Vidas

Sara Rocha

Sara Rocha cresceu a ter contacto com o bilhar. Ainda pequenina ia com o pai até um conhecido café de Braga e ficava a vê-lo disputar partidas com os amigos. Na brincadeira, Sara roubava as bolas dos buracos e ia para uma das mesas do lado jogar sozinha. Foi aí que ganhou o “bichinho” pela modalidade. Durante muitos anos, estando a frequentar o Ensino Secundário e, depois, o Superior, foi um hobbie como outro qualquer. A verdadeira paixão surgiu depois de um amigo a convidar a conhecer uma Academia de Bilhar.

“Acho que foi há 12 anos, pelos meus 25, que o meu amigo me desafiou. Só o termo «academia» já significava alguma coisa diferente, já não era o típico salão de jogos que associamos a vícios, com uma conotação mais negativa. Fui lá jogar uma partida e o dono disse-me que tinha jeito, que estava a formar uma equipa feminina, queria inscrevê-la na Federação Portuguesa de Bilhar e iniciá-la na competição”, explica.

Sara começou a jogar “mais a sério”, incentivada pelo dono do espaço, Manuel Costa, e pela família. Se a princípio ficou atordoada pela surpresa, não deixou que a inexperiência lhe toldasse os objectivos. Manuel puxava por ela, dizia-lhe que tinha potencial, que Sara tinha de continuar a treinar e fazer alguma coisa com o talento que tinha. Já licenciada em Direito e a trabalhar na editora Paleta de Letras, Sara treinava por vezes quatro, cinco, seis horas por dia.

Não é uma vida tão fácil quanto se possa pensar. As viagens são imensas, estamos praticamente todo o ano a viajar, não há um local de conforto, um lar, é complicado. Gostaria de experimentar e realmente perceber se isso é para mim. A modalidade exige-me muitas horas de dedicação. A mim e a todos os outros atletas!

“Apesar de serem muitas horas não me desconcentro por causa da paixão que sinto pelo bilhar, não se torna cansativo. Além disso tenho um espírito muito competitivo e muita curiosidade em aprender, o que me faz querer sempre jogar mais e mais. Hoje considero-me a melhor atleta a nível nacional, mas ainda tenho imenso para aprender… e ainda bem, senão isto não metia piada”, brinca.

No primeiro ano de competição, onde só frequentava desafios por equipas, venceu o seu primeiro jogo a uma atleta que já tinha ganho o título de campeã nacional da modalidade. Um incentivo para quem estava mesmo a começar, “muito inexperiente e com a técnica ainda frágil”. Logo no segundo ano começou a competir individualmente, foi à final da Taça de Portugal e foi vice-campeã nacional.

“Na altura também praticava dança. Já o fazia há cinco anos, danças de salão e danças latinas, fazia parte de uma turma de animação. Aí deu–se um momento de transição de hobbies, tive mesmo que optar, não tinha tempo para tudo. Desisti da dança. Quando faço as coisas não gosto de as fazer pela metade, gosto de as fazer bem feitas. Quando entro em alguma coisa entro para ser a melhor, mesmo que não o seja. Mas esforço-me por isso”, diz.

Curiosamente, os amigos que a acompanham no bilhar dizem que Sara nunca perdeu a veia de dançarina: quando está focada dá saltinhos à volta da mesa, parecendo executar uma dança. Depois da Academia de Bilhar de Braga seguiu-se a competição pelo Café Snack Bar Rampinha, que patrocinava a equipa. Foram campeãs nacionais por equipas, já a jogar contra grandes clubes como o FC Porto. Sara diz que foi um dos momentos mais marcantes deste percurso e relembra as provas com nítida saudade. Ainda no Rampinha, consegue ser campeã nacional em Bola 9 e Bola 10. No ano seguinte recebe uma proposta do Benfica, clube pelo qual jogou durante quatro anos.

“Davam-me boas condições, pagavam as despesas todas. Não há ordenados no bilhar, por isso a melhor coisa que uma pessoa pode ter é as despesas todas pagas. Em Portugal não dá para viver disto! Podia haver um apoio por parte do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), mas não há porque o bilhar não é uma modalidade olímpica. No bilhar sou a primeira atleta feminina em Portugal a ter o estatuto de atleta de alto rendimento, mas isso não me traz benefício algum”, explica.

Quando faço as coisas não gosto de as fazer pela metade, gosto de as fazer bem feitas. Quando entro em alguma coisa entro para ser a melhor, mesmo que não o seja. Mas esforço-me por isso.

