Sem Treta

Quem faz comédia anda à procura da aprovação dos outros

António Raminhos é uma das caras mais conhecidas da comédia portuguesa. Como nem só de gargalhadas e espetáculos vive o homem, assume-se como “caseiro” e “inseguro”. A Minha conheceu-o numa noite em que atuou no Teatro Sá da Bandeira com “O melhor do pior”, o espetáculo que retrata os atribulados anos que tem passado a fazer rir os portugueses.

É difícil ser comediante em Portugal?

Porque havia de ser difícil? Não, é a mesma coisa em todos os países! Tenho amigos comediantes no Brasil com processos “a dar com pau” por coisas que dizem, por isso há países piores que o nosso nesse sentido. Essa é uma falsa questão: nós achamos que o nosso país é mau para fazer comédia, mas vais falar com comediantes de outros sítios e eles vão dizer-te exatamente a mesma coisa: “não, o nosso é que é mau para fazer comédia!”. Cada país tem as suas especificidades, não é? As dificuldades acabam por ser mais ou menos as mesmas em cada sítio, variam apenas no grau. Nós para já estamos bem, ainda não temos processos (risos). 

Mas agora temos a polícia dos bons costumes…

Oh, isso!… Eu por acaso já tive um processo, aí há uns quatro anos. Tive que ir à polícia de Matosinhos prestar declarações! (risos) Foi uma confusão num espetáculo que fiz onde tinha uma piada em que precisava de uma referência local de uma casa de alterne. Perguntei às pessoas daquele sítio se sabiam de algum local e todas elas me disseram o nome de uma determinada casa. Eu disse isso durante o espetáculo, as pessoas riram-se e depois vim a perceber que aquilo não era o nome da casa, mas o nome do dono da casa… cuja família estava a assistir ao espetáculo! (risos) Uma confusão dos diabos porque ele nem era o dono da casa, tinha alugado aquilo… Eu a explicar isto ao polícia, ele a rir-se e pronto, não aconteceu nada. Eu disse a verdade, exatamente como tudo aconteceu, e ficou por aí. Agora a polícia existe mas nas redes sociais… Quem vai assistir a um espetáculo de Stand Up já está à espera de ver e ouvir comédia, já está se calhar à espera de se sentir ofendido a determinado momento… Mesmo que não o seja, a pessoa está preparada! Agora nas redes sociais… A maior parte das pessoas se calhar nunca viu um espetáculo ao vivo de comédia, não consegue compreender e distinguir que aquilo é simplesmente uma piada e utiliza as redes sobretudo para libertar as suas próprias frustrações. Quando criticam alguém, quando não gostam de alguém e falam mal dessa pessoa deveriam preocupar-se primeiro em perceber porque ficam irritadas em relação àquela pessoa. Porque o problema não é a pessoa! Se eu fico irritado com alguém, a primeira análise que tenho de fazer é esta: o que é que este gajo faz revelar em mim, o que me faz trazer cá para fora para eu ficar de tal forma irritado? Muitas vezes os problemas são meus e não dessa pessoa! 

Quando é que soubeste que querias ser comediante?

Quando fiquei desempregado e não tinha mais nada. Tive de arriscar (risos). Eu era jornalista e o jornal foi à falência. Comecei a ler muitas coisas sobre comédia, comecei a atuar… Houve uma altura em que ainda fiz alguns trabalhos de jornalismo, mas depois comecei a pensar: “eh pá, se é para ganhar uma porcaria e ter uma vida de porcaria, ao menos que seja a fazer o que gosto”! Então fui para uma área onde basicamente tenho um maior controlo sobre o meu trabalho: tenho a apreciação imediata das pessoas, ou gostam, ou não gostam; se não trabalhar, é por culpa minha; se ganhar pouco é por culpa minha… Tenho um maior controlo sobre as coisas! Foi aí que decidi que nunca mais queria jornalismo. Já tive oportunidades para voltar e disse que não. 

É um caminho definitivamente afastado?

Sim, sim. Eu escrevo para uma revista de carros, é um artigo mais cómico, mas às vezes ainda emprego muitas regras do jornalismo na maneira como o escrevo e o faço. Isso é giro. O que eu faço na TSF acaba por ser um bocadinho isso, são histórias, curiosidades, factos baseados onde depois meto porcaria pelo meio (risos), mas acaba por ter um pouco de investigação.

Podemos fazer humor com tudo?

