Diz quem faz parte que o trabalho é recompensador. Que se recebe em dobro aquilo que se dá com carinho, gosto e empenho. É assim no Banco Local de Voluntariado de Braga, onde centenas de pessoas dão o melhor de si em prol dos outros sem nada pedir em troca. Um “trabalho indispensável”, diz quem coordena o vasto leque de ações que cobrem áreas tão distintas e, simultaneamente, complementares, como as da ação social, saúde, educação, proteção civil, emprego e formação profissional, reinserção social e defesa e proteção dos animais.
Debates sobre diversos temas, distribuição de pequenos-almoços e apoio a alunos com multideficiência na hora do almoço são algumas das atividades realizadas ao longo de todo o ano, às quais se juntam outras de cariz pontual, na sua maioria traduzidas em apoio a eventos culturais ou desportivos da cidade. As festas de S. João e a Braga Romana são os exemplos mais recentes. A iniciativa “Férias Fantásticas”, que proporciona atividades junto dos mais novos durante a interrupção letiva, é a que se segue.
O dinamismo deste grupo é tal que até já foi criado um Grupo de Cantares que, todas as semanas pela hora do lanche, atua numa a Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) ou lar, proporcionando momentos de alegria junto dos utentes. “É uma espécie de musicoterapia”, explicou Joana Araújo, psicóloga e voluntária responsável pelo BLV.
O “rejuvenescimento” da equipa de voluntários é, atualmente, um dos objetivos da direção, já que a média de idades ultrapassa os 50 anos.
Centenas de voluntários garantem a realização de atividades ao longo de todo o ano
Criado em 2006, o Banco Local de Voluntariado (BLV) de Braga vai mediando as necessidades das entidades e de algumas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) com os voluntários inscritos na bolsa. “Por norma já sabemos quais são os interesses de cada um deles, se estão ou não livres num determinado período ou se poderão ser uma mais-valia tanto para si como para a ação. Há casos em que o voluntário que selecionamos não pode participar, mas acaba por nos encaminhar para outra pessoa”, explicou Joana Araújo, segundo a qual “há sempre alguém que veste a camisola e acaba por apoiar estas causas”. Para a responsável, trata-se de um trabalho “indispensável”, sendo difícil que muitas das atividades se realizassem sem este apoio.
Com uma idade média a rondar os 55 anos, o BLV pretende agora captar os mais jovens numa tentativa de rejuvenescer o grupo e garantir a sua continuidade no futuro. “Vamos tendo alguns jovens, mas não é um número tão significativo como o resto dos voluntários que têm um faixa etária mais elevada. Precisamos de dinamizar este voluntariado jovem, que é uma das nossas grandes dificuldades”, disse.
Chegar perto das universidades e escolas de que a cidade dispõe é uma das possíveis soluções apontada pela responsável. “Acho que também faz falta conhecerem o que é o voluntariado e começarem a sair do digital para a própria ação. E, de certa forma, perceberem o que vão ganhar com essas ações de voluntariado porque não são só as experiências, é também esta reciprocidade de partilha e a interação com quem é ajudado e com os restantes voluntários, o convívio social”, referiu.
Para Joana Araújo, este contacto acaba por ser até importante na definição do futuro dos voluntários, pois acabam por perceber se têm ou não vocação para uma determinada área e quais as competências necessárias a desenvolver. Por outro lado, ajuda a quebrar mitos. “Há casos de jovens que achavam que, por exemplo, iam gostar de trabalhar com a população sem-abrigo, mas depois o contacto com a realidade pode fazer com que se desconstruam alguns mitos e, no final, acabam por perceber que não existe vocação ou competência para isso”, sustentou.
