verdade sobre o Caso Harry Quebert é um policial ao estilo de Twin Peaks e A Sangue Frio de Truman Capote. É divertido, surpreendente e, por vezes, complexo. A jovem assassinada, as personagens estranhas, as tentativas de humor absurdo – neste aspeto, Joël falhou redondamente – e os segredos escondidos por uma moralidade coletiva aparente. Sim, a fórmula não é nova. Mas, não é por isso que não se deve reconhecer a qualidade de Dicker.
O livro venceu os reputados Prix de la Vocation Bleustein-Blanchet, o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa, o Prémio Goncourt des Lycéens e o prémio da revista Lire para Melhor Romance em língua francesa e colocou Dicker na lista dos escritores mais promissores da atualidade. Mereceu uma adaptação televisiva em 2018 pela AMC que contou com Patrick Dempsey no papel de Harry Quebert.
Daniela Guimarães
Blogger de Literatura
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