Sem Treta

Comércio tradicional: entre a crise e a esperança

Se há algum tempo atrás lhes dissessem que uma pandemia iria obrigá-los a fechar as portas por tempo indeterminado, nenhum deles acreditaria. Hoje em dia, os pequenos empresários do Comércio Tradicional vivem precisamente essa realidade. 

Chegou silenciosa, invisível e arrasadora, e os impactos devido à Covid-19 estão a ser brutais para todos. Uns continuam a trabalhar, a um ritmo que não é o normal, adaptando os seus negócios à situação atual, muitos estão encerrados por tempo indeterminado, mas alguns foram mesmo forçados a fechar as portas por falta de lucros. Há, de facto, crescentes dificuldades em sobreviver e dinamizar, neste momento, a economia local. Uma verdade que se desejava mentira. Mas à qual ninguém conseguiu escapar.

A Revista Minha contactou alguns empresários do Comércio Tradicional de Braga e, entre todas as dúvidas e incertezas sobre o futuro, numa crise, para eles, sem precedentes, resta-lhes a esperança de que tudo irá melhorar.

Neste momento, a área da restauração é uma das mais afetadas devido à pandemia. Em Braga, cerca de 135 empresários da restauração, representando aproximadamente 1340 trabalhadores da região, uniram-se, criando a União de Restaurantes de Braga de Apoio ao COVID 19 (URBAC19), lançando um conjunto de medidas que consideram ser fundamentais para salvar o setor.

“Tem sido duro”

Tiago Carvalho faz parte deste movimento. É proprietário do Kartilho e da Tasca do Paiol e manifestou-nos a sua inquietação, enquanto “tasqueiro”, como é e gosta de ser carinhosamente tratado. “Há sete anos, por força de uma outra crise, também decidi, juntamente com a minha esposa, lançar a primeira pedra do que é hoje a Tasca do Paiol. Criamos um espaço que é o nosso ADN. Conhecendo o início que tivemos, por aquilo que temos lutado, pela equipa que nos acompanha, pelas parcerias que fomos criando, sabemos que será difícil retomar a nossa atividade”, conta-nos, amargurado, acrescentando que o processo mais difícil de contornar durante a quarentena tem sido o afastamento das pessoas. “Tem sido duro. A ausência e a privação de alguns hábitos, a falta de contacto com as pessoas, o não estar junto daquela outra família, a família Paiol”, lamenta. Apesar do momento desfavorável, Tiago Carvalho não se deixa abater com facilidade. “Dizemos muitas vezes que se fosse fácil não era para nós” e prossegue. “Olhamos para o futuro em conjunto, sabemos que apenas unidos e mais tolerantes iremos sair desta situação. Queremos, hoje, passar uma mensagem de muita confiança em nome de toda a equipa, que, apesar das dificuldades, em breve, estaremos no nosso local habitual, porque sempre foi assim. O que não nos mata, fortalece-nos. Cuidem-se e apoiem-se mutuamente”, aconselhou.

Em situação semelhante encontra-se Renato Costa, do bar/restaurante Casa Velha. “Nunca pensei que a pandemia chegasse a este nosso cantinho do mundo”, refere, antes mesmo de transmitir o que lhe fere a alma. “Quando reabri o Casa Velha no parque de Ponte, fui atrás de um sonho. Ainda não completamos dois anos e surge esta pandemia. Para além das dificuldades de reabilitar um espaço, transformá-lo e lidar com o dia a dia, a situação veio, de facto, dificultar o futuro”, assume com angústia. A Casa Velha entrou em lay-off e Renato considera que os apoios são insuficientes. A entrada no grupo URBAC19 foi, para o empresário, “um grande alívio”, pois manteve-o informado e atualizado em relação às normas e procedimentos. Entre muitas dúvidas, há, no entanto, a esperança em melhores dias.

“Não conseguimos fazer takeaway de bar e o meu serviço de restaurante também não se adequa nesta fase. Neste momento, não antevejo de que forma os clientes irão reagir à retoma e quantos de nós ainda estarão cá para os receber. Certo é que teremos que nos reinventar, mantendo o espírito de combate que sempre me definiu. Nunca desistindo. E aguardar, como sempre, de braços abertos pelos clientes quando voltarmos ao trabalho”, termina.

