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RICARDO COSTA | PRESIDENTE DO GRUPO BERNARDO DA COSTA «Liderar não é trocar tempo por salário, é criar propósito»

Num mundo empresarial muitas vezes obcecado por números, Ricardo Costa insiste em falar de rostos, histórias e vidas transformadas. O presidente do Grupo Bernardo da Costa, pioneiro na criação de um Departamento da Felicidade e autor do livro A Felicidade é Lucrativa, acredita que o verdadeiro sucesso não se mede apenas em lucros, mas na forma como uma empresa eleva quem nela trabalha e as comunidades que a rodeiam. Com uma liderança marcada por empatia, coragem e coerência, desafia a inércia cultural portuguesa, quebra mentalidades e prova – com dados e resultados – que cuidar das pessoas não é romantismo, é estratégia. Nesta entrevista, Ricardo Costa partilha a sua visão de um futuro empresarial mais humano, onde o lucro é consequência e não o propósito, e onde liderar significa, acima de tudo, servir.

Foto: Cristiano Silva Retratos

Antes de mais, de forma muito sucinta, como se define como pessoa e empresário?

Sou alguém que acredita que o valor de uma empresa se mede pelas vidas que transforma. Como empresário, não me preocupo apenas com balanços, preocupo-me com histórias. Com quem chega ao trabalho com brilho nos olhos e regressa a casa com orgulho no que faz. Sempre acreditei que empresas só têm sentido se servirem pessoas – as que nelas trabalham, as que nelas confiam e as comunidades que as rodeiam.

A liderança humanizada que defende exige um grau de empatia pouco comum no mundo empresarial. O que o levou, pessoalmente, a pôr o foco nas pessoas antes dos números?

Foi um processo de consciência. Percebi cedo que os números só fazem sentido quando têm rostos. Já vi empresas com lucros impressionantes e equipas emocionalmente destruídas e percebi que isso não era sucesso, era apenas sobrevivência. Prefiro construir negócios onde as pessoas crescem, porque quando os colaboradores têm espaço para desenvolver o seu potencial, os números acabam inevitavelmente por aparecer. Além disso, liderar é um ato de responsabilidade com impacto profundo: significa criar ambientes onde as pessoas sintam que o trabalho contribui para a sua realização pessoal e profissional, e não apenas que “trocam tempo por salário”. Essa é a verdadeira sustentabilidade empresarial: aquela que não aparece apenas nos relatórios trimestrais, mas transforma o futuro de quem está connosco.

Quando se olha para os números da produtividade em Portugal, sente-se a remar contra a maré?

Sempre. Mas remar contra a maré é o que nos distingue. Não quero alinhar com o discurso de “em Portugal é assim mesmo”. Quero provar que se pode fazer diferente – e já estamos a fazê-lo no Grupo Bernardo da Costa. É preciso coragem para enfrentar a inércia cultural que nos limita. E aqui é fundamental reconhecer um problema: continuamos a valorizar “horas de trabalho” em vez de “resultados alcançados”. Essa mentalidade tem de ser desconstruída. Não precisamos de mais horas, precisamos de melhores práticas, mais inovação e sobretudo de acreditar que os nossos profissionais são capazes de atingir padrões de excelência internacional.

«Um bom líder precisa de coragem, humildade, empatia e coerência»

É recorrente dizer “um bom colaborador tem de ser, antes de mais, um bom ser humano”. Mas e um bom líder? Que qualidades humanas considera inegociáveis num gestor?

Coragem para decidir, humildade para ouvir e empatia para compreender. Sem estas três, não existe liderança, existe apenas chefia – e chefes não transformam organizações. Mas acrescento outra qualidade: coerência. Um líder não pode dizer uma coisa e fazer outra. A liderança constrói-se na confiança, e confiança não se compra nem se impõe – conquista-se, todos os dias, com transparência e consistência.

Ao criar o Departamento da Felicidade, teve de “contrariar” muita mentalidade tradicional. Como se convence os céticos?

