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«O estatuto do professor tem de ser muito mais valorizado e a desigualdade territorial combatida»

ENTREVISTA À VEREADORA DA EDUCAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGA, CARLA SEPÚLVEDA

A cumprir o primeiro mandato como vereadora da Educação na Câmara Municipal de Braga, Carla Sepúlveda traça, em entrevista à Revista Minha, a sua visão sobre o estado da educação e do ensino em Braga e Portugal. A conversa teve lugar na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

Que balanço faz deste ano letivo que está próximo de terminar?

Começou por ser um ano letivo de continuidade no contexto de pandemia. De grandes dificuldades extensíveis a todos os elementos da comunidade educativa, obrigando à afetação dos mais e diferenciados recursos para que nenhuma das nossas crianças e/ou jovens ficassem prejudicados no seu percurso escolar e privilegiando sempre a vontade de manutenção da normalidade. Neste 3.º e último período foi já possível respirar um pouco e retomar a atividade letiva em todos os níveis de ensino. Julgo que as perspetivas para o futuro são ainda mais otimistas no que à recuperação do quotidiano escolar diz respeito.

Que opinião tem do ensino em Portugal?

A educação em Portugal tem de ser muito pensada, debatida para que (posteriormente) se possa passar à ação. O estatuto do Professor tem de ser muito mais valorizado e a desigualdade territorial tem de ser combatida porque há escolas com tudo e outras com nada. Este facto deve-se à falta de verbas. Não há dúvidas de que o Governo Central tem de apostar na Educação e assumir esta área como pilar da governação.

Quais os principais desafios que o município de Braga tem no pelouro da Educação?

Conceber e implementar uma Estratégia Municipal de Educação que envolva todos os bracarenses. Quando digo todos, é mesmo todos! Crianças em idade de JI, jovens em idade escolar, adultos em busca de qualificação e formação ao longo da vida. Queremos apostar na educação formal e na educação não formal, fazer da comunidade educativa de Braga uma comunidade que aposta no ensino e nas aprendizagens de qualidade, envolvendo e dando resposta às necessidades de mão de obra qualificada do tecido empresarial. Pretendemos também apadrinhar a Inovação Pedagógica e Curricular de proximidade; contribuir para a implementação de projetos educativos de recorte inovador nomeadamente nas metodologias STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática); investir claramente num Plano Tecnológico para a escolas de Braga; e promover a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino regular ou qualificante.

O que já mudou na área da Educação no concelho de Braga?

A qualidade das respostas socioeducativas prestadas à comunidade escolar – desde a refeição diária equilibrada (fruta escolar); o voucher escolar; as medidas de ação social escolar; o apoio a visitas de interesse lúdico-pedagógico; incentivo à leitura e escrita criativa; enriquecimento curricular como a oferta universal e gratuita; Bolsa de Mérito; oferta de Manuais Escolares; o Transporte Escolar; os tantos projetos pedagógicos e didáticos que o Município disponibiliza à escola; o alargamento e apetrechamento da Rede de Bibliotecas Escolares e nosso Plano Local de Leitura são exemplos (entre tantos outros) de que a Educação é uma prioridade no concelho. De salientar a diversidade da oferta educativa promovida em parceria com os Agrupamentos de Escolas que decidem aceitar novos desafios em contexto escolar. Dou como exemplo o ensino do mandarim, o projeto “Escolas que Abraçam”; os projetos na área da Cidadania: Parlamento de Jovens e os projetos que fazem Cidade Educadora, como é o caso dos Agrupamentos de Escolas no apoio à comunidade com a recolha de bens de primeira necessidade e acolhimento da comunidade de refugiados nas escolas com particular enfoque nas crianças Sírias e Ucranianas. Para além disso, queremos que haja maior articulação com a comunidade em geral, com particular destaque para a vertente da Saúde Pública (desenhando estratégias municipais de combate à obesidade e promoção da alimentação saudável) e Segurança Rodoviária.