“Vivemos do que nos entra pela porta e vai ser uma luta”

Os cabeleireiros e centros de estética também tiveram que fechar as portas devido à pandemia. A preocupação é geral, como nos contou Paulo Cunha, do espaço Dois 53 Barber Shop. “Encerramos voluntariamente a 14 de março com a certeza de que o que aí vinha iria doer. Como se de um tsunami se tratasse. As primeiras dúvidas foram relacionadas com a própria pandemia. O que seria? Depois, começamos a preocupar-nos com o nosso negócio. Com a porta fechada, não há faturação, mas temos que continuar a pagar luz, água, investimentos, rendas, contabilidade, segurança social ou seguros. Apesar de alguns apoios do Estado, teremos que pagar no futuro a dobrar ou triplicar. Vivemos do que nos entra pela porta e vai ser uma luta diária para estabilizarmos”, confidencia. Sobre como tem ultrapassado esta fase, Paulo Cunha explica que pouco ou nada pode fazer. “Não podemos realizar workshops online porque os clientes não têm as ferramentas necessárias, como máquinas, pentes ou tesouras. E não podemos trabalhar porta a porta ou fazer domicílios. Resta-nos prestar aconselhamento”, explica.

Para Paulo Cunha, “a saúde de todos é o mais importante”, acreditando que o futuro do setor passará pela implementação de regras de segurança e higiene.  A sua forma de trabalhar será, também, diferente. “Quando abrir portas, irei trabalhar dia e noite, perderei folgas, tudo isto em prol do meu cliente e da minha saúde económica. Tenho que honrar compromissos”, diz, finalizando com uma mensagem de confiança. “Unidos mais que nunca vamos conseguir ultrapassar este obstáculo”.

A viver momento idêntico, Isabel Sousa, proprietária do Salão de Estética e Bem Estar TopLaser, manifesta grande preocupação com o futuro. “Confesso que estou com algum medo e receio das sequelas que este tempo pode trazer para o meu negócio, pois é bastante complicado continuar com despesas diárias e ter uma loja encerrada por tempo indeterminado. Um centro de estética, infelizmente, não é um setor que pode trabalhar por outros meios, como por exemplo o teletrabalho ou takeaway. E, por isso, também estamos frustrados e de mãos e pés atados sem poder fazer nada. Resta-nos esperar”, conta. O seu espaço foi encerrado “por iniciativa própria mesmo antes de anunciarem o estado de emergência”, e, Isabel, assumindo a enorme preocupação em assegurar o bem estar dos clientes, funcionários e familiares, revela que o ânimo não pode morrer. “Vivemos um dia de cada vez, com a esperança de que iremos reabrir as portas depois disto tudo passar”.

“Comprem o que é nosso, o que é português, ajudem o comércio local”

Outra das áreas afetadas do Comércio Tradicional é a do vestuário. Com as portas fechadas, o impacto geral é brutal. Gabriela Cortez Duarte, da OláGueibes conta-nos como tem enfrentado esta crise. “O início foi bastante complicado, porque tive que fechar a loja. E, para pequenas empresas como a minha, não é fácil. O amanhã é muito incerto. A sorte da OláGueibes, é funcionar muito bem online, noto claramente uma quebra de encomendas, mas continuo ativa e sinto-me um pouco aliviada por isso. Enquanto a nossa loja física estiver encerrada, oferecemos os portes de envio em todas as encomendas. É também uma forma de agradecer aos clientes por continuarem a comprar”, relata.

Para a jovem empresária, o maior desafio nesta fase tem sido “gerir família e trabalho”. “A organização é muito importante”, diz, antes de projetar o futuro. “Tudo é uma incerteza neste momento. Sinto uma angústia muito grande, não sei se volto a abrir a loja. Tento estar bastante positiva, mas sinto-me muito apreensiva com o presente e com o futuro. Neste momento, não sei para onde caminho ou o que aí vem. As redes sociais têm sido uma grande ajuda para a marca continuar presente, tentamos ser o mais ativos possíveis”, confidencia, terminando com um apelo. “Quando as nossas vidas voltarem à normalidade comprem o que é nosso, o que é português, ajudem o comércio local e as pequenas empresas”.

