Opinião

António tinha nome de Santo

Sofia Franco é mãe, esposa, cronista e tantas outras coisas que os dias exigem. Fundou o blogue Not Just 4 Mums e é com ele que ocupa grande parte do seu tempo. Foi com a maternidade – tem três filhas: de 8 e 5 anos e uma bebé de 8 meses – que descobriu as novas emoções que hoje em dia a fazem procurar e dar a conhecer incessantemente exemplos femininos de irreverência e persistência. A Minha desafiou a Sofia a escrever mensalmente uma crónica relacionada com a maternidade. Este mês a Sofia conta-nos a história do António e da Lúcia, um amor na brasa de uma sardinha e com aroma a manjerico!

O António tinha nome de santo mas nem por isso era abençoado. Também não era casamenteiro, nem tão pouco era casado. Quanto a ser popular as opiniões divergem. Diz quem mora no bairro que o António sempre foi calado, que deambulava pelas ruas sem levantar pó e parava nos caixotes à procura dos desperdícios que levava à boca sem nojo ou vergonha de quem estivesse a olhar. Já Lúcia era uma pessoa alegre, vaidosa e sempre com um sorriso para dar. De olhar meigo, acudia a quem podia. Passava pelo António e demorava-se nos seus olhos, procurava-lhe a alma com a intenção de a curar.

Foi numa tarde não muito quente nem muito fria, que os dois se encontraram e, sem defesas que pudessem usar, ficaram presos, cada um no seu lugar. Preparava-se o arraial, com a sardinha a assar, o bairro enchia-se das gentes que ali parava para comer e até quem sabe, dançar. Havia sempre bailarico já depois da sardinha comida, do vinho bebido e da marcha ter murchado. António recolhia–se à pressa, por costume de ficar sozinho, mas nesse dia deixou-se ficar. Ela também, de fato domingueiro por ali ficou, mesmo sem banco onde se sentar. Não havia chão que os equilibrasse ou música que os embalasse porque do António e da Lúcia que o povo conhecia, pouco havia. António era todo e só o vinho que Lúcia bebia, e ela de fato imaculado, com gestos de menina fina, deixou-se embeiçar pelo António, que mesmo desfraldado e sem jeito para bailar ali ficava pelos cantos só para ela olhar. 

Casaram anos mais tarde, também nos Santos Populares, diz quem viu que a festa foi bonita. Houve sardinha assada e vinho a copo, bailarico e manjerico e até os noivos, para agradar, dançaram ao som da música das marchas populares. E António fez-se crescido, deixou de andar aos caídos e arranjou emprego a assentar ladrilho. Espreitava Lúcia nas esquinas da rua e quando passava perfumada, corava do tanto que a amava. E foi entre esquinas que se encontraram e que Lúcia sem pudor procurou nos olhos do António aquilo que o seu coração lhe dizia. Ele sabia que não podia, mas mesmo assim lá lhe disse – “Bom Dia”. A história é bonita, esta de um amor na brasa de uma sardinha, e António que não era popular por causa de Lúcia e do seu olhar, endireitou-se e virou senhor.

E hoje correm os miúdos, os filhos daquele amor, pelas ruas da cidade, com o manjerico nas mãos e alegria no coração. Comem e bebem aos milagres do António, o casamenteiro, que de tantas pessoas casar, virou Santo Popular. As miúdas vestem as saias curtas e andam por ali a deambular, a fazerem-se notar, como há uns anos atrás já suas mães rodaram no mesmo chão e nas mesmas ruas. É que o Santo Popular se até o António conseguiu juntar, vai com certeza arranjar um marido para com elas se casar. E assim se vivem os dias de junho, entre festas e entre Santos, fica-se com a sardinha no pão guardada no coração. E, mais que o bailarico, o que me leva aos antos populares são as histórias das gentes que por lá se vão encontrar. É a rima do manjerico, que ensina as miúdas a rimar, mas é a vida desta gente que as ensina a amar.

Sofia Franco
www.notjust4mums.wordpress.com
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