Com resultados. As pessoas não mudam de opinião com discursos, mudam quando veem provas. Mostrar que quando se investe nas pessoas a motivação aumenta, a atração melhora, a inovação surge e o negócio cresce – isso cala qualquer cético. No início, muitos chamaram-nos “idealistas, loucos, lamechas, etc.”. Hoje, olham para nós como pioneiros. É assim que se quebra mentalidades: provando que aquilo que parecia um luxo é, na verdade, uma vantagem competitiva.

O seu livro chama-se “A felicidade é lucrativa”. É hoje mais fácil explicar isso a um conselho de administração do que há cinco anos?

Muito mais. Antes parecia utopia, hoje é ciência. Há estudos robustos que ligam felicidade a produtividade, atração de talentos e inovação. Uma equipa feliz trabalha melhor, cria mais e permanece mais tempo. Hoje, já não falo apenas de conceitos – apresento dados, casos reais, métricas. E quando os números confirmam a teoria, os céticos ficam sem argumentos.

O que é, para si, um ambiente de trabalho saudável? E que sinais imediatos observa quando esse ambiente está a falhar?

Um ambiente saudável é aquele onde as pessoas têm voz, são respeitadas e reconhecidas. É onde existe espaço para errar, aprender e evoluir sem medo de represálias. É onde um colaborador sente que a sua opinião importa e que o seu contributo tem significado. O sinal de falha é simples: silêncio. Quando ninguém fala, ninguém questiona, ninguém sorri… a cultura está doente. E quando isso acontece, cabe à liderança intervir rapidamente, porque o desânimo é contagioso – e pode destruir uma organização por dentro.

«Empatia não é dom, é escolha. E empresas felizes crescem – sempre»

Como se mede o retorno de investimento em felicidade? Há uma fórmula que partilharia com outros líderes empresariais?

A fórmula é simples: medir o que antes ninguém queria medir. Taxas de atração, absentismo, índice de satisfação, reputação, produtividade, inovação e, sobretudo, o clima organizacional. Empresas felizes crescem – sempre. Mas o retorno não é só financeiro. É também social. Um colaborador motivado leva essa energia para casa, para a família e para a comunidade. É uma cadeia de impacto que ultrapassa as paredes da empresa.

Disse que “a felicidade também se treina”. Acha que podemos ensinar líderes a serem empáticos e genuinamente humanos, ou é algo inato?

Podemos e devemos. Empatia não é dom, é escolha. Quem não a quer treinar escolhe permanecer cego para o que realmente importa. As competências emocionais desenvolvem-se com prática, reflexão e humildade. O que não podemos é continuar a promover líderes apenas pelas suas competências técnicas. Liderar é, acima de tudo, lidar com pessoas – e isso exige autoconhecimento e capacidade de se colocar no lugar do outro.

O Ricardo tem sido claro: os salários em Portugal são “miseráveis” e “os portugueses trabalham muito e mal”. Se pudesse sentar-se numa sala com o ministro das Finanças e com empreendedores portugueses, e dar-lhes três propostas para subir o rendimento líquido dos trabalhadores portugueses, quais seriam?

As propostas passavam por, por um lado,   reduzir a carga fiscal sobre o trabalho. Hoje, trabalhar mais não significa levar mais para casa. É desmotivador. Depois, incentivar as empresas a partilhar lucros com os colaboradores. É fundamental que quem cria valor participe dele. E por fim, apostar fortemente na formação e requalificação. Precisamos criar políticas que aumentem a produtividade real, não apenas o número de horas trabalhadas. Trabalhadores mais qualificados produzem mais valor – e, por isso, devem ganhar mais. Só assim criaremos um círculo virtuoso: trabalhadores mais bem pagos, empresas mais competitivas e uma economia mais saudável.

O “salário emocional” tem sido muito falado. Mas em que momento se torna uma desculpa para não aumentar o salário real?

Quando é usado como maquilhagem para más condições financeiras. Salário emocional é complemento, nunca substituto. É ótimo ter benefícios, flexibilidade e reconhecimento, mas não se pode romantizar um ordenado que não permite viver com dignidade.

Foto: Cristiano Silva Retratos

Já disse que a IA pode libertar tempo para tarefas mais criativas. Mas como garantir que esta revolução não desumaniza as empresas?

