Conto

Capítulo XIII: Camila do Passado vs Camila do Presente

Capítulo XIII

Camila do Passado vs Camila do Presente

A vida tem pouca coisa que importa e nunca será o amor. A Camila, do passado, esperou anos por Gonçalo. Não sabia ao certo quantos anos, mas eram muitos. Levava os dias a pensar em como seria o reencontro deles. “Talvez seja amanhã”, dizia ela. Era como se, de tão forte que aquele sentimento a intersetava, Camila considerasse impossível existir ao mesmo tempo que Gonçalo. Era como se falar de tudo até às quatro da manhã mudasse o mundo, mas não o bastante, pois há um medo terrível de envelhecer ou até de morrer nos minutos seguintes. Mas nunca foi, nunca era.

A Camila, do passado, tinha ficado solteira à espera de Gonçalo, esquecendo-se que tinha direito a uma existência normal. Mas calma. Esta seria uma Camila do passado, retida num amor, uma Camila que só via o Gonçalo, mas há uma Camila do presente. Contudo, continuamos a ter uma Camila do passado, um coração em crise, e um amor que fica para sempre dentro de nós. E podemos desvalorizar as tempestades. A verdade é que há pessoas que nunca vão sair do nosso coração. Enfim, são sentimentos que nos são devolvidos, são cartas que nunca são lidas porque foram escritas para um mundo que tem a sabedoria de não as ler.

É como se não houvesse forma de fazer um amor dissipar-se, porque é isso, ele não se dissipa, ele vive e morre connosco. Mesmo que pelo meio existam novas possibilidades. Elas aparecem, mas não se denominam de amor. Amor? O amor. Bem, creio que ele é uma verdade irrepetível. Da mesma forma que só existe um coração, só existe um amor. É um sentimento tão forte em nós que não guarda vantagem para um outro, que não se descobre noutro coração, que não se conjuga diferente, que não acontece sem ser ali, onde iniciou. Ele inicia e morre onde nasceu. E, não. Não é o hábito de embelezar as coisas, é tornar tudo isto real. Tão real como este amor de Camila por Gonçalo. Aquele amor que pouco se ouve falar, aquele amor que quase já se afogou, aquele amor que hoje é tão raro como amar, aquele amor que a maioria das pessoas desconhece porque a pressa estraga o seu crescimento, a sua construção. Não é tornar tudo isto um momento mágico dentro de umas páginas, mas a verdade só acontece assim, falando sobre ela, falando sobre o que ela desperta em nós. Por isso, aqui só cabe amor. Aqui só cabe verdade, como se o nosso coração batesse na nossa cara. E, Deus. Que beleza! 

Camila avançou, virou a página quase toda daquele amor, mas que, ainda assim, se levantava de vez em quando. Mesmo sem a brisa. Mas, a Camila do presente guardava muita independência. A determinação dela por coisas que gostava de fazer estava a tornar-se num caminho de sucesso. Tinha finalizado um romance (na muche!) e estava prestes a fazer o seu lançamento. Foi aprovado com mérito por uma editora, que não aquela em que trabalhava, para ela isso seria pouco ético, e encontrava-se entusiasmada e confiante sobre o que as páginas dele traduziam. O livro intitulava-se, “Procuro-te”. “Procuro-te?! Desculpa, tenho que me rir. Onde está o segredo disto? A sério que é esse o título do livro?! Isto é tão óbvio, tão gritante, tão sei lá o que lhe dizer mais.”

Voz borboleta, isto é só o título de um livro inspirado na história deles, mas é só um livro. E, repara. Na realidade isto nunca foi um segredo, estava tudo palpável, só era segredo para o Gonçalo. Caraças. Porque é tão difícil falarmos as coisas quanto mais elas estão dentro de nós? Por favor, alguém desse lado que me elucide este cérebro. Só mesmo Gonçalo a não querer ser encontrado. Ele nem tampouco sonha que é amor, o que Camila reserva no coração. “Afinal, a Camila do presente não parece assim tão descolada da Camila do passado.” Aquilo que é importante perceber, é que uma não existe sem a outra. Aqui falamos de um amor a cultivar-se dentro do coração, não aquele amor atual que é tão esquisito que me faz espécie. E mesmo não sendo um amor experienciado, o que torna tudo ainda mais difícil de compreender, é que é amor. Não deixa de o ser só porque há quem duvide da sua forma. Seja este de fácil compreensão, ou um elemento irreal em todo o desenvolvimento desta história.

Por vezes, é difícil compreender porque não aceitamos aquilo que foge do que é considerado, na nossa ótica, o normal de acontecer. É quase como se a sociedade impusesse o amor em situações concretas. Como, duas pessoas que cresceram juntas, dois seres que se esbarram num café, duas pessoas que se conhecem numa discoteca, duas pessoas que se conhecem num jantar de amigos. Quando se fala de uma rapariga que só por ver alguém num comboio fica a ver o mundo pela primeira vez, em todos os sentidos, é algo surreal e não existe. “Não pode ser!”, como se ouvisse. Chega a ser quase perverso. Uma aceitação que mente na cara do outro.

As pessoas crescem e amadurecem aceitando o mundo e as suas diferenças, aceitando as pessoas e as suas histórias. Há tanta coisa a não interessar neste mundo, e uma delas é duvidar da verdade com que as pessoas expressam os seus sentimentos. Porém, na minha ótica de pessoa do mundo, em todas as suas arestas e formas imperfeitas, quando é verdade, ela chega e não bate à porta, ela já está dentro de casa. E, quando a vida te oferecer algo especial, aceita. 

Camila e este amor. 

Este amor e Camila. 

Aceita. 

(a próxima edição continuará a acrescentar confettis de amor a esta história)

Juliana Gomes, escritora
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