O Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, foi hoje declarado Património Mundial pela UNESCO. O Bom Jesus de Braga junta-se desta forma aos 15 outros locais classificados como Património Mundial em Portugal.
Para a Confraria, a votação do Comité do Património Mundial, reunido desde 30 de Junho na 43ª sessão anual, é “o culminar de 20 anos de trabalho” executado através de um programa de qualificação e valorização do património, assim como um reconhecimento da “qualidade, autenticidade e a monumentalidade sem precedentes do monte sagrado”.
A Confraria do Bom Jesus do Monte afirma ainda que este é “o começar de um novo momento” para o Santuário, assumindo o compromisso de implementar uma gestão de longo prazo e uma visitação qualificada e partilhar com os outros bens as suas competências em matéria de conservação do património.
Em Braga, no Santuário, nas igrejas e capelanias, os sinos soarão ao meio-dia como forma de comemoração.
Novas tradições
Atualmente há 138 pessoas que trabalham e vivem do Bom Jesus. Em época alta este número chega às 150 entre diferentes cargos e funções. No espaço domina o verde e o colorido das flores. As paisagens, que permitem uma vista privilegiada da cidade de Braga, são de cortar a respiração.
É o local preferido de muitas famílias para passear, levar as crianças a comer um gelado ou tirar uma fotografia no famoso cavalinho de brincar que há décadas faz as delícias de miúdos e graúdos. Às tradições de várias vidas – como andar no funicular ou ver Braga por um canudo – juntam-se algumas mais atuais… e saudáveis.
O Bom Jesus é procurado por muitos desportistas. Em dias de sol é comum ver dezenas de pessoas a caminhar até ao cimo do monte, a subir os escadórios ou a fazer diversos tipos de exercício. Vera Oliveira, de 32 anos, é uma dessas pessoas.
“Sempre que posso é o meu exercício favorito depois de um dia de trabalho, revitaliza corpo e mente! Bom Jesus? Sempre!”, conta.
Por norma, Vera faz caminhadas acompanhada de outras pessoas, mas se não tiver horários compatíveis com os colegas chega a percorrer a grande distância até ao cimo do monte sozinha. A tradição já tem uns cinco anos.
“A sensação de chegar lá acima e olhar para a cidade magnífica que temos torna-se num sabor agradável. Sinto-me muito bem depois do dever cumprido! Alivia o stress, ajuda a esquecer problemas enquanto vou concentrada em fazer o percurso”, diz.
A jovem explica que, mesmo cansada depois de um dia de trabalho, sabe que a caminhada e um banho são sinónimo de renovar energias. Já tentou praticar desporto em ginásios fechados, mas sente mesmo necessidade de regressar ao Bom Jesus.
Vera é mais uma das pessoas com memórias carinhosas do Santuário. Se em pequena ia ao parque infantil e andar de barco, hoje regressa com os sobrinhos, que também “deliram” com o espaço.
Os escadórios Bom Jesus vencem 116 metros de elevação com os seus 573 degraus, não é um percurso fácil. Ainda assim, há cada vez mais pessoas a fazer do espaço o “ginásio” de eleição.
O Escadório do Pórtico tem 376 degraus, o Escadório dos Cinco Sentidos 104, no Escadório das Virtudes são 59 os degraus e o Largo do Pelicano para o Adro 34.
Espaço de lazer e devoção
As celebrações religiosas são outro motivo que leva centenas de pessoas ao Bom Jesus todos os anos. Se a estância é visitada anualmente por cerca de um milhão e duzentas mil pessoas e o número aumenta de ano para ano, o mesmo acontece com as cerimónias religiosas, contrastando com o panorama nacional.
Em 2017 casaram-se no Bom Jesus 148 pessoas e foram celebrados 95 batizados. No ano de 2018 a Basílica já estava em obras, mas estima-se que a partir do final deste mês e até ao fim do ano de 2019 venham a ser celebrados pelo menos trinta matrimónios.
“O número de casamentos cá tem vindo a aumentar, o que não deixa de ser curioso, dado que o número de casamentos em Portugal tem diminuído. Isto mostra que as pessoas preferem casar numa igreja mais simbólica… O Bom Jesus é um lugar icónico que está na memória de milhares de pessoas que vieram cá em crianças. Isso traduz-se em memórias de gerações, já que essas pessoas depois voltam cá com as famílias que formam em adultas. Temos casos de tradição em que casou cá o avô, o pai e por aí fora! Também sabemos de quem tenha começado a namorar no Bom Jesus e, por isso, fazem questão de vir cá casar”, explica Varico Pereira, Secretário da Confraria do Bom Jesus do Monte.
O Secretário diz que além deste motivo ainda há outro muito forte, o cenário do Bom Jesus, que em termos de fotografia representa um espaço “espetacular”. O Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, concorda com esta afirmação, mas diz que há muitos fiéis que não casam apenas pela “parte circunstancial exterior”, mas com uma motivação interior mais forte.
“Os fiéis reconhecem que estão num Santuário onde é proclamada a bondade de Jesus, o que é um apelo a que no casamento o bom aconteça todos os dias. E não falo de casamento no momento da celebração, mas em toda a vida, relativamente ao que os cônjuges partilham entre si e depois ao que partilham com os filhos. Creio que esta é uma mensagem que o Bom Jesus acaba por comunicar a estas pessoas”, explica D. Jorge Ortiga.
Manuel Palmeira casou há 25 anos no Bom Jesus e diz que não escolheria um local diferente.
