Entrevista ao diretor artístico do INDEX, Luís Fernandes
O INDEX – Bienal de Arte e Tecnologia decorre em Braga entre os dias 9 e 19 de maio, em vários espaços históricos e culturais da cidade. A iniciativa desenvolve-se nesta edição sob o conceito de “Coexistência”, com cerca de 50 propostas e procura estabelecer relações entre tecnologia, democracia e liberdade, através dos eixos programáticos Performance, Pensamento, Exposições e Mediação.
De que mote nasceu o Index?
O INDEX é uma Bienal da Área de Tecnologia que surgiu associada ao Programa da Cidade de Braga enquanto Cidade Criativa da UNESCO para as Media Arts. É um evento que se propõe a trabalhar a área da tecnologia a partir de diferentes prismas em formato bienal e decorreu de uma forma exploratória no ano de 2019, ainda num formato bastante distinto do atual e o plano teria sido fazê-lo em 2021, mas a pandemia implicou que atrasássemos um ano essa primeira edição que decorreu em 2022 e que agora se repete em 2024.
Como viu a primeira edição, realizada em 2022, e como encara a bienal de arte e tecnologia deste ano?
A edição de 2022 foi uma edição, como disse, ainda algo exploratória no sentido, ou melhor, não totalmente exploratória, porque houve uma edição em 2019, mas 2022 foi a primeira vez que realizámos o evento no seu formato ideal ou no formato que preconizamos. O resultado, talvez por ter havido essa experiência em 2019 e um grau de maturação muito grande, o resultado foi muito próximo daquilo que imaginávamos e, portanto, foi bastante positivo do ponto de vista da organização, do ponto de vista daquilo que nos propusemos com o programa e também na quantidade de público e na abrangência que teve em termos de público e de media.
O conceito desta edição é “Coexistência”. Qual foi o propósito para a sua escolha?
A edição de 2024, aliás todas as edições do INDEX alinham num tema, numa ideia, num conceito e, em 2024, para nós era claro que teria que existir uma relação muito forte com a celebração dos 50 anos do 25 de Abril. Para nós um momento marcante e penso que também pela relação que estabelece com a própria área da tecnologia e falo aqui da relação entre democracia, liberdade, tecnologia, pareceu-nos que seria extremamente interessante encontrar aqui ângulos de discussão que pudessem de facto pensar o que é que significa hoje em dia uma ideia de democracia, uma ideia de liberdade em relação com a ubiquidade dos elementos tecnológicos que se verifica nos dias que vivemos. E, portanto, para nós era claro que este tema era um tema importante a explorar. A ideia de coexistência veio muito a partir de uma ideia nossa de não querermos ser tão literais ou simplistas no que toca ao tema. Portanto, queríamos que esta ideia fosse de certa forma traduzida por um conceito que fosse simples, mas que pudesse ser abrangente o suficiente para se perceber do que estamos a falar. Coexistência aqui remete para uma ideia de vivência em conjunto, de respeito mútuo, parâmetros fulcrais numa ideia de democracia e também de liberdade. Para além disso, tem o condão de abarcar um conjunto de referências de pensamento nos dias que correm que têm que ver com uma ideia de pensamento além do humano, ou seja, ter em consideração dimensões ecológicas, éticas e de foros distintos que abrangem não apenas os humanos enquanto espécie, mas a natureza no seu global e, portanto, esta ideia de coexistência é algo que se aplica não apenas a nós, seres humanos, uns com os outros mas, de certa forma, um respeito mais abrangente que inclui saber viver com o planeta em que habitamos, com as espécies que daqui fazem também a sua casa.
O programa inclui cerca de 50 propostas artísticas. Quais gostaria de destacar?