Claro, eu acho que sim! O que define a piada é simplesmente se é boa ou é má, o tema acho que é indiferente. Posso fazer piadas sobre cancro, sobre Sida, sobre pretos, sobre brancos, sobre gays, sobre heterossexuais, seja sobre o que for, o que interessa, em última análise, é se tem piada. Se as pessoas não se riem é por razões muito concretas, parece-me. Há muitas pessoas que acham piada às coisas e depois não se riem por causa das suas crenças, não é por não acharem piada. Acontece muito isso nos espetáculos: digo coisas muito agressivas e sinto que às vezes as pessoas não se riem por medo e por… “Ai, eu não me posso rir disto”, “ai, como é que ele foi capaz de dizer aquilo, que horror, que parvoíce”!… Isso para mim acaba por ser muito engraçado. Portanto é assim: se a piada for boa, faz sentido, se não for, não faz! 

Quanto mais verdadeiro for o Stand Up, mais fácil fica.

Tens de estudar muito para fazer um espetáculo?

O início, quando estamos a experimentar material, é a altura mais complicada. É a altura onde um gajo acha que é uma porcaria, que não sabe fazer nada, que não tem piada… Fazemos uma piada e achamos que aquilo não funcionou, é uma porcaria, voltamos a fazer, já funcionou melhor, mas continuamos a achar que é uma porcaria… Essa é a pior fase. O estudo acaba por ser ir para casa e pegar nisso tudo, encadear aquilo num texto, numa estrutura, ensaiar. Eu às vezes ensaio em casa, quando as piadas são novas estou sozinho em casa a dizê-las e fazê-las para perceber se ainda me sai mais alguma coisa no meio daquela conversa… Portanto, estudar acaba por ser isso, decorar não faz sentido. Isto não é teatro, não é? Quanto mais verdadeiro for o Stand Up, mais fácil fica. E o Stand Up geralmente é isso, é eu contar a minha história, contar a minha maneira de viver as coisas, as minhas experiências. Por isso é que a maior parte das vezes muitos de nós até vão para palco só com uma ideia. Eu não sou muito de fazer isso, mas tenho muitos amigos que o fazem.

Mas acabas por improvisar?

Não improviso muito. Às vezes há coisas que surgem no meio das piadas, quando o espetáculo já está muito rotineiro começam a surgir novas piadas lá pelo meio. Já estou tão à vontade com o texto que volta e meia acaba por sair uma coisa nova. Agora improvisar, improvisar, não. Meto-me muito com as pessoas, mas num falso improviso. Aquilo que começou como improviso e vi que funcionou, guardei. É só truques, tudo uma mentira! (risos)

Quem faz comédia anda à procura da aprovação dos outros

E em casa, a tua esposa reage bem a esta escolha, a esta profissão?

Também é tudo uma mentira (risos)! Ela serve muito de barómetro: eu faço uma piada e pergunto-lhe o que acha, se é fixe. Às vezes diz que sim, outras diz que não, outras vezes estou a falar de um determinado tema e ela sugere-me outras coisas a acrescentar. Já está muito habituada a isto e também tem muita graça, às vezes também é um bocadinho sarcástica e ajuda-me a criar estas coisas. Mas também leva com a parte má, como as vezes em que eu tenho de estar fora de casa, as vezes em que eu começo a dizer que é tudo uma grande porcaria, em que uma sala não encheu e é tudo uma porcaria, mas estiveram quatrocentas pessoas e é tudo uma porcaria na mesma… (risos). Isto é muito comum, há muita insegurança no meio disto tudo. Agora já não chateio tanto, antigamente chateava mais. 

És inseguro? Os espetadores não têm essa perspetiva…

Quem faz comédia anda à procura da aprovação dos outros.

Mesmo o Raminhos?

Claro! Sobretudo eu! Nós chegamos ao cúmulo de dizer que somos uma porcaria durante espetáculos… E sentimos mesmo isto, é horrível! Mas, ao mesmo tempo, a comédia é um vício. Tinha um amigo meu, o primeiro com quem atuei, que dizia uma coisa que nunca mais esqueci: isto de fazer comédia é como heroína, experimentas uma vez e já não consegues largar. Torna-se um vício porque sabes que estás a fazer mal a ti próprio – é os nervos, é o stress e tudo o resto – mas também tens a parte da adrenalina, do desfrutar. Porque uma pessoa desfruta, não é? E eu divirto-me com as pessoas, ontem diverti-me muito no Sá da Bandeira. Mas o stress, os nervos, o não saber se vai ou não funcionar… Ui! Houve um estudo qualquer há uns tempos que dizia que o primeiro ou segundo maior medo das pessoas é falar em público. Nós estamos uma hora e meia a fazer isso. Em palco, sozinhos, num sítio com mais nada. 