A tecnologia só desumaniza quando deixamos. A IA é ferramenta, não substituto. Ela pode libertar-nos de tarefas repetitivas e permitir que nos dediquemos a funções mais produtivas e prazerosas. Mas isso só será possível se investirmos na formação, requalificação e aquisição de novas competências. A grande revolução não é a IA substituir pessoas, é a IA libertar pessoas para fazerem aquilo que só os humanos sabem fazer: criar, inovar, sentir e conectar.

«No futuro vamos todos trabalhar menos»

Acredita que a semana de 4 dias vai ser uma realidade em Portugal num horizonte de 5 a 10 anos?

Depende do setor. Há áreas – como hotelaria, restauração, construção civil e indústria de chão de fábrica – que dificilmente vão conseguir reduzir já a carga horária semanal sem perder produtividade. Por outro lado, setores como IT e alguns serviços já o fizeram, com resultados muito positivos. Esse é o grande desafio: equilibrar a ambição com a realidade. Mas uma coisa estou certo: no futuro vamos todos trabalhar menos… e também vamos ter de aprender a viver com menos. Até porque estamos a consumir recursos do planeta que não se regeneram. Esta mudança não é apenas sobre trabalho – é sobre repensar o nosso modelo de vida.

O Ricardo fala muito em personalização no trabalho. Como é que se gere uma organização quando cada colaborador precisa de algo diferente para ser feliz?

Com diálogo, flexibilidade e coragem para romper com a velha lógica do “um modelo serve para todos”. Liderar é entender que “justo” não é tratar todos iguais – é dar a cada um aquilo de que precisa para render o seu melhor. Isso exige um olhar atento para cada pessoa e capacidade de criar políticas que, mesmo sendo globais, tenham espaço para a adaptação individual. Na prática, personalização no trabalho pode significar permitir horários flexíveis, criar oportunidades de crescimento personalizadas ou oferecer diferentes tipos de benefícios conforme o perfil e as necessidades de cada colaborador. Não é fácil – dá mais trabalho e exige mais da liderança – mas é o que diferencia uma empresa que retém talento de uma que o perde. Hoje, quem quer atrair os melhores tem de saber ouvir e desenhar soluções à medida das pessoas.

Se Portugal tivesse um “Ministério da Felicidade”, aceitava ser ministro? Se sim, que medidas implementaria nos primeiros 100 dias?

Aceitava, claro – até porque acredito que a felicidade não pode ser vista como um luxo, mas como uma prioridade política e social. Nos primeiros 100 dias, lançaria três medidas-chave. Primeiro, introduzir educação emocional nas escolas. As novas gerações precisam aprender a lidar com emoções, com o stress e com a frustração. Queremos adultos felizes? Comecemos por formar crianças emocionalmente inteligentes. Segundo, criar incentivos fiscais para empresas que invistam no bem-estar dos colaboradores. Se premiamos a inovação tecnológica e a internacionalização, por que não premiar a inovação humana? Por fim, lançaria campanhas nacionais que redefinam o conceito de sucesso, mostrando que ele não se mede apenas por dinheiro ou cargos, mas por qualidade de vida, saúde mental e impacto positivo na sociedade.

Vamos imaginar: daqui a 30 anos, o seu neto lê o seu livro e pergunta “Avô, o que é que quis mudar no mundo quando escreveu isto?” O que gostaria de lhe responder?

Gostaria de lhe dizer: “Quis provar que negócios e humanidade não são conceitos opostos. Quis mostrar que as empresas podem e devem ser lugares onde as pessoas crescem e florescem, e não apenas onde sobrevivem para pagar contas.” Quis também que o meu livro fosse um legado para a minha geração e para as que virão: um convite para pensar o trabalho como parte integrante da felicidade – e não como um sacrifício necessário para receber um salário. Se daqui a 30 anos ele olhar à volta e vir empresas onde as pessoas vão para trabalhar com prazer, sabendo que ali têm propósito e reconhecimento, então sentirei que cumpri o meu papel.

Numa era de excesso de informação, redes sociais e burnout digital, a felicidade no trabalho também passa por “desligar”?

