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Sinfonietta de Braga: Aprender com o passado, de olhos postos no futuro

Pedro Oliveira, Joaquim Pereira, Paulo Morais, Francisco Fontes, Tiago Mendes, Miguel Oliveira, Maria Afonso e Bernardo Alcoforado são jovens e dinâmicos. Trabalham por paixão, têm muitas vezes que remar contra a maré. A música deles não está nos “tops”, nem soa de cada vez que mudamos de estação de rádio. Mas é de qualidade, composta de perseverança, resiliência e dedicação. Falamos da Sinfonietta de Braga e de como oito jovens querem tornar a música erudita acessível a todas as pessoas sem, no entanto, perder a sua essência.

A Sinfonietta de Braga nasceu em 2006, a partir da vontade de um professor do Conservatório e um grupo de alunos do Ensino Secundário. O motivo para o nascimento desta Associação foi simples: tocar para além das portas da escola. Dez anos depois, a Sinfonietta passou por uma transformação. Joaquim Pereira e Paulo Morais assumiram as rédeas da Associação e convocaram eleições. Nascia assim uma nova visão da Sinfonietta com Pedro Oliveira eleito Presidente, Joaquim Pereira como vice-Presidente e Paulo Morais como Diretor Artístico. De um organismo praticamente constituído por alunos, a Sinfonietta passava a ser uma Associação constituída exclusivamente por músicos profissionais. São oito os elementos que formam a equipa de modo permanente, mas, ocasionalmente, dependendo dos eventos, juntam-se outros tantos. Há, no entanto, uma série de requisitos essenciais: têm de ser músicos profissionais, ter disponibilidade e, acima de tudo, vontade. O trabalho na Sinfonietta não é remunerado, é imenso e exige muita dedicação, já que muitas das vezes tem de ser conciliado com profissões a tempo inteiro. Os responsáveis afirmam que a Associação, nos moldes que conhecemos hoje, surgiu para suprir uma necessidade existente em Braga, realidade que acaba por ser transversal à maioria dos distritos do país.

“Este é um problema de Portugal e que não se vê só nas artes: o Estado financia através das Universidades Públicas vários cursos que dão formação, mas quando os alunos chegam ao mercado de trabalho, não há instituições que lhe deem continuidade. Ou seja, temos formação, mas depois acabamos por ir lá para fora. Foi o que nos aconteceu: estudamos cá, fomos para fora e quando chegamos a Braga não tínhamos qualquer plataforma para aproveitar os nossos conhecimentos, as nossas competências. No caso dos músicos, acabam muitas vezes por dedicar-se apenas à educação”, afirma Pedro Oliveira.

Pedro Oliveira

O Presidente dá o exemplo dos professores de violino que, aos vinte e poucos anos, parecem estagnar na carreira e deixar de evoluir quando se encontram apenas dedicados ao ensino. Pedro afirma ser necessário um pouco de desafio e ambição, já que a arte é sinónimo de evolução e renascimento.

“O nosso problema, enquanto professores de violino, é a situação ser redutora. Na música, tal como em outras carreiras, há uma evolução constante. Não é por ter um mestrado ou doutoramento que eu já sei tudo, há uma necessidade de redescoberta, o mundo não pára, é redutor só darmos aulas. Ainda por cima estamos a ensinar uma coisa que depois já não praticamos! Há uma espécie de comodismo que é venenoso”, afirma.

Joaquim concorda e espera que a cidade dê resposta aos futuros músicos com instituições como a Sinfonietta, permitindo-lhes plataformas que os ajudem a explorar e potenciar a sua arte, dando-se, ao mesmo tempo, a conhecer ao público.

“É por isso que todos os nossos projetos e atividades primam sempre pelo respeito máximo da profissão de músico. É complicado por vezes distinguir aquilo que é um contexto académico e um concerto com músicos profissionais com largos anos de estudo e experiência. Não podem ser equiparados e é importante que o público perceba a diferença entre aquilo que é um espetáculo gratuito académico e um espetáculo que também é gratuito, mas cujo promotor será, por exemplo, o Município, que proporciona o serviço público da cultura. É mesmo importante que o nosso público perceba que os nossos músicos são pagos”, aponta o vice-Presidente.