“Café Memória” de Braga é dos mais participados em todo o país
Por entre os vários projetos em que está envolvido o BLV, destaca-se o “Café Memória”, um dos mais antigos e mais participado até mesmo a nível nacional. Trata-se de um local de encontro para pessoas com problemas de memória ou demência, seus familiares e cuidadores. A cada segundo sábado do mês, sentados numa mesa de café – “A Brasileira” é o ponto de encontro habitual –, debatem variados temas úteis para o seu dia a dia. Os direitos das pessoas com demência, os cuidados a ter numa situação de viagem ou de férias, ou como estimular a memória são alguns dos temas abordados por um especialista convidado para o efeito.
Tal como explicou Joana Araújo, para além do debate propriamente dito, trata-se também de um momento de interação entre os voluntários e de acolhimento de novos elementos. As atividades alternam entre palestra ou atividade prática. Como no final de cada sessão é elaborado um questionário, esta ação serve também para perceber quais os pontos de interesse e, assim, a melhorar a iniciativa mês após mês.
Para a psicóloga, a presença de um expert é uma das mais-valias destas sessões, permitindo o contacto com pessoas que, por uns momentos, “despem” a farda profissional e falam sobre diversos temas, desconstruindo também alguns mitos. “Muitas vezes não é fácil chegar, por exemplo, a um médico desta área e colocar questões porque eles têm sempre o tempo muito contadinho”, explicou.
Por outro lado, permite a troca de experiências entre os voluntários que, desta forma, podem contar novidades ou partilhar preocupações sentidas junto da equipa técnica. “É um momento social em que tomamos café e o atendimento é feito à mesa pelo voluntário”, disse.
O “Café com Memória” resulta de uma parceria entre o Município de Braga, o ACES e a Alzheimer Portugal.
A nível nacional, o “Café Memória” de Braga é um dos mais participados e onde já foram abordados mais temas. Com um limite médio de 30 a 35 participantes, já houve sessões com 70, uma delas fora de Portugal, concretamente em Vigo. Nesta visita os participantes tiveram a oportunidade de ficar a conhecer como no país vizinho se trabalha a área das demências.
Sementeiras, aulas para séniores e recolha de manuais escolares
Na Quinta Pedagógica, voluntários acompanham, semanalmente, às segundas-feiras, a preparação de sementeiras e colheitas junto de um grupo específico de jovens com deficiência da Associação de Paralisia Cerebral de Braga (APCB).
Já na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, o BLV presta apoio no projeto de Bolsa Solidária de Manuais Escolares Usados.
De destacar, ainda, o “Ciclo de Conhecimento”, um “voluntariado muito específico” com ações destinadas aos séniores, que podem frequentar aulas de inglês, novas tecnologias (TIC), História e Filosofia para a Vida. As aulas desta espécie de “universidade sénior” decorrem de fevereiro a julho e são dinamizadas por voluntários. “Promovemos algum conhecimento junto dos idosos, sobretudo fornecendo-lhes ferramentas que eles conseguem depois utilizar no seu dia a dia”, esclareceu a responsável.
PÃO DE LÁZARO: Dar sem nada pedir em troca
— Bom dia! Um pãozinho com doce de abóbora?
—Pode ser… agradeço. Hoje quero com uma cevadinha. Muito obrigado, Deus os ajude!
É assim, com alegria, que começam os dias na cozinha e sala de pequenos almoços na Igreja dos Terceiros. A descrição é feita pelos voluntários da Associação Hospitaleiras de S. Lázaro que, todos os dias, de segunda-feira a domingo, sem exceção, das 08h00 às 09h30, servem o pequeno-almoço a todos os que lá se dirigirem.
Nas redes sociais, vários testemunhos dão nota do sentimento que se vive todas as manhãs no contacto com aqueles que mais necessitam e que, na primeira pessoa, retratam a importância desta ação tanto para quem abre as mãos, para dar, como para quem as estende, para receber.