Sem dúvida. Desligar é hoje um ato de autocuidado e de resistência. Vivemos hiper conectados, mas essa ligação permanente gera ansiedade e esgotamento. É um mito pensar que estar sempre disponível significa ser mais produtivo. Pelo contrário: a sobrecarga digital mata a criatividade, aumenta os níveis de stress e compromete a saúde mental. Criar uma cultura organizacional que respeite o tempo pessoal é essencial. Isso pode passar por limitar a comunicação fora do horário laboral, incentivar pausas verdadeiras e até promover momentos de descompressão durante o dia. Porque ninguém é criativo ou inovador no limite do cansaço. Produtividade e bem-estar caminham juntos – e precisamos de líderes que entendam isso.

Acredita que a cultura portuguesa ainda penaliza quem é ambicioso? Como podemos mudar isso?

Sim. Confundimos ambição com arrogância. E muitas vezes, quem sonha grande é rapidamente reduzido ao “fica no teu lugar”. É um erro cultural que nos custa caro: perdemos talentos, ideias e oportunidades porque continuamos a nivelar por baixo. Para mudar isso, precisamos de celebrar a ambição, de ensinar nas escolas que sonhar alto é virtude, e de criar ecossistemas empresariais e sociais que apoiem quem quer fazer diferente. Ambição não é defeito – é motor de progresso. Portugal precisa de mais gente que sonhe grande, que arrisque, que acredite que podemos competir com os melhores do mundo.

Num país onde o talento jovem emigra por falta de oportunidades, como se cria um ecossistema empresarial que os traga de volta?

Primeiro, é preciso pagar melhor. Um jovem talentoso não volta para ganhar metade do que recebe fora. Mas não basta o dinheiro: precisamos de dar voz e criar projetos de crescimento profissional que os façam sentir-se parte de algo maior. As empresas devem investir em planos de carreira claros, em programas de mentoria e em ambientes que estimulem a inovação. E o Estado tem de fazer a sua parte: políticas fiscais e apoios que incentivem o regresso do talento. Não basta criar empregos — precisamos de criar projetos de vida que façam os jovens acreditar que o seu futuro pode estar aqui.

«Se ser humano demais é defeito, então que nunca me falte esse defeito»

Disse que no início o chamaram de “lamechas”. Como lida hoje com o estigma de “ser humano demais” no mundo dos negócios?

Transformei o insulto em bandeira. Se ser humano demais é defeito, então que nunca me falte esse defeito. Hoje percebo que ser “lamechas” – no sentido de colocar as pessoas no centro – foi a maior disrupção que poderia trazer ao mundo empresarial. Vivemos décadas num modelo de gestão frio, centrado exclusivamente no lucro. Mas as empresas não são feitas de máquinas — são feitas de gente. Humanizar a gestão não é fraqueza, é estratégia. É isso que garante equipas mais comprometidas, clientes mais satisfeitos e negócios mais sustentáveis.

Na sua experiência enquanto comunicador e influenciador no LinkedIn, o que é que tem funcionado melhor para gerar impacto positivo e verdadeiro nas pessoas?

Autenticidade. Não escrevo para agradar algoritmos, escrevo para tocar pessoas. É isso que gera impacto verdadeiro: falar com vulnerabilidade, provocar reflexão e partilhar experiências reais. Quando partilho conquistas, faço-o para inspirar. Quando partilho dificuldades, faço-o para mostrar que ninguém está sozinho. É essa transparência que cria conexão – e que transforma seguidores em comunidade. As pessoas não querem perfeição, querem verdade.

Há uma frase ou princípio que o acompanha sempre que toma uma decisão difícil?

“Se esta decisão fosse sobre a minha família, faria o mesmo?” Se a resposta for sim, avanço. Esta pergunta simples ajuda-me a manter a coerência entre os meus valores pessoais e profissionais. No fundo, é uma forma de me lembrar de que negócios são feitos de relações humanas – e que as decisões que tomamos têm impacto na vida de muitas pessoas. Liderar é nunca esquecer isso.

Para terminar, se tivesse de deixar uma única mensagem a quem vai liderar empresas nos próximos 20 anos, qual seria?

Não se esqueçam: as empresas não são feitas de pessoas, as empresas são as pessoas. Cuidem delas. O resto vem por acréscimo. E acrescento: vivam, sejam felizes e façam os outros felizes. Essa será sempre a maior herança que um líder pode deixar.

Foto: Cristiano Silva Retratos

 

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