Existe, neste momento, uma escassez de professores e auxiliares de educação no ensino em Portugal. O que deve ser feito para mudar este padrão?

No que concerne aos professores parece por demais evidente que caberá ao Ministério da Educação delinear uma estratégia de combate ao problema e que (temo) se agudizará a breve trecho. Relativamente ao pessoal não docente, é comum referir-se o seu déficit. No caso de Braga, o município chama a si a responsabilidade e, para além da afetação do pessoal previsto na lei por cada um dos Agrupamentos de Escolas, tem vindo a desenvolver uma estratégia de gestão de recursos humanos própria e em parceria com o IEFP, que tem permitido manter um excedente de rácio de pessoal não docente nas escolas.

Há perspetivas para o reforço de pessoal docente e não docente nas escolas de Braga por parte do Ministério da Educação?

O pessoal docente, como referi anteriormente, é da responsabilidade do Ministério da Educação. Já o pessoal não docente, desde 1 de abril está na esfera de competência municipal e, como também já referi anteriormente, o Município de Braga tem uma estratégia de afetação de recursos humanos delineada e estruturada para fazer face às necessidades.

Que respostas dá o Município nestes casos que apresentam escassez de profissionais?

Um reforço inequívoco das equipas.

A pandemia veio alterar muitos hábitos, tanto nos alunos como nos professores e até nos pais e encarregados de educação.  Considera que todos estes agentes se conseguiram adaptar a esta realidade?

Surpreendentemente, sim. A comunidade escolar, os docentes, os auxiliares, as famílias e as instituições tiveram (de facto) uma capacidade inexplicável e inexcedível de adaptação à realidade que a pandemia nos trouxe. Devemos estar todos orgulhosos pela forma como fomos capazes de gerir momentos tão complexos a vários níveis. Foi através da proximidade que foram encontradas as respostas para que, em conjunto, as dificuldades pudessem ter sido ultrapassadas.

A comunidade escolar, os docentes, os auxiliares, as famílias e as instituições tiveram uma capacidade inexplicável e inexcedível de adaptação à realidade que a pandemia nos trouxe.

 

O que foi bem e mal feito, na sua opinião?

Não há bem ou mal feito. Braga e as suas gentes estão de parabéns. Não sabíamos o que era a COVID-19 e foram dois anos muito exigentes para todos nós. Agora é o momento de tirarmos lições – e se é que as há para tirar – que ajudem a tomar decisões futuras.

Que aspetos positivos resultam deste período mais conturbado que podem ser positivos no futuro?

A capacidade de nos reinventarmos e não deixarmos ninguém para trás.

Em termos de absentismo e abandono escolar no concelho de Braga, quais são os dados mais recentes?

São os que estão disponíveis na Carta Educativa e no último Relatório PISA (Programme for International Student Assessment, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Braga encontra-se com valores abaixo dos valores médios nacionais, mas existe um caminho a percorrer e é nesse percurso que estamos a trabalhar.

Quais os motivos para isso acontecer?

Os motivos podem ser vários e claro que as situações e contextos são muito específicos. Todavia, um dos principais motivos são as problemáticas socioeconómicas que ainda são uma realidade. Braga é um concelho muito disperso a nível territorial e onde existem realidades distintas. O nosso trabalho incide na alteração destes números por via de uma ação especializada que, estamos certos, a longo prazo, surtirão efeito.

O que deve mudar para evitarmos estas ocorrências?

Implementação de projeto na continuidade do PIICIE (Programa de combate ao insucesso escolar) mas de iniciativa municipal envolvendo os Agrupamentos de Escolas na definição de uma efetiva politica de promoção do sucesso escolar.

Foram efetuadas as transferências de competências da administração central para os municípios. Até onde pode ir a responsabilidade da Câmara de Braga?