Se tivesse mais apoios, Sara equacionaria fazer uma pausa na sua atual profissão e experimentar o bilhar a tempo inteiro por um período não superior a dois anos. Com os pés bem assentes na terra, frisa o “experimentar”.

“Não é uma vida tão fácil quanto se possa pensar. As viagens são imensas, estamos praticamente todo o ano a viajar, não há um local de conforto, um lar, é complicado. Gostaria de experimentar e realmente perceber se isso é para mim. A modalidade exige-me muitas horas de dedicação. A mim e a todos os outros atletas! Estou em contacto com várias colegas europeias e algumas delas treinam oito horas por dia. Chega a um ponto em que uma pessoa fica cansada de trabalhar para competir e para trazer medalhas para o país. Estamos a representar as cores da nossa bandeira, a trazer títulos e é tudo suportado pelo nosso dinheiro. Não faz sentido”, diz, com tristeza.

A realidade de outros países é bem diferente, com o bilhar a aparecer já em contexto escolar em alguns. Sara sente-se injustiçada. Depois de ter ganho medalhas de bronze e ouro no último Europeu – Campeã da Europa por equipas, terceiro lugar a nível individual na modalidade de Bola 9, em julho de 2018 – tentou obter através do IPDJ um prémio de mérito sustentado por um decreto de lei. A legislação parece ser dúbia e, mesmo depois de ter contactado a Secretaria de Estado, nada conseguiu.

“Já me mexi por todos os lados, mas o facto de o bilhar não ser uma modalidade olímpica estraga mesmo tudo. A esperança é que em 2024 alguma coisa se modifique! A verdade é que trabalhamos para sustentar este desporto. Tenho  apoio da Federação Portuguesa de Bilhar em certas provas, de outra forma já teria parado”, confessa.

Neste momento está concentrada no Open da China, uma das provas a que as medalhas no Campeonato Europeu lhe deram acesso. Como há quatro anos também concretizou outro grande sonho, o de abrir a sua própria academia, Bracara Academia de Bilhar, não lhe falta o que fazer.

“A ideia que eu tenho do bilhar e do desporto está lá espelhada. Não é um salão de jogos, é uma academia que tem snack-bar, setas e bilhar. Temos competição, temos uma equipa de jovens que está a começar, todas as quintas-feiras lhes dou treino, os miúdos adoram! É um espaço aberto para todas as idades, os jogadores sentem-se à vontade para levarem as mulheres e os filhos. Nunca ninguém se sentiu deslocado lá dentro”, descreve.

Antes disto, Sara chegou a abrir uma “escolinha” para crianças, mas acabou por encerrar a turma. Com provas, treinos e competições no estrangeiro não conseguia ministrar todas as aulas e, mesmo fazendo reposições, não se sentia bem a faltar tantas vezes. Agora dá treino técnico às quintas, das 21h30 às 22h30, mas sem a pressão da turma: qualquer pessoa é bem-vinda, independentemente da idade. O treino é gratuito. Sara fá-lo por gosto e paixão.

“Com a competição passei a sentir mais responsabilidades sobre a modalidade. Sei que comigo também houve uma mudança e que o bilhar passou a ser visto não apenas como «brincadeira». As pessoas percebem que existe todo um treino a respeitar, muito esforço da nossa parte, um plano alimentar a cumprir, muito treino, bem-estar a nível físico e psicológico a atingir. Esta é a única forma de sermos atletas! Ajudou a esta imagem o facto de ser mulher: para os pais das crianças foi mais fácil terem outra concepção da modalidade ao olharem para mim e verem que sou licenciada, trabalho e jogo bilhar”, diz, sorrindo.

Tenho um espírito muito competitivo e muita curiosidade em aprender, o que me faz querer sempre jogar mais e mais. Hoje considero-me a melhor atleta a nível nacional, mas ainda tenho imenso para aprender… e ainda bem, senão isto não metia piada.

Os dias de Sara passam a voar. Trabalha das 09h00 às 18h00, faz uma aula de Crossfit até às 19h00, janta, das 20h00 às 21h00 cobre a hora de jantar do funcionário da Academia e depois treina até às 22h30. Continua a treinar muito e a inspirar-se naqueles que considera serem os melhores: vê vídeos de competições, lê muitos livros da área, tenta repetir as manobras na mesa. No fim de semana volta a haver treinos, provas, competições. A vida pessoal fica afetada, são muitas as ausências em datas importantes. Família e amigos compreendem e incentivam-na sempre. Sara não se lamenta e sublinha que persistência, empenho, dedicação e trabalho são essenciais. Ter jeito não chega. Planos para o futuro? “Neste momento não há muitos. Estou a viver o plano”, ri.*

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