Editorial

NÃO, NÃO há recomendação formal da OMS quanto ao Ibuprofeno

Nestes dias de incerteza tenho assistido a coisas incríveis: as pessoas estão incrivelmente solidárias, incentivam, dão esperança, ânimo, têm fé. Ajudam-se de forma que nunca imaginei, elogiam, fazem pazes, contactam-se constantemente.

Vejo muita gente a partilhar artigos úteis também. Para pais que estão em casa com as crianças, artigos com direitos dos trabalhadores, aplicações que ajudam as crianças a estudar. Estas partilhas têm tido um alcance desmesurado e facilmente chegam até si. É aqui também que entra o reverso da medalha: nunca foi tão fácil sermos inundados por falsas notícias (fake news), cada vez mais elaboradas e complexas.

Ontem, uma grande parte dos jornais portugueses avançava que Christian Lindmeier, porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), teria dito em Conferência de Imprensa que as pessoas realmente deveriam evitar o Ibuprofeno. “Por enquanto, recomendamos o uso de paracetamol e não de ibuprofeno como automedicação. É importante”, teria dito em Genebra.

Depois de alguma pesquisa – e de sabermos que a Direção Geral de Saúde tinha desmentido a relação entre o COVID-19 e o Ibuprofeno no dia anterior – começamos a perceber que todas as notícias, independentemente do seu idioma, tinham exatamente o mesmo “corpo”, vírgula por vírgula, citação por citação.

Procuramos pela suposta conferência de Imprensa e/ou recomendação oficial: não estava na página oficial da Organização Mundial de Saúde. Nem no Twitter ou Facebook da instituição. Colocamos no Google todas as palavras-chave referentes à notícia e continuaram a aparecer exatamente os mesmos resultados. A “fonte” não estava em lado nenhum.

Estivemos nisto madrugada fora. Logo pela manhã, começamos a “atacar” os canais oficiais da OMS e enviamos um e-mail a Christian Lindmeier. Seis minutos depois, caía a resposta no nosso e-mail:

“A OMS está ciente das preocupações sobre o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (isto é, ibuprofeno) para o tratamento da febre em pessoas com COVID-19. A OMS está a reunir mais evidências sobre esse assunto antes de fazer uma recomendação formal, mas após uma rápida revisão da literatura, não tem conhecimento da publicação de dados clínicos, ou de base populacional publicados sobre esse tópico. Portanto, a automedicação deve ser evitada e um profissional de saúde deve ser consultado.”

Há várias interpretações que podemos fazer a partir desta afirmação. Christian fala dos perigos da automedicação, não especifica se é automedicação com Ibuprofeno. Christian diz que a OMS está a reunir mais evidências antes de fazer uma recomendação formal. Quer isto dizer que a OMS não aconselha, nem desaconselha nada: está a estudar o assunto, como inicialmente tinha sido dito. Christian também diz que devemos consultar profissionais de saúde: não é o que a OMS (e a nossa DGS) dizem desde sempre, face a qualquer situação que careça de cuidados de saúde?

Não contentes com as respostas ao nosso primeiro e-mail, insistimos com Christian Lindmeier sobre as supostas declarações. Respondeu-nos um par de horas depois.

Correto, NÃO existe uma recomendação formal da OMS. Infelizmente os meus comentários foram um pouco distorcidos ontem. O ponto principal era realmente não se automedicarem. Procurem aconselhamento médico!
Aqui está a linha da OMS novamente.
«A OMS está ciente das preocupações com o uso de anti-inflamatórios não esteróides (isto é, ibuprofeno) no tratamento da febre em pessoas com COVID-19. A OMS está a reunir mais evidências sobre esse assunto antes de fazer uma recomendação formal, mas após uma rápida revisão da literatura, não tem conhecimento da publicação de dados clínicos, ou de base populacional publicados sobre esse tópico.»
Portanto, a automedicação deve ser evitada e um profissional de saúde deve ser consultado.
O briefing fazia parte das atualizações quinzenais da ONU pela imprensa de Genebra. A ONU tem-no online.
https://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpPages)/04C3E86BE178AB4FC1257D800056892C?OpenDocument ou http://webtv.un.org/ “

 

Penso que não será preciso dizer mais nada além disto: é preciso confirmar antes de partilhar. É preciso paciência e clarividência mesmo num momento destes. É preciso parar as notícias falsas.

É preciso dizer a verdade.

P.S – Deixamos explícitos todos os nossos passos para chegar a esta conclusão para que aí em casa os possam repetir para confirmar ou verificar qualquer notícia. No meio de uma pandemia, Christian respondeu-nos em poucas horas.

P.S – Este artigo foi publicado às 12h00 do dia 18 de março de 2020.

 

Flávia Barbosa
Diretora de Informação

 

 

       

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