O Município de Braga assumiu (e como já foi por diferentes vezes por mim referenciado) as competências previstas na lei 50 e no decreto-lei setorial da educação. De ressaltar que – dentro do que seria expectável – esta transição deu-se com serenidade e muito graças à capacidade de planeamento dos serviços municipais em estreita colaboração com as Direções dos Agrupamentos de Escolas e com a equipa da DGEstE. Manifestou preocupação relativamente às verbas transferidas, considerando-as “completamente desajustadas”.

Há alterações nesta matéria? Não. Mantemos o entendimento de que são, de facto, desajustadas. Este desajuste agudizou-se com a questão da inflação. Esperamos, contudo, que haja lugar a acertos nas verbas a transferir.

O município mantém-se em contacto com o Governo?

Com a Direção Serviços Regionais do Norte.

O que vos é dito?

O mesmo desde 2018. Mas estamos atentos e negociaremos sempre que se mostre necessário e possível.

Quais as maiores preocupações difundidas pelos agrupamentos escolares?

As relativas à gestão corrente que é a esfera onde a transferência de competências virá a ter mais impacto.

As verbas transferidas relativas à transferência de competências na área da educação são completamente desajustadas e esta situação agudizou-se com a questão da inflação. Esperamos que haja lugar a acertos.

 

Tem de existir uma grande adaptação para toda a comunidade escolar como também para o próprio município. Que trabalho tem sido efetuado nesta vertente para que tudo funcione corretamente?

Sim e existiu. Em Braga tudo decorreu dentro da normalidade e conforme o planeado. Há que distinguir o que é a concordância ou discordância como modus operandi da administração central para com os Municípios. E o trabalho que o Município de Braga tinha de fazer (e fez) com a comunidade educativa e os bracarenses. O compromisso foi sempre não prejudicar a segunda vertente por força da imposição da primeira. Vamos ver como acaba!

O que é feito pelo município para promover a leitura e a educação literária junto da população?

Temos a sorte de ter uma Rede de Bibliotecas Escolares extraordinária e em real sintonia com a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva que está totalmente aberta a toda a comunidade. A par disto, o Município desenvolve uma série de projetos dentro e fora do espaço escolar (envolvendo toda a população) no sentido de promover a leitura. A Semana da leitura é prova disso mesmo. Temos também no terreno o Plano Local de Leitura que será preponderante para a continuidade deste trabalho. Friso o facto de as nossas Bibliotecas Escolares desenvolverem um trabalho exímio junto das nossas crianças e jovens.

E em termos de inclusão social, que projetos destaca no concelho?

A Inovação e Coesão Social tem imensos projetos no terreno e todos são importantes. Todavia, não podendo dicertar sobre todos eles, permitam-me que faça ao RED MAY – Serviços Sociais e de Saúde de Proximidade que se prende com o apoio pessoal personalizado e de prevenção de demências, dirigindo-se a pessoas com mais de 55 anos de idade, que promove ações gratuitas de serviços sociais. Ou o ROOF – Ending Homelessness que visa a integração das pessoas em situação de sem-abrigo por meio de soluções habitacionais inovadoras de âmbito local, pretendendo- -se delinear uma estratégia de abordagem a esta problemática, recorrendo a programas de Housing First e Housing Led e à recolha de dados precisos. Destaco também o trabalho de proximidade da nossa Rede Social com a comunidade em geral, mas, particularmente com as instituições sociais da cidade e as Juntas de Freguesia. Estou certa de que é através desta proximidade que poderemos melhorar a sociedade em vários âmbitos. Devo ainda referir os projetos Bike Atitude e B!One que contribuem para a integração e inclusão das nosass crianças e jovens. Numa fase em que tanto se fala de migração e cidadãos deslocados, faço uma particular ressalva a todos os projetos que o município tem na área da integração e inclusão de cidadãos estrageiros, particularmente o Gabinete de Apoio ao Emigrante e Imigrante.

Prevê-se o encerramento de alguma escola no concelho?

Não.

E em termos de melhoramento e modernização. Há alguma intervenção prevista?