Os talhos tiveram, igualmente, que adaptar o seu funcionamento às exigências impostas pelo estado de emergência em que vive o país. Habituados a um ritmo frenético com “centenas e centenas de clientes” nas suas lojas, os Talhos Manecas viram o surgimento do vírus “alterar completamente tudo”. Foi necessário adaptar as lojas à nova realidade e garantir total proteção dos seus funcionários, dos seus clientes e a todos em geral. De imediato foram criadas regras internas, restrições nos acessos, zonas de segurança e novos serviços. “Em todos os espaços, criamos regras de acesso condicionado ao interior dos talhos, foram colocados em vários pontos desinfetantes à base de álcool, disponibilizadas luvas, separadores de ambientes e zonas de segurança que garantem um distanciamento entre funcionários e clientes. E todas as condições para que os nossos clientes tivessem o mínimo de exposição”, justifica o gestor dos espaços, João Oliveira.

Neste período, foi ainda necessário inovar. “Reforçamos a gama de produtos nas áreas de congelados, bebidas e mais que duplicamos a mercearia geral, para além de introduzirmos frutas e legumes. Tínhamos de ir ao encontro das necessidades das famílias”, conclui.

“Chorei horas a fio. Mas temos que nos adaptar”

Adaptação que também as floristas foram forçadas a realizar. Maria Alice Amaral, proprietária da Vallírios, reagiu, no início, com muita tristeza. “A 16 de março, decidi pelo isolamento voluntário. Chorei horas a fio. Um sentimento de impotência e difícil de traduzir em palavras”, relata. Depois, já com maior clareza, decidiu “levantar a cabeça” e “recomeçar”. “Reforcei o tipo de serviços, tais como as entregas ao domicílio e comecei a aconselhar o atendimento e marcação via telemóvel sempre com as devidas medidas de prevenção”, refere. Com efeitos negativos para o seu negócio, Maria Alice Amaral, admite que “nada voltará a ser como antes”. “Acredito, cada vez mais, que o público irá dar preferência ao comércio tradicional. E, na Vallírios, vamos continuar a florir o mundo. Parar é morrer e inovação foi, é e sempre será a palavra de ordem e, no futuro, assim continuará”, salientou, terminando com uma mensagem de otimismo. “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

“Andar para a frente”

Por fim, os quiosques fazem parte do grupo de estabelecimentos que, prestando um conjunto de serviços essenciais para a vida das pessoas, poderiam e deveriam manter-se abertos. Foi o que fez a Tabacaria da Lapa, situada bem no centro histórico da cidade. “Abrimos em horário reduzido, após comunicação do estado, com as devidas medidas de proteção”, explica o responsável, Bruno Cunha. Apesar da escassez de clientes e a quebra nas vendas, a palavra de ordem é “andar para a frente”. “Começamos com as entregas ao domicílio, o que tem sido bastante positivo e, talvez, uma medida que irei implementar no futuro. Agora, resta-nos esperar e reencontrar os nossos clientes dos quais já temos saudades”, termina.

 

ACB acredita que é possível vencer crise

Contactamos ainda a Associação Comercial de Braga que, através do seu presidente, Domingos Macedo Barbosa, fez uma análise da realidade vivida pelos comerciantes, que futuro aguardam e que métodos devem adotar para salvaguardarem os seus negócios. “Esta pandemia provocou uma crise sem precedentes a nível global. Estamos profundamente preocupados com o futuro das empresas e dos pequenos negócios, em particular na nossa região e no nosso país. Na ACB há uma grande preocupação com o forte impacto desta crise nas micro e pequenas empresas do comércio, hotelaria, restauração, indústria e serviços”, assinala.

Para Domingos Macedo Barbosa, “o apoio aos pequenos negócios nunca foi tão urgente, dada a situação de rutura e calamidade que estamos a viver nas mais diversas áreas da atividade económica e social”. “Acreditamos que é possível, de uma forma gradual e segura, retomar a atividade económica já durante este mês de maio. Para tal, é fundamental rever rotinas, processos e estratégias no sentido de obter uma recuperação o mais acelerada possível da economia. Neste sentido, as empresas dos vários setores terão, em função da evolução da procura e do comportamento dos consumidores, de adaptar-se a uma nova realidade”, refere à Revista Minha.

O presidente da direção da ACB termina com palavras de incentivo. “Em vários momentos críticos da nossa história, com muito sacrifício, resiliência e capacidade empreendedora, os empresários souberam contornar dificuldades e superar os obstáculos. Imbuídos deste espírito, acreditamos que é possível vencer esta crise tão grave e complexa. As empresas podem contar sempre com o empenho e determinação da ACB, seja na defesa dos seus interesses e/ou em termos de contributo para um desenvolvimento sustentável e inclusivo da economia portuguesa”, conclui.

 

 

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