O programa é vasto e, portanto, também algo difícil de destacar. Contudo, deixaria aqui como referência o espetáculo de abertura, pelo japonês Ryoji Ikeda, uma figura importantíssima do panorama internacional das artes, atualmente. Deixaria também o libanês Lawrence Abu Hamdan, artista vencedor do Turner Prize, que é um dos principais prémios da arte contemporânea, e que apresentará uma série de trabalhos ligados a direitos fundamentais, direitos humanos, crimes de guerra, violações políticas, ou melhor, violações por parte de políticos de regras fundamentais da civilização, portanto, crimes de guerra e tudo isso. Também quero destacar aqui, de forma geral, um programa de conferências que abrange todo o período da bienal e que é um programa muito rico, conta com muitos convidados e, portanto, parece-me importante deixar aqui essa nota.
O evento realiza-se em vários espaços históricos e culturais da cidade. Que fatores ditam essas escolhas e que mais valias apresentam?
O facto de o festival decorrer em vários locais é simultaneamente um constrangimento ou uma resposta a um problema e também uma força. Na verdade, aquilo que se passa é que Braga não dispõe de locais, ou aliás, de um único local que permitisse abranger todo o programa e todas as ramificações que a bienal tem. Nesse sentido, tivemos que ser, de certa forma, criativos para tentar aqui encontrar contextos que permitissem agregar todas as propostas e ao fazê-lo, julgo que também, como disse há pouco, acabou por ser uma arma e uma vantagem porque, de facto, pensamos o programa em função dos locais que são muito distintos onde a Bienal decorre e vão desde museus mais clássicos, museus mais contemporâneos, salas como o gnration e o Theatro Circo, o Mosteiro de Tibães, enfim, locais com características muito distintas e que também impõem uma certa forma de olhar para o programa e para aquilo que lá decorre. Ganhamos também uma abrangência geográfica dentro da cidade que, no meu entender, é muito rica e, portanto, diria que o facto de haver esta diversidade de locais acaba por ser uma mais-valia e confere identidade e alguma singularidade às propostas programáticas.
Como vê o nível de interação do público nos diferentes cenários artísticos?
No que toca a interação do público, enquanto diretor do festival, interessar-me-ia que se repercutisse numa participação considerável nas propostas que apresentamos, nomeadamente aquelas que passam pela dimensão de conferência, de pensamento, de debate, porque são formas também de promover pensamento crítico, tocar em assuntos que estão na ordem do dia, a partir dos pontos de vista de pessoas extremamente interessantes e que, por norma, nem temos a capacidade de ver e ouvir em Braga ou em Portugal de forma recorrente, e, portanto, seria espetacular poder contar com essa interação e essa participação. Paralelamente, também tudo o que tem a ver com as exposições, com os espetáculos, também são momentos que para nós seria importante contar com essa presença do público e até a contaminação entre públicos distintos, seria muito interessante.
Quais são as suas expectativas para esta Bienal?
Em termos de expectativas, a ambição de qualquer pessoa ligada à organização de um evento como este é, por um lado, que o programa se cumpra sem problemas de maior, que aquilo que nós nos propusemos e no qual tanto pensamos ao longo dos últimos meses, de facto, seja implementado sem problemas e da forma que a qualidade do programa merece. E, obviamente, que todo este esforço, quer no pensamento, na preparação e na implementação do programa, seja premiado com uma presença de público, uma curiosidade por parte do público e também dos media. Portanto, são essas as nossas expectativas e é esse o nosso plano.
Olhando já para o futuro do Index, o que se perspetiva?
De momento estamos focados na edição de 2024, embora saibamos que 2026 está já aí, e contendo ou contemplando uma edição do INDEX, ela terá que ser pensada nos próximos tempos, mas acredito que, assim como ocorreu no passado, os problemas levantados durante uma bienal levam normalmente a que surjam ideias e motivos para serem explorados a partir de outra lógica, outra temática, na bienal seguinte. E, portanto, diria que aguardemos para ver aquilo que nos reserva não só esta bienal, mas, no fundo, a geopolítica internacional e os dias que vivemos e quais são os temas que serão relevantes discutir a partir do prisma que trabalhamos.