“Em que dias dão o pequeno almoço?”, perguntou ele. Respondi que todos os dias, incluindo sábado e domingo. Ergueu as mãos ao céu e agradecia a Deus. (Testemunho de Voluntária)
Criada em maio, a missão “Pão de Lázaro” distribui pequenos-almoços a todos os que se dirijam à Igreja dos Terceiros. Não lhes é exigido nada em troca nem necessitam de ter sido encaminhados por uma instituição. Nenhum papel, nenhuma identificação, nenhum comprovativo. “Basta aparecerem entre as 08h00 e as 09h30 e dizerem que querem comer. A porta está sempre aberta”, explicou Joana Araújo.
Este projeto, preconizado pelo Arcebispo D. Jorge Ortiga, nasceu da necessidade de garantir esta refeição à população sem-abrigo, já que, até à data, as instituições encarregues de distribuir refeições apenas o fazem ao almoço e jantar.
Dois meses após o início, o balanço é animador, o que antevê a sua continuidade, até porque é previsível que o número vá aumentando à medida que a palavra é partilhada. “As equipas de rua da Cruz Vermelha Portuguesa têm divulgado, assim como os próprios voluntários, pessoas anónimas e varredores de rua, por isso prevemos que mais pessoas comecem a aderir”, referiu.
Refeições especiais junto de jovens especiais
Todos os dias de escola, um grupo de alunos com multideficiência da Escola Secundária Alberto Sampaio (ESAS) recebe o apoio de voluntários do BLV que auxilia o período do almoço, altura em que os funcionários estão em período de pausa. “São alunos com deficiência, alguns profunda. Encontram-se numa unidade específica em que é necessário ajudar a fazer a alimentação, já que é num horário em que os auxiliares de ação educativa também estão a comer. Daí terem recrutado voluntários para dar esse apoio”, adiantou Joana Araújo. Este é já o segundo ano em que o projeto é implementado na ESAS e, até ao momento, o balanço é positivo. “Precisávamos até de mais”, referiu uma das professoras, sublinhando que sem esta ajuda do Banco Local de Voluntariado seria muito complicado garantir o almoço a estes alunos, alguns dos quais não possuem auto-controlo nem destreza para pegarem em talheres e colocarem a comida na boca, por exemplo.
Para o apoio a estes jovens foi criado um grupo específico que recebeu uma formação inicial, já que este apoio pressupõe “competências muito específicas” a nível pessoal. Isto porque “trata-se de lidar com uma população muito específica e os próprios voluntários podem entrar em burnout [exaustão física e psicológica] e desenvolver alguns sentimentos de cansaço e tristeza, o que não é suposto desenvolverem”.
“Chá com Estórias” combate o estigma associado à saúde mental
Mais recentemente, o Banco Local de Voluntariado de Braga criou o “Chá com Estórias”, um projeto destinado a pessoas com problemas na área da saúde mental e ao combate ao estigma existente nesta área. Foi através do “Café Memória” que surgiu a necessidade de se criar “Chá com Estórias”, que resulta de uma parceria entre as Irmãs Hospitaleiras, o Município de Braga e a associação “O Salto”.
“Muitas vezes trazíamos temas, quer pela exaustão do cuidador que pode desenvolver algumas perturbações psicológicas quer pelos sintomas de pessoas com problemas associados à problemática da memória, já que é comum terem sintomas ou até mesmo o cuidador desenvolver uma perturbação psicológica. Por isso é importante sentarmo-nos e falarmos sobre os problemas da área da saúde mental, sobretudo para combater este estigma do que é uma pessoa com depressão, que tipo de ajuda pode procurar e como lidar com a questão e, acima de tudo, como a inserir na sociedade. Muitas vezes as pessoas têm questões muito simples que, se respondidas, podem fazer toda a diferença. Tudo isto de uma forma mais fácil e informal, sentados à mesa”, referiu.
Na última sessão, por exemplo, foram abordados os comportamentos aditivos, desde a toxicodependência ao alcoolismo. Desta partilha surgem depois outros contactos mais pessoais no Balcão Único de atendimento ao público instalado no edifício do Pópulo, onde funciona provisoriamente o BLV, enquanto decorrem obras nas suas instalações na Rua Frei Caetano Brandão.