“Claramente foi uma opção pessoal. Desde muito cedo comecei a trabalhar em fotografia e era frequente ir ao Bom Jesus em trabalho. Fui criando uma ligação muito afetiva com o Santuário. Mais tarde acabei por descobrir que o meu avô paterno foi um dos pintores do altar-mor da igreja. Portanto, motivos mais que suficientes para não pensar sequer noutra escolha”, diz.
Manuel já comemorou as bodas de prata com a esposa e participou na eucaristia do Santuário. O carinho por este monte sagrado nasceu há décadas e “em nada se relaciona com a recente projeção do Santuário”.
Sílvia Morais também casou no Bom Jesus há 37 anos. Diz que o sonho de lá casar começou quando era criança.
“Em pequenina ia ao Bom Jesus com os meus pais e, já grande, com amigos ou o meu namorado. Sempre que visitava essa linda igreja, dizia que o meu sonho era casar lá. E assim foi! Quando o meu marido me pediu para casar, o meu sonho tornou-se realidade no momento em que me perguntou: «vamos casar no Bom Jesus»?”, conta.
No dia 13 de março de 1982 casou então no Bom Jesus. Hoje em dia Sílvia vive no estrangeiro, mas sempre que vem a Portugal faz questão de visitar o Santuário, o seu “local preferido”.
“Estou sempre lá, como acontece desde criança. Maravilhoso e sagrado lugar para mim sem igual”, sublinha.
A confirmação de uma certeza
Varico Pereira é perentório: o futuro é de compromisso, responsabilidade e exigência. O trabalho será ainda maior, mas também haverá outras condições para o concretizar.
“Este é um grande reconhecimento do excecional valor patrimonial e paisagístico do Bom Jesus e é, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade. Este selo – sim, porque nós já considerávamos o Bom Jesus Património Mundial, faltava-lhe apenas esta certificação – é o tal reconhecimento visível que faltava ao Bom Jesus e é um selo de responsabilidade para com o futuro. Aquelas que vão ser as responsabilidades de organização e gestão deste espaço vão ser muito mais exigentes do que as que existiram até agora. Temos de estar preparados para responder àquilo que são as exigências da UNESCO em relação a este património”, afirma.
O responsável diz ainda que a classificação do Bom Jesus como Património Mundial representa valor acrescentado, já que consiste em mais um “ativo importante no que diz respeito à cultura e ao turismo” e que o aumento de sítios classificados é um reconhecimento de que o património cultural lusitano tem muito valor, o que se traduz num maior número de visitas.
“Mais pessoas vão querer visitar Portugal, mais pessoas vão querer visitar o Minho, mais pessoas vão querer visitar o Bom Jesus e isso traduz-se em ganhos do ponto de vista da economia local, através do dinheiro que o turismo pode gerar. Esse dinheiro vai ajudar a criar emprego, vai ajudar a melhorar aquilo que é a preservação do espaço no sentido de termos mais fundos para fazermos intervenções na conservação e requalificação do património natural e cultural”, explica.
O Arcebispo Primaz também está consciente do elevado número de normas e orientações que passarão a reger o Bom Jesus e que significam ainda maiores cuidados de preservação da estância.
“O Bom Jesus tem de ser cuidado permanentemente, deve ser muito estimado! Deve contar com a colaboração de todos numa vertente positiva, para que não haja danos patrimoniais e ambientais. É muito importante este cuidado! A população deveria envolver-se muito mais com o Bom Jesus que não é apenas da Confraria, não é apenas da Arquidiocese: deveria ser de todos os bracarenses”, afirma.
Para D. Jorge Ortiga isto significa que cada um deve continuar a “construir a dignidade do Bom Jesus” e que deve haver uma tomada de consciência de que o local “não é apenas aprazível”, constituindo-se como um espaço de “qualidade ambiental, monumental, arquitetónica, simbólica e histórica de valor incalculável”.
A Candidatura
Para a inscrição de um local na Lista do Património Mundial é necessário demonstrar o seu Valor Universal Excecional, o que implica ir ao encontro dos critérios definidos pela Convenção do Património Mundial, assim como demonstrar a sua autenticidade e integridade.
O Comité do Património Mundial reúne uma vez por ano e é composto por representantes de 21 países eleitos pela Assembleia Geral. O Comité é responsável pela implementação da Convenção do Património Mundial, tendo a última palavra sobre a admissão de um bem na Lista do Património Mundial.
A candidatura do Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga a Património Mundial é presidida por D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga. A coordenação científica ficou a cargo das arquitetas paisagistas Teresa Andersen e Teresa Portela Marques.
Para a candidatura foi utilizado um dos dez critérios existentes na Convenção do Património Mundial para regular a integração de locais na Lista do Património Mundial e que diz respeito a um “importante intercâmbio de valores humanos”.
“A paisagem natural do Monte Espinho foi usada como cenário para uma Viae Crucis que resultou na construção de um santuário monumental que sofreu metamorfoses arquitetónicas e artísticas durante um período de seis séculos. No Santuário do Bom Jesus, os elementos naturais – granito, água, vegetação – e elementos culturais – escadarias, capelas, esculturas – são integrados de maneira a constituir um todo de caráter e espiritualidade excecionais, numa manifestação artística e construtiva do génio humano”, pode ler-se no catálogo de exibição do Bom Jesus.
A Arquidiocese de Braga e a Confraria do Bom Jesus do Monte já se encontram a organizar um concerto comemorativo que irá decorrer em Setembro no Santuário. O Presidente da República é um dos convidados e a iniciativa irá contar com músicos internacionais de renome.
Mafra também foi hoje inscrita como Património Mundial.