Que fique bem claro: os dois músicos não condenam a existência de projetos amadores ou académicos. Pelo contrário, apontam até o exemplo da Alemanha, com uma quantidade de orquestras amadoras “inacreditável”, o que dizem ser bom para sensibilizar a população quanto a este tipo de música. Ao mesmo tempo, também obriga ao aperfeiçoamento e melhoria contínua dos grupos profissionais. Apesar de em Portugal a realidade ser bastante diferente, a Sinfonietta considera que vai tendo cada vez mais público, muito em parte fruto do trabalho que se esforça por desenvolver.

“Vamos tendo cada vez mais público. Somos jovens e temos consciência de que temos de preparar a nossa cidade para um possível desenvolvimento. Não podemos chegar de outros países e querer fazer aqui o que fazíamos lá, não faz sentido. As pessoas não estão habituadas, não estão preparadas, é um contexto completamente diferente. Daí que as nossas primeiras iniciativas consistissem na formação de públicos”, diz Pedro.

“O nosso problema, enquanto professores de violino, é a situação ser redutora. Na música, tal como em outras carreiras, há uma evolução constante. Não é por ter um mestrado ou doutoramento que eu já sei tudo, há uma necessidade de redescoberta, o mundo não pára, é redutor só darmos aulas. Ainda por cima estamos a ensinar uma coisa que depois já não praticamos! Há uma espécie de comodismo que é venenoso”

O Presidente diz ainda que, durante muito tempo, a música erudita foi estereotipada como elitista, já que apenas uma parte da sociedade tinha acesso a este tipo de melodias. Hoje em dia o cenário é outro, com as pessoas a poderem ter acesso ao trabalho de diversos compositores através de plataformas como o Youtube.

“Para mim não era a arte que era elitista, mas os meios de acesso. E esses meios de acesso estão cada vez mais inclusivos. Agora é nossa missão que a música erudita chegue a qualquer pessoa e para isso temos de fazer um esforço de ir, por exemplo, às aldeias e tornar compositores como Nielsen ou Bach significativos. É preciso um esforço muito grande, mas é possível. Acho que é essa a missão que temos levado a cabo durante estes três anos e felizmente temos tido bastantes frutos”, acrescenta. 

A Sinfonietta tem visto cada vez mais pessoas a assistir aos seus concertos. Muitas delas veem mais do que um e começam a consumir arte e cultura, algo essencial para toda a gente, segundo os responsáveis.

Joaquim Pereira

“O ensino musical faz parte de uma bagagem cultural a que toda a gente deveria ter acesso. Antes de falarmos, balbuciamos, o que também é uma forma musical de o ser humano se expressar. Se houvesse essa sensibilidade para pegar num instrumento, provavelmente as pessoas valorizariam de outra forma os espetáculos musicais. A questão da formação de públicos deve partir precisamente dos mais jovens, porque as pessoas mais velhas dificilmente vão mudar rapidamente os seus hábitos. Em Braga já se tem vindo a fazer um percurso nesse sentido”, diz Joaquim Pereira.

Os músicos dizem que o caminho já está a ser feito, mas acham que deveria haver ainda maior abertura por parte dos agentes culturais e salas de espetáculo dos Municípios. De certa forma, a Sinfonietta tenta compensar as lacunas que ainda se fazem sentir através das suas atividades.

“Queremos levar a música erudita a todos, mas sem comprometer a sua essência. Nós queremos que as pessoas se apercebam aos poucos de certos aspetos formais, de certas capacidades auditivas da música que lhes permite apreciar os concertos de determinada maneira para, no futuro, conseguirem fazer essa apreciação de forma autónoma. Não queremos fazer uma criação quase nova que comprometa o original”, acrescenta o violinista.

“Uma pessoa tem de ser plástica e flexível nos dias de hoje. Se achamos que vamos entrar para um trabalho e ficar lá durante 40 anos… Isso é uma miragem do século XX. O mundo está numa constante mudança e nós temos de fazer parte dela. Temos de aprender com o passado, mas olhar para o futuro. As pessoas são muito comodistas, pensam que podem sentar-se, é tudo igual e tudo lhes vai ter ao colo… Isso é uma falácia enorme.”

