Marta Parreira é Neuropsicóloga e Diretora da Clínica de Neurorreabilitação NeuroGime, situada em Braga. Para Marta o amor é um ingrediente terapêutico capaz de transformar vidas. Acredita que “parte da cura das pessoas com perturbações psiquiátricas e/ou neurológicas esteja em injeções sem agulha mas de empatia, compreensão e entendimento”.
Falamos pouco de amor nos cuidados de saúde. Em psicologia este é, sobretudo, mencionado relativamente ao amor romântico, ao narcisismo ou ao amor próprio. Como neuropsicóloga clínica, trabalho diariamente com pessoas com patologia psiquiátrica e neurológica – quadros depressivos e ansiosos, consequências de acidentes vasculares e traumatismos cranianos, quadros demenciais, doenças desmielinizantes, epilepsia, neoplasia, entre outros.
Mas também me deparo com muito amor – o amor dos pais que têm o filho com atraso cognitivo ou desenvolvimental ou o amor dos filhos que vivem a evolução de um quadro demencial no seu pai. E, como profissional, vivo, entusiasticamente, um tipo de amor a que gostaria de chamar amor do cuidar.
E o amor surge, assim, na minha profissão como uma pedra angular: o amor aos outros, o amor ao conhecimento e o amor ao meu trabalho.
Durante o meu percurso académico aprendi a dominar competências técnicas e práticas que me permitiam realizar avaliações neuropsicológicas com o rigor científico e metodológico que, à partida, fariam de mim uma boa profissional. Percebi, ao longo do tempo, que para além de tudo isso, tinha outras ferramentas à minha disposição que seriam, mais do que complementares, essenciais ao trabalho nos cuidados de saúde: a compaixão, a empatia e a gratidão.
Os pacientes e os seus familiares estão a sofrer pelo impacto da doença e normalmente chegam até ao contexto hospitalar onde têm perante eles pessoas que usam vocabulário estranho, jargões médicos, respostas vagas.
A doença traz vulnerabilidade, desesperança e, sobretudo, medo. Diria que a par do diagnóstico que atribuímos aos nossos doentes, muitas vezes estes deviam ser “diagnosticados” com medo – medo da incapacidade, medo da debilidade, medo de deixarem de ser quem são, medo de desiludirem os outros, medo de ter medo.
E conheço poucas curas ou soluções para este medo que não sejam a presença, segurança, compreensão e amor. E nós, profissionais de saúde, temos aqui um papel privilegiado porque sabemos, de antemão, que quando nos sentimos seguros, nos sentimos esperançosos, e quando nos sentimos esperançosos, mais dificilmente sucumbimos à doença.
Como psicóloga não prescrevo medicação, mas lembro-me da primeira vez que escrevi uma receita. Estava perante um rapaz, de cerca de 35 anos, cuja mãe tinha acabado de ser diagnosticada com Doença de Alzheimer em estádio avançado. A mãe já estava medicada por neurologia, mas o filho procurava incessantemente novas respostas de tratamento e questionava-me qual seria o melhor remédio. Escrevi-lhe, no receituário, a palavra “amor”.
Acredito que parte da cura das pessoas com perturbações psiquiátricas e/ou neurológicas esteja em injeções sem agulha mas de empatia, compreensão e entendimento da perspetiva do outro. Diria que temos de sentir com a pessoa e não apenas saber o que ela está a sentir.
Apesar de estarmos na era moderna do advento de técnicas médicas e imagiológicas cada vez mais especializadas, corremos o risco de perder a nossa conexão com o que é mais importante. Porque damos por nós a procurar o objetivo enquanto perdemos o subjetivo. Se procuramos a cura como resultado, o amor deve estar inerente ao processo. E quando a cura não é possível, o amor passa a ser o resultado.
Ainda que por vezes seja operacionalmente difícil, os cuidados de saúde podem ser melhorados se nos lembrarmos, no meio dos timings apertados, dos registos clínicos, dos relatórios médicos e da análise de exames, de partilhar algo que todos nós possuímos: a capacidade humana para amar.
Marta Parreira
NeuroGime – Clínica de Neurorreabilitação
Rua Engenheiro Nuno Álvares Pereira, Nº 7 · Gualtar, Braga | t. 961 187 304
De segunda a sábado, das 09h00 às 20h00
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