Vivemos a vida toda com a luz do sol e nem nos apercebemos de que, na realidade, estamos a viver às escuras. Camila, embora isso já lhe fosse indiferente, estava um pouco às escuras e sentia-se encoberta com uma luz escassa, apesar de ela existir todos os dias nos seus olhos. O Gonçalo apareceu com toda a verdade e a irradiar o que a vida dela, ainda, desconhecia. Embora Camila não o demonstrasse, um som interior segredava-lhe muitas vezes: “Estás tão solteira que chega a doer!” Camila ignorava a sirene do seu âmago, pois sempre fora uma mulher de lidar bem com a sua presença. Porém, existiam partes que continuavam vazias e que, mesmo não lhe oferecendo importância, se mantinham por ali. Há coisas que não se colmatam sozinhas, e o amor será sempre a força que temos de maior no mundo para ser feliz sozinho. O amor é realmente o que faz a vida respirar e flutuar. Apesar de Camila se apresentar como uma mulher para quem olhamos e em quem vemos tudo, como algo quase inquebrável e de uma cor enorme… Vá lá… Só estamos a olhar. E o mais importante? O que poucos têm a curiosidade de espreitar e ficar para descobrir além-fronteiras? O que é realmente o mais bonito. Ficar para fazer casa. Ficar para conquistar a beleza das cores existentes e do mundo possível. Quem fica?!… Pois.
Camila é um ser humano dentro da vida, um ser humano com tudo e nada ao mesmo tempo. Camila sempre imaginou como seria ouvir a voz de alguém que se ama e sentir o mundo a derreter. Gonçalo deu-lhe esse presente, ainda que de um modo muito pouco convincente. Digo “pouco convincente”, pois, apesar das vossas dúvidas acerca desta história, tudo muito perfeito e bonito demais para ser real, Camila parecia ter enterrado o seu coração nos últimos tempos, tendo-a, a vida, resignado a um espaço pequeno. Mas, com a chegada inesperada de Gonçalo, e quase como que num efeito de magia, as coisas mudaram… Camila voltou a abrir o seu coração, como se de facto ele tivesse chegado para a fazer ver tudo aquilo que não veria se continuasse fechada em si mesma… sozinha.
O dia trazia restos de chuva e sol nos sapatos, e Camila estava pronta para o lançamento do seu livro. Vestiu uma roupa extraordinariamente elegante, fez um coque despojado no comprimento médio do seu cabelo, deixando cair uns fios, quase inatingíveis, a definirem-lhe o rosto bonito, e não se esqueceu da calma de que precisava ao sair de casa. Esteve durante semanas a preparar o seu estado emocional e sentia-se confiante sobre o que aquele dia lhe traria. A hora tinha chegado e a livraria estava repleta de pessoas de todas as formas.
“Oh my god! É o primeiro livro que escreve e já tem mais fãs que o melhor bolo de chocolate do mundo! You go girl”. É Borboleta! Há pessoas que nasceram para brilhar, e Camila espalha um imenso arco-íris de sorrisos bonitos com sabor a baunilha… (Para quem gosta, quem não gosta, pode sempre imaginar outro sabor).
As horas, os minutos e os segundos foram fiéis ao som que o relógio fazia sentir em som atrativo. O momento mais aguardado daquele mês para Camila estava a dar entrada em cena. As palmas ouviram-se pela cidade inteira à chegada de Camila, e, estupefacta com tanta gente, levou as mãos ao peito como forma de agradecimento e deixou no ar um sorriso sincero de quem não está a acreditar que tudo aquilo está realmente a acontecer. Camila começava agora a deixar passar a calma e a sentir borboletas no estômago. Um pouco tímida, esboçou um gesto com a mão direita, tipo princesa real, e, grata ao mundo por aquilo, sentiu-se profundamente feliz. As pessoas acalmaram as emoções, e a apresentação deu início com a sua agente literária a discursar, seguindo-se o representante da sua editora. Camila finalizava a cerimónia. Começou pelo fim, agradecendo a confiança de todos os presentes, mas principalmente à sua editora e agente literária por lhe terem confiado as palavras daquela história – “De outro modo não seria possível, de outro modo não passaria de uma utopia”.
Após os agradecimentos, desabafou o seu coração:
– “Procuro-te” é o meu primeiro livro e é um exemplo de como a vida é bonita, independentemente do que somos ou temos – disse, enquanto sorria,subtilmente, para o público e entornava o rosto em direção à mesa fazendo uma pausa pensativa a olhar para o livro, como se ele lhe tivesse falado.
– Todos os finais podem ser incríveis, se formos sinceros com o que sentimos… e, principalmente, se deixarmos a verdade tatuada em qualquer passo que damos – não lhe resistiu uma gota de água a cair pelo seu rosto bonito.
– Este livro não é menos que coração, não é menos que verdade, e não é menos que vida. Engloba mais do que coração, mais do que tudo aquilo que a vida possa trazer e armazenar de bonito… Há sempre uma necessidade na vida, como dita este livro, de expressar o que sentimos.
Sempre… E não é o fim, pois há sempre vontade de escrever sobre o amor. Na sua forma. Na sua plenitude… – mais uma breve pausa, mas, desta vez, Camila teve mesmo de respirar profundamente, ouvindo-se a intenção desse ato porque não queria chorar.
– Estou emocionada, porque gostava mesmo que o mundo fosse sempre bonito e com pessoas bonitas, que fosse mais poderoso nas emoções e nas suas cores… Eu sei que tenho uma alma colorida e um interior de criança, e sinceramente, ainda bem, eu não quero que isto se perca. Quero ser sempre esta menina-mulher que não se perde no sofrimento, causado pelos outros, e que não deixa de sentir as coisas quando uma porta se fecha… – o público estava completamente rendido às suas palavras e muito conectado com aquele coração movido a cores.
– Que sejamos sempre amor. No início, no meio e no fim – assim que a frase terminou, um silêncio fez-se sentir e as pessoas mantiveram-se com expressões calmas, de quem está envolvido na perceção total das palavras.
Como se aquelas palavras lhes tivessem absorvido a alma e o coração…
Por fim, uma pessoa levantou-se, seguindo-se outra e outra, até que a livraria se encheu de uma plateia em pé e uma enorme salva de palmas preencheu todos os cantos e vazios daquela livraria. Não houve lugar para a sombra ou silêncio, apenas a luz cobria de magnitude aquele pulsar de corações em uníssono.
(a próxima edição continuará a acrescentar conffettis de amor a esta história)
Juliana Gomes, escritora
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