Um dos projetos da Associação que toca precisamente nestes pontos é o “Falando de Música – Descentra”, levado a cabo pela Sinfonietta e promovido pela Câmara Municipal de Braga. Em 2019 viu nascer a segunda edição e os músicos garantem a sua continuidade este ano, até pelo sucesso que tem tido. O “Falando de Música” garante concertos com música erudita à população bracarense, mas deslocados do centro urbano de Braga.

“A primeira edição, em 2018, teve boa aceitação, com um programa instrumental para o nosso ensemble de coros, ao qual associamos um comentador que foi falando acerca das obras, de modo a que as pessoas estivessem atentas a certos pormenores. A isso chama-se incorporar as pessoas naquilo que estão a ouvir. De certa maneira é educar os  seus ouvidos para a audição. No final, como encore, apresentamos a voz como instrumento e houve uma cantora, a Rita Morais, que cantou uma área muito conhecida de Puccini, O Mio Babbino Caro. As pessoas sentiram-se tão identificadas com a voz que em 2019 dividimos o programa em duas partes: uma parte puramente instrumental com Bach, A Arte da Fuga, e Nielsen, Suite para Cordas. Na segunda metade apresentamos as canções tradicionais populares espanholas de Manuel de Falla, com um ciclo de canções para voz, para orquestra, de modo a ir ao encontro daquilo que foi o feedback do público e ao seu agrado com a parte vocal”, explica Joaquim.

Para 2020 a Sinfonietta também promete arrancar com um Festival Informal de Ópera – após candidatura aceite pela Direção Geral das Artes –, um concerto na Semana Santa e até alguns fora de Braga. Estes últimos surgem no âmbito de uma colaboração com a associação Musicamera Produções, uma das maiores em todo o país a nível de intervenção cultural. Os dois grupos unem esforços e levam a cabo o “Descobrir Noronha”, que irá reviver o nascimento do compositor Francisco de Sá Noronha, com concertos em Castelo Branco, Ferreira do Zêzere, Vila Real e Viana do Castelo.

Paulo Morais

Em termos de futuro a longo prazo, a Associação diz que “continuidade” é a palavra-chave: Pedro e Joaquim querem que o grupo se molde às necessidades dos músicos e que perdure para além da existência dos dois violinistas. Para isso, e como já foi apontado, é necessário muito trabalho, não só da Sinfonietta, mas também de outras instituições, como as de ensino.

“Uma pessoa tem de ser plástica e flexível nos dias de hoje. Se achamos que vamos entrar para um trabalho e ficar lá durante 40 anos… Isso é uma miragem do século XX. O mundo está numa constante mudança e nós temos de fazer parte dela. Temos de aprender com o passado, mas olhar para o futuro. As pessoas são muito comodistas, pensam que podem sentar-se, é tudo igual e tudo lhes vai ter ao colo… Isso é uma falácia enorme. A verdade é que estamos a educar os nossos alunos com base em premissas do passado, o que é perigoso porque estamos a preparar os alunos para um mercado de trabalho que não existe. O papel do pedagogo também tem de mudar”, adverte Pedro Oliveira.

Joaquim anui e diz que o professor terá que ser cada vez mais um mediador e facilitador de entendimento de conteúdos e situações, mais do que propriamente um transmissor de conhecimento. Deverá competir também às Universidades e Conservatórios elucidar os alunos, mostrando-lhes que a via de Ensino não é o único caminho possível de ser seguido. Com perseverança e resiliência, é precisamente o que a Sinfonietta vai mostrando: que há outros projetos, outros caminhos e uma multiplicidade de artes passível de ser trabalhada em conjunto.

“Já não sei onde li isto, mas, de facto, os índices culturais de um país estão muito associados aos da educação e as pessoas às vezes esquecem-se disto. É muito importante reforçar a cultura, nem que seja por esta razão”, conclui Pedro. 

A Sinfonietta promete continuar a lutar por este reforço, mesmo que isso signifique continuar a remar contra a maré.

 

Concerto 8 Estações

Já foi há um ano este fantástico concerto da Sinfonietta na Braga Barroca! Mais concertos vos aguardam! Deixem-nos o vosso comentário.

Gepostet von Sinfonietta de Braga am Montag, 24. September 2018

 

 

 

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