Está prevista a concretização do Plano Tecnológico contando com o apoio do PRR. O próximo ano letivo começa a ser preparado tanto pelas escolas públicas como pelas instituições privadas.

Prevê um ano normal ou aguarda algumas alterações estruturais e pedagógicas no sentido de ajustar a metodologia que foi sendo alterada nos últimos dois anos devido à pandemia?

No próximo ano letivo, que tenhamos conhecimento, ainda não. Num futuro próximo devemos começar a atender às questões da desmaterialização e sedimentação do ensino hibrido (conjugando a distância com o presencial).

Recentemente, elogiou o trabalho das escolas profissionais e prometeu elevar o Ensino Profissional. O que tem em mente?

O reforço muito acentuado na estratégia municipal nesta matéria e, tal como recomenda da Carta Educativa na sua versão revista de 2.ª geração. E também elevar a oferta profissional como uma excelente opção e não como um recurso para os alunos com menor aproveitamento.

As nossas Bibliotecas Escolares desenvolverem um trabalho exímio junto das nossas crianças e jovens para promover a leitura e a educação literária.

Destacou também o Programa Erasmus+. Que importância tem no desenvolvimento das comunidades escolares?

A partilha e troca de ideias são uma das melhores armas de combate, aliás de promoção do sucesso escolar. Para além das experiências culturais diversificadas e a promoção da diminuição da diferença.

Uma das grandes preocupações dos alunos universitários é conseguir emprego depois de concluírem os estudos. Que trabalho o município tem feito junto das empresas para assegurar estágios e consequentemente postos de trabalho?

Realço o apoio incondicional a toda a estratégia UPA (Universidade de Portas Abertas) da UMinho e demais iniciativas levadas a cabo tanto pelas Universidades, Politécnico e Secundário na promoção da oferta de ensino superior e qualificante. Mas também as iniciativas da InvestBraga como, por exemplo, os Embaixadores Empresariais ou o Desenvolvimento da plataforma de emprego workinbraga. De salientar também o nosso GIP (Gabinete de Inserção Profissional) que faz um excelente trabalho no apoio à procura de emprego e integração no mundo do trabalho. O GIP do Município está em estreita ligação com o GIP da Universidade do Minho.

Que conselhos ou sugestões dá a estes jovens que estão nesta situação e que pretendem apostar no seu desenvolvimento pessoal e profissional?

A busca ativa de resposta de educação formal e/ou não formal, cientifico-humanística ou profissional sempre contando com o envolvimento de entidades que constituem a comunidade; o Desenvolvimento e integração em Iniciativas de voluntariado; e a Criação de rede networking alargada.

Devido à Guerra na Ucrânia, têm chegado muitos refugiados ao concelho. Que respostas tem o município para estas famílias em termos de alojamento, em termos profissionais para os adultos e à integração dos menores ucranianos no sistema de ensino?

As previstas na legislação em vigor e que foi emanada pelo Ministério da Educação com elevado grau de envolvimento das escolas, instituições e famílias refugiadas na adesão das respostas que foram imediatamente montadas. Diria que em Braga nenhuma criança refugiada ficou sem ir à escola. Foi feito mais do que o mínimo que se exigia para se adaptarem à nova realidade.

Tem havido sensibilidade por parte dos agrupamentos de escolas no sentido de acolher estas crianças e jovens?

Sim. Tem corrido tudo muito bem e devemos estar gratos a todos aqueles que se envolveram de alma e coração nesta tão árdua tarefa.

Para terminar, qual é a estratégia do município para a área da Educação nos próximos anos?

Cumprir os objetivos estratégicos constantes na Carta Educativa de Braga e Projeto Educativo Municipal, sendo que Braga é e será sempre cumulativamente uma Cidade Educadora e Amiga das Crianças. Que tipo de apoios e investimentos estão previstos? No edificado, Choque Tecnológico, Ensino Profissional e projetos diferenciadores e de Recorte Inovador.

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