Se viveres sem o espírito do consumismo vives muito mais o Natal, é muito giro.

As tuas filhas já preenchem notas biográficas na escola? Temos curiosidade em saber qual é a profissão que associam ao pai.

(risos) Por acaso não me estou a lembrar se já lhes perguntei se elas sabem o que faço. Mas acho que elas dizem que eu conto piadas, ou uma coisa assim do género. Já lhes perguntei, no entanto, se já alguma vez tiveram chatices por causa dos vídeos na escola. Tinha isso muito controlado e elas sempre disseram que não, sobretudo a mais velha. Eu pergunto: “então nunca te chateiam?”. E ela: “Não! Às vezes os outros meninos falam dos vídeos”. “Mas chateiam-te?”. “Não, não, só falam de ti”. “Ai é? E o que dizem?”. “Dizem que tu és parvo”.  “E tu?!”. “Eu digo que é verdade!”. (risos) Então pronto, é isso, está tudo bem, está tudo tranquilo (risos). 

Temos o Natal a aproximar-se. Nesta época lá em casa: Pai Natal ou Menino Jesus?

Eh pá… Interiormente, Menino Jesus. Comercialmente, Pai Natal. Sim, sou cristão, sou crente, e para mim a festa do Natal tem a ver com o nascimento de Jesus. Acredito que nem tenha sido nesta altura, mas é a data em que se assinala, que se escolheu. Toda a festividade, a família, o espírito natalício, é isso que eu vivo. Agora com as miúdas ainda mais. Há aquela coisa de fazer a árvore de Natal e de tentarmos manter a crença de que o Pai Natal existe… Fazemos muito essa brincadeira. Houve um ano que nós conseguimos ter um Pai Natal a sério, combinamos com outro casal amigo. Há um Pai Natal que costuma aparecer muito na televisão, um velhote muito castiço, e contratamos o homem para ir lá a casa à noite. As miúdas passaram-se todas, ficaram loucas, porque o homem é o Pai Natal autêntico! (risos) É muito engraçado ver isso. Uma pessoa quando tem filhos acaba por viver as coisas de outra forma. E se viveres sem o espírito do consumismo vives muito mais o Natal, é muito giro. 

Isso quer dizer que não perdem a cabeça com os presentes?

É muito raro darmos prendas às miúdas, mesmo no Natal. Elas já têm prendas de tanta gente!… Se elas pedirem alguma coisa muito específica, que seja talvez um bocadinho mais cara e nós possamos dar… Se sentirmos que faz sentido, damos. Mas normalmente nem nos anos costumamos dar prendas, damos fora dessas datas. A do meio queria ter um tablet e escolhemos dá-lo nos anos. Agora no Natal há de pedir aquela porcaria daquelas bonecas… como é que se chamam? (risos). Umas que vêm dentro de umas bolas… as LOL! Tenho que aturar isso (risos). 

Que idades têm as meninas?

A mais velha tem oito, a do meio seis, a mais nova dois anos. 

Como é que costumam passar a consoada?

Eu gostava de passar sozinho com a minha família em casa, mas não dá. Tenho de ir para casa da minha sogra. Quando a minha mãe era viva íamos trocando entre os meus pais e os da Catarina Agora como o meu pai está a viver mais pelo Alentejo, ficamos só na casa da minha sogra. Há sempre aqueles acordos que um gajo tem de fazer no Natal (risos). Por mim era em casa, Ano Novo e tudo, tudo em casa! Sem mexer uma palha…

És um homem caseiro?

Sou, muito! Ando sempre de um lado para o outro!… Passo muito tempo fora de casa. Costumo passar só um dia fora, mas, por exemplo, aqui no Porto já estou há três dias. Faço isto mais ou menos há onze, doze anos. Quando não tinha filhos fazia muitos bares, passava quintas, sextas e sábados à noite fora de casa, muitas vezes a aturar bêbedos no final da noite. Já não tenho paciência para isso. O que eu gostava mesmo era de ficar em casa sossegadito!

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