Sofia Franco é mãe, esposa, cronista e tantas outras coisas que os dias exigem. Fundou o blogue “Not Just 4 Mums” e é com ele que ocupa grande parte do seu tempo. Foi com a maternidade – tem três filhas: de 8 e 5 anos e uma bebé de 8 meses – que descobriu as novas emoções que hoje em dia a fazem procurar e dar a conhecer incessantemente exemplos femininos de irreverência e persistência. A Minha desafiou a Sofia a escrever mensalmente uma crónica relacionada com a maternidade. Este mês fala-nos da ecologia da sua infância.
Passei metade da minha infância no campo.
Os meus pais tinham uma terra na aldeia que ao fim de semana era o nosso destino. Lembro–me de no início não termos água nem luz, a água vinha da fonte em canecos azuis e a luz de um candeeiro de campismo. Éramos ecológicos sem percebermos ainda a dimensão da palavra.
Não gostava muito da casa pequena onde passávamos o fim de semana, o que eu gostava mesmo era da terra. Gostava principalmente daqueles pêros amarelos que comia de uma trinca só e das pêras que muitas vezes vinham com minhoca. Mais perto do riacho ficava a figueira no verão enchia-se de figos que devorava na hora, ainda quentes do sol. Trepava à árvore cheia de resina e ali ficava, como se fosse também eu um ramo ao vento.
Ouvíamos o chilrear dos pássaros logo pela manhã e sabíamos que dali a pouco tempo passava o peixeiro.
A carrinha do pão chegava pela tardinha, mas se mesmo assim faltasse no dia seguinte pão para a merenda, metíamos pernas ao caminho, atravessávamos o atalho para ir a casa da padeira e trazer de lá um, redondo e feito com farinha a sério.
Os meus pais plantaram batatas, cebolas, tomates, favas, melancias e melão, uva branca e uva tinta naquele pedaço de terra. Eram biológicos e não há gramática que chegue para adjetivar o sabor da palavra.
Quando chegava a hora encharcava-se o chão onde estavam as cebolas, descalçava-me e, com os pés a tocar a terra, puxava com força pela rama verde até arrancá–la para fora. Na vindima levava pão com chouriço e Fanta de laranja para a merenda e fingia tirar a uva da vide, enquanto me deitava à sombra das pereiras. Se chamavam por mim respondia que não estava perto do poço. Era dali que vinha a água para a rega, a que fazia crescer o feijão verde, as favas, o tomate e as ervilhas. Éramos sustentáveis sem conhecer outro sustento.
Não me lembro ao certo quando comecei a gostar de legumes, mas lembro-me de sempre ter achado estranho comprá-los em pacotes no hipermercado. E nunca me souberam ao mesmo.
As minhas filhas aprendem na escola de onde vêm os ovos e como nascem os pintos, mas eu vi-os nascer. Tínhamos uma chocadeira verde no nosso sótão com uma luz cor de laranja. Ficavam ali não sei quantos dias, até a casca se romper e nascerem os pequenos pintos amarelos que piavam noite e dia. Nessa altura não me fazia sentido falar em ecologia, sustentabilidade, ou produtos biológicos como hoje me esforço por explicar às miúdas.
Era a pequena produção que provinha daquela terra que nos dava sustento ao corpo e nos sustentava a alma para a semana seguinte. O trabalho é que nos moía o físico e libertava a mente. Sujávamos as mãos mas limpávamos as ideias. Tenho saudades!
Porque até hoje não consegui ainda comer melhor sopa do que a de feijão verde que eu ajudava a cortar, melhor frango do que aquele que se assava no churrasco, nas tardes depois da praia. E havia tempo para tudo nesses fins de semana. Até para ser criança!
Esforço-me hoje por manter uma alimentação saudável, com legumes que compro em supermercados que dizem não usar químicos, evito o desperdício e reutilizo o que posso, mas o que eu queria mesmo era voltar a essa casa pequenina, ir buscar água à fonte e sem esforço algum voltar a pisar a terra molhada para lhe arrancar o que de melhor nos dá. A vida. A liberdade. O sustento. A minha infância.
Sofia Franco
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