Conto

Capítulo IX: Perdida

Se nunca amaste ninguém ao primeiro instante, talvez não te identifiques nem um pouco com esta história. Vais achá-la ridícula, vais achar que só mesmo por ser uma história é que isto acontece. Se te dissesse que esta história é real? Isso mudaria a tua visão sobre a mesma? Ou continuarias na mesma posição firme, achando que tudo não passa de um sonho transferido e registado em folhas de papel? A Camila e o Gonçalo são duas personagens. Reais ou fictícias?! Bem, terás mesmo que continuar conectado para perceber. 

O tempo urge e não existe um stop para a vida. As pessoas vão e vêm, os sentimentos mudam como se estivéssemos todos os dias com o período, as palavras cobrem-se de medos e de inseguranças, ou de verdades e de mentiras, os sapatos descalçam-se e os pés calçam-se. A verdade é que Gonçalo continuava desaparecido, e Camila sem saber lidar com mais dias vazios. Ela continuava a rotina dela, a olhar para todos os cantos, a passear dentro do comboio a cada paragem, a ser uma louca de amor, a assumir-se uma apaixonada por inteiro. As cores dos dias de Camila mudaram do verde para o cinzento. Foi quase como deixar de ter flores no seu jardim. Eu sei, parece um tamanho exagero, mas ela sentia-se extinguida. Passou um ano assim. Um ano à procura de Gonçalo, na ida para o trabalho e no regresso do mesmo. E sempre mais do mesmo. Nada. Nunca mais Gonçalo fez luz na vida de Camila.

Até que o corpo gelou, os olhos brilharam, e o coração vibrou. Camila vê Gonçalo aquando da sua chegada a Braga, ouve-se: “(…) a CP agradece a sua preferência, esperando contar consigo numa próxima oportunidade.”.  Pois é, agora todas as oportunidades estavam diante de si. Gonçalo estava a entrar na outra linha do comboio e Camila ainda não tinha saído da carruagem. Pega nas suas coisas e começa a correr na tentativa de chegar a tempo de o comboio partir. Faltavam exatamente quatro minutos para encerrarem as portas. Mas Camila consegue entrar. Para. Respira. O tempo só lhe permitiu gritar. “Gonçalo! (e nada) Gonçalo! (um outro, e nada) Gonçalo! (o último)”. Este expressar foi um grito de amor, um grito de quem quer ser ouvida. Toda a carruagem parou. Olhavam todos para Camila estupefactos e a questionarem-se quem seria aquela rapariga do comboio a gritar por um rapaz. Gonçalo, sentado de frente junto à janela, ouviu o segundo – “Gonçalo!”, mas duvidou. Ouviu o terceiro – “Gonçalo!”, e levantou-se para ver o que se passava. Camila, depois de o ver, aproximou-se. Percorreu grande parte da carruagem aos soluços, inquieta, e de coração apressado. 

– “Porque desapareceste? Pensei que nunca mais ia ter a oportunidade de te ver. Já passou tanto tempo desde que me entregaste o teu desenho (mostrando-lhe o mesmo). Agora é o meu momento de te entregar uma mensagem. Eu sei que isto pode parecer um pouco leviano, mas é o que sinto, Gonçalo. Tenta não desaparecer, pois não me apetece guardar mais dias cinzentos.”

A senhora já tinha dado o aviso no exterior de que o comboio ia partir, e a última frase foi dita nos últimos segundos. Camila, saiu, viu as portas fecharem-se e estacionou a ver o comboio partir … o seu amor também partiu. Na carta que entregara a Gonçalo acrescentou ainda o seu contacto telefónico, na loucura de tudo ser correspondido. 

Camila, naquela noite, dormiu abraçada ao telemóvel como se fosse o seu peluche preferido, pois tinha receio de não acordar caso recebesse uma mensagem. Gonçalo não lhe disse nada nessa noite, nem nas que se seguiram. Camila, nos dias seguintes também não o viu mais. 

Que destino não acerta no amor?! 

Gonçalo entrou na vida de Camila no final do verão e tudo virou uma constelação a cair na terra. Ela nunca tinha visto nem conhecido alguém como ele. Sim, pode parecer tudo tão precoce para Camila sentir tanta verdade naquele ser, mas ela não desviava aquele sentimento. Era tudo genuíno dentro dela. Não havia como mentir sobre tudo. Camila assumia Gonçalo como talentoso, inteligente, discreto, mas visível, temperamental, e muito, muito bonito. E, ela amava-o. Questionava-se todos os dias porque Gonçalo não lhe dizia nada, mas não tinha nenhuma resposta. Gonçalo levou todas as respostas com ele, deixando Camila, vazia, confusa, e com uma dor de incompreensão que nunca iria desaparecer. Mas sabia que um dia, bem longe do seu presente, iria deixar de a sentir constantemente, e a raiva ficaria tão intensa que as outras emoções não iam deixar lugar para o amor. Camila podia amá-lo, mas sabia que teria que largar do coração, deixar livre o seu caminho. E onde quer que Gonçalo estivesse, Camila só queria que ele se sentisse bem e seguro, como talvez, ela não o fizesse sentir. Ainda assim, Camila não deixaria de o amar. Afinal. Quem ama, nunca deixa de amar … como se viver depois de alguém não existisse.   

(a próxima edição continuará a acrescentar confettis de amor a esta história).

 

Juliana